PLAY IT AGAIN... (Made in Japan)


LANÇAMENTOs
Uma seleção de novos álbuns de artistas japoneses. Ouça, divulgue, compre os discos...

 



Por Fabricio Vieira

 


Moon on the Lake  ****(*)

Satoko Fujii Tokyo Trio

Libra Records

Quem conhece o fascinante trabalho da pianista japonesa Satoko Fujii sabe a ampla gama de possibilidades exploradas por ela, que pode uma hora pender mais para o universo jazzístico, ora mais ao free impro, sempre com uma visada avant-garde, em busca de algo fresco. Neste novo trio, vemos as ideias free jazzísticas de Fujii em ebulição, em um envolvente concerto  registrado no clássico clube Pit Inn, no boêmio bairo de Shinjuku (Tóquio), em setembro de 2020.  A seu lado estão os mais jovens Takashi Sugawa (baixo e violoncelo) e Ittetsu Takemura (bateria). São cinco relativamente extensos temas, totalizando cerca de uma hora de viva música. O álbum inicia sem enrolação, com piano e bateria fazendo a introdução, quebrada pela entrada do baixo, que logo fica sozinho, em um processo que se estende por uns dois minutos, até o piano ir gradualmente retomando os espaços e nos conduzir a um solo de bateria. É curioso que tudo isso esteja na primeira peça, já deixando cada voz mostrar um pouco de suas particularidades. Em "Wait for the Moon to Rise" o tom muda bastante, com o arco pelas cordas criando camadas que são atravessadas com vagar pelo piano, ora em toques sutis nas teclas, ora com Fujii atacando as cordas, formando cascatas sonoras cortantes. O belíssimo solo de piano que abre a peça "Aspiration" coloca Fujii no centro das atenções, nos lembrando o porquê dela ser uma das vozes mais expressivas da cena contemporânea; com seu final apoteótico, esta provavelmente seja a faixa mais potente do álbum. A faixa-título, que fecha o registro, começa de forma bastante sutil, com o violoncelo em arco climático e o piano desenvolvendo uma vagarosa melodia, que chega a ganhar força dramática por um alguns momentos, antes de ir se dissolvendo até desaparecer, encerrando o registro.

 


Beyond *****

Futari

Libra Records

Futari é um novo duo que reúne as artistas Taiko Saito (vibrafone) e Satoko Fujii (piano).  A música hipnótica, sombria por vezes ("Todokanai Tegami" poderia entrar em uma trilha sonora de um filme de horror, com sua arrepiante melancolia), não deixa de nos surpreender e inebriar com o passar das faixas. A tônica do projeto é ir além, extrapolar fronteiras. E as duas instrumentistas fazem isso com louvor. As técnicas estendidas exploradas pelas artistas nos levam a um universo de descobertas que deve ser ainda mais incrível ao vivo, podendo ver os gestos, delicados por vezes, que geram cada som. Há temas mais diretos, onde de fato ouvimos, sem rodeios, o que poderíamos esperar de um duo de piano e vibrafone, como na saborosa "On The Road" ou mesmo em "Mizube". Mas logo à abertura, com "Molecular", ficamos hipnotizados pelas delicadas vias que vão sendo criadas. À sequência, "Proliferation" já apresenta outra robustez, com sons densos que chegam a martelar nossos sentidos. Em outro extremo está a saborosa, algo dançante, "Ame No Ato". Gravado no Oda Community Center, Subaru Concert Hall, na cidade japonesa de Ehime, em junho de 2019, Beyond é uma fantástica experiência sonora, daquelas que ampliam nossos sentidos e nos lembram do que é feita a arte.

 


Koki Solo  ****

Natsuki Tamura

Libra Records

O trompetista Natsuki Tamura tem criado e publicado com certa rapidez, principalmente em formato digital, discos solistas desde o ano passado, em meio à pandemia. Este Koki Solo é seu mais recente rebento no formato. Aqui Tamura apresenta oito temas inéditos. Um ponto interessante é que ele vai além do trompete, testando também o piano e a voz, o que amplia o resultado alcançado pelo registro.  A música é relativamente variada. Koki Solo abre com "Sekirei", na qual Tamura exibe sua ampla técnica ao trompete, uma voz desenvolvida em décadas experimentando o instrumento  ele acaba de completar 70 anos de idade , formando uma peça que vai do virtuosismo a momentos de maior lirismo. O tom muda completamente em "Karugamo", na sequência, com Tamura adentrando técnicas estendidas para criar uma faixa de ruídos de teor percussivo, metálico e quebradiço. O foco volta ao trompete na tocante "Kawau", com seu tema profundo e melancólico (especialmente em sua primeira metade), clima que se repete em "Chidori". O piano, executado de forma minimalista, marca "Bora", a mais longa faixa com seus quase dez minutos.    

  


Live in Matsuyama  ****

Takashi Seo/ Simon Nabatov/  Darren Moore

Lao Ban

O inventivo baixista Takashi Seo tem uma ainda relativamente discreta discografia, que vem recebendo novos capítulos especialmente na última década. Nascido em 1979 em Sapporo, Takashi Seo parece mais ligado à cena de seu país mesmo, tocando com alguns artistas estrangeiros quando estes passam pelo Japão. Tal é o caso deste Live in Matsuyama, gravado em trio ao lado do pianista russo Simon Nabatov e do baterista australiano Darren Moore. Os três já haviam se reunido antes em uma turnê em 2017, em um quarteto que contava também com o saxofonista Akira Sakata (e que rendeu o álbum "Not Seeing Is A Flower", pelo Leo Records). Esta nova gravação veio dois anos depois, sendo registrada em dezembro de 2019 no palco do Monk Jazz Club, em Matsuyama, e está diretamente ligada a "Not Seeing Is A Flower": isso porque, mais uma vez, eles iam excursionar junto com Sakata pelo Japão. Mas o saxofonista acabou não podendo se juntar a eles nas três primeiras apresentações programadas para a turnê. E é um desses concertos em trio (Sakata se juntou a eles depois) que acabou por virar o novo álbum. Mas a música é, na verdade, bastante diversa da do disco anterior, pois Sakata adiciona inevitável fúria e potência à sonoridade do grupo; sua ausência levou o trio a uma música com possibilidades mais introspectivas, detalhistas até, onde podemos aproveitar de forma mais profunda, por exemplo, o belo uso do arco por Takashi, como faz na primeira faixa ("One Down"). O breve registro, com cerca de 35 minutos, traz três temas, nos quais o trio mostra uma sonoridade perfeitamente ajustada, uma conversa íntima que deve soar incrível em um pequeno clube.

 


Ancient Blue   ***(*)

Takashi Sugawa Banksia Trio

Days od Delight

Apesar de transitar também pelas vias da free music, a destacar suas colaborações com a pianista Satoko Fujii, o baixista e violoncelista Takashi Sugawa tem uma forte ligação com o universo do jazz, como bem mostra sua discografia. Com seu Banksia Trio mostra exatamente esta sua voz jazzística em ação. O Banksia Trio, que estreou no começo de 2020 com o disco "Time Remembered", chega agora a um novo registro. Ao lado de Sugawa estão o baterista Shun Ishiwaka e o pianista (de som límpido e delicado) Masaki Hayashi. A música em Ancient Blue segue a linha de seu antecessor, mostrando um jazz bem-realizado e com algumas agradáveis surpresas pelo caminho. Da abertura com "Blue In Green" à autoral faixa-título temos uma música mais controlada, sem muitos riscos. No meio do caminho, chama atenção a curiosa "Kothbiro", de intrigante sabor oriental, permeada pelo baixo elétrico. Já a tocante "Uncompleted Waltz" é a melhor faixa, com Sugawa ao violoncelo e o piano destilando repetitiva e sutil melodia, algo melancólica, com um resultado soturnamente atmosférico. Outros bons momentos estão na introspectiva "Song for Nenna", com bonito trabalho de Sugawa ao arco em crescente intensidade antes de encontrar seu final.    

 


Live at Jazz Spot Combo 1975  ****

Itaru Oki Quartet

NoBusiness Records

Morto um ano atrás, o trompetista Itaru Oki (1941-2020) foi um dos pioneiros do free jazz no Japão, tendo participado de dezenas de álbuns, em aproximadas cinco décadas de carreira. Ainda em meados dos anos 70, se mudou para a França, mas nunca se afastou da cena japonesa, tendo sempre mantido parcerias com nomes locais e deixado registros com figuras centrais de seu país, como Masahiko Sato, Sabu Toyozumi e Otomo Yoshihide. Esta gravação agora resgatada vem de seus tempos iniciais, tendo sido feita em dezembro de 1975 no clube Jazz Spot, em Fukuoka. Em quarteto, Oki é acompanhado pelos seus principais parceiros de então, Keiki Modorikawa (baixo) e Hozumi Tanaka (bateria), aos quais se soma o sax alto de Yoshiaki Fujikawa. Oki, conhecido em sua trajetória por gostar de projetar/tocar trompetes de diferentes formatos, aqui aparece no seu instrumento regular, além de tocar flauta em alguns momentos do concerto. A saborosa  apresentação que agora podemos ouvir em competente remasterização mostra um pouco do quanto a música de Oki era vibrante, com seu sopro quente e profundo, que podia tanto soar lírico (como em "Combo Session 3") como trazer seus parceiros para um campo mais energy (ouçam "Combo Session 5", especialmente a partir dos cinco minutos). São cerca de 70 minutos de música, vivo free jazz dividido em cinco faixas que nos deixam nostálgicos para rememorar outras trabalhos do trompetista.

 


Live at Little John, Yokohama 1999  ****(*)

Mototeru Takaji Quartet

NoBusiness Records

Sob o comando do grande saxofonista Mototeru Takaji (1941-2002), este quarteto traz uma instigante formação, com Susumu Kongo (sax tenor), Nao Takeuchi (clarinete baixo, flauta, tenor) e Shota Koyama (bateria). Nesta apresentação captada ao vivo em setembro de 99, no Little John, em Yokohama, nunca antes editada oficialmente, vemos o quarteto em três longas faixas, totalizando mais de 70 minutos de música. Apesar da expectativa que a formação do grupo possa inicialmente causar, não se trata aqui propriamente de energy music, apesar de trazer seus momentos mais ariscos; os três sopros dialogam mais em sintonia e complementariedade do que em um modelo de disputa de espaços. O tom do concerto fica bem demarcado na abertura do primeiro tema (que conta com 40 minutos), no qual dois saxes tenor e o clarinete baixo traçam justo e inventivo diálogo, sem uma voz atropelar a outra ou forçar protagonismos; esse espírito se mantém até o meio da peça, quando a temperatura sobe consideravelmente por algum tempo. O segundo tema abre de forma similar, mas tem uma particularidade marcante, que é o trabalho com o clarinete baixo, que domina as atenções ao ir ascendendo do fundo para criar uma densa e profunda parede, por entre a qual os saxes tentarão se fazer serem ouvidos, sempre com a bateria sutilmente dando a base para os três sopros (o papel impactante do clarinete baixo nessa faixa faz ela se revelar a melhor do álbum). Já o último tema tem uma voltagem diversa, com as flautas assumindo espaço de destaque. Mototeru Takaji, que foi um dos nomes centrais do free jazz nipônico, morreria apenas três anos após este concerto. Diferentes gravações do saxofonista têm sido resgatadas desde sua morte, o que tem nos ajudado a conhecer mais desse grande músico que não deixou uma discografia muito extensa, considerando suas mais de três décadas de atividade. Este disco, assim como o de Itaru Oki, sai em versão digital e em LP, edição limitada de 300 cópias. Os álbuns fazem parte de uma série em parceria com o selo japonês Chap Chap Records, que tem resgatado importantes capítulos da free music do país.

 


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)