LANÇAMENTOs Em destaque, discos vindos de Portugal. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...
Suicide Underground Orchid ****
Ikizukuri + Susana Santos Silva
Multikulti Project
O Ikizukuri é originalmente um trio formado pelos portugueses Gonçalo Almeida (baixo) e Gustavo Costa (bateria e eletrônicos) ao lado do alemão Julius Gabriel (sax soprano). Eles estrearam em 2018, com um K7, "Hexum". E agora voltaram reforçados (e que reforço!): para formar essa versão quarteto do projeto, entrou em cena a trompetista Susana Santos Silva. O resultado foi excelente, com a trompetista trazendo não só mais potência, mas também adicionando toda a complexidade técnica e expressiva que caracteriza seu fazer musical. Devedor das linhagens do jazzcore, o Ikizukuri une a liberdade improvisativa e a energia do free jazz ao peso do metal, em uma combinação de elevada intensidade e temperatura. A reunião do grupo para este Suicide Underground Orchid se deu no Porto, no Sonoscopia, no ano passado. "Wealth, to the poison in the wash" é uma pefeita síntese da sonoridade do quarteto, com o baixo grooveado e robusto de Almeida (incrível em especial sua entrada após uma certa calmaria que toma conta por um tempo lá pelo meio da peça) impulsionando os duelos de sax e trompete, enquanto a bateria fraturada de Costa cria a tensão necessária para a música atingir seu máximo.Zero Out ****
Abdul Moimême/ Marco Scarassatti
OEM
Zero Out traz uma interessante (e infelizmente pouco comum) parceria Portugal-Brasil, unindo o guitarrista português Abdul Moimême ao artista sonoro brasileiro Marco Scarassatti. Esse encontro se deu em Lisboa, no Namouche Studios, antes da pandemia, em junho de 2019. Se Moimême é um dos raros músicos portugueses que já tocou no Brasil (esteve aqui com Carlos Zíngaro e João Pedro Viegas em 2014), Scarassatti é um dos poucos brasileiros com maior conexão com a cena portuguesa, tendo inclusive lançado alguns discos pelo selo Creative Sources, de Lisboa. A instrumentação selecionada para esta parceria é no mínimo inusual: Moimême trabalhou com duas guitarras elétricas tocadas simultaneamente, enquanto Scarassatti traz a sempre presente viola de cocho e o seu "tromp Kirk Roland" (uma de suas criações feita com mangueira, tubo de PVC, uma campana de corneta de banda marcial e boquilha de saxofone). Com esse arsenal, os dois desenvolveram uma sessão de improvisação livre – adentrando outras esferas, ecoando os campos do industrial e do noise – que resultou nas três faixas do álbum. O disco pode ser visto evoluindo em três etapas: "Desolation", que abre o trabalho, com seus 20 minutos, apresentando e fazendo o ouvinte adentrar um novo campo de possibilidades sonoras; "Silence", de apenas 2 minutos, que funciona como um intermezzo, um respiro para a escuta; e "Breathe", de 16 minutos, que expande e conclui a viagem proposta pelo duo, em uma instigante experiência.Sinister
Hypnotization ****
Luís Lopes - Lisbon
Berlin Quartet
Clean Feed
Kinetic Études *****
Rodrigo Pinheiro/ Pedro Carneiro
Phonogram Unity
Beat With Out Byte ****(*)
Simão Costa
Cipsela Records
Tomorrow *****
Susana Santos Silva/ Torbjörn Zetterberg
Carimbo Porta-Jazz
Oito anos após o primeiro álbum da dupla ("Almost Tomorrow"), a trompetista portuguesa Susana Santos Silva e o baixista sueco Torbjörn Zetterberg lançam a segunda parte da bem-sucedida parceria. É muito interessante ouvir hoje essa nova gravação e pensar o quanto o trabalho dos dois instrumentistas se transformou e se expandiu nessa quase uma década; de então promessas, ambos se tornaram duas sólidas vozes da free music contemporânea. Desde que trabalharam juntos pela primeira vez, em 2012, Silva e Zetterberg nunca deixaram de estar lado a lado em diferentes projetos, ora comandados por ela, ora por ele. Mas não tinham voltado a fazer um registro em duo. Talvez isso tenha sido, no fundo, algo positivo, pois voltam ao formato agora, quando estão estética e expressivamente em seu auge. A sessão é bem nova, tendo sido captada em abril deste ano, em Estocolmo, na St. Peter's Church. São dez novos temas, onde os artistas mostram toda a amplitude de sua música. O início não poderia ser melhor escolhido. "Arriving" inicia com o trompete e o baixo (em densas linhas tiradas com o arco) indo e vindo, como um navio em noite enevoada se aproximando com vagar do porto. No decorrer das faixas, nos deparamos com uma ampla gama de possibilidades exploradas por trompete e baixo, sempre mantendo a coesão do álbum, mas nos levando a rumos e perspectivas diversos. Da dolorosa melodia da faixa-título às camadas exploratórias de "Observing The One" ou o lirismo tocante de "Ema", o duo mostra um agudo equilíbrio e combinação precisa de ideias. Um dos pontos elevados é "Contemplating The Other", arrepiante, com o trompete cantando uma melodia breve, repetitiva, que vai ecoando no nosso corpo, inebriando os sentidos, enquanto o baixo, ao fundo, cria camadas de sensível tensão. Susana Santos Silva e Torbjörn Zetterberg mostram com Tomorrow que formam um dos mais excitantes e criativos duos da free music contemporânea.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Nos últimos anos, tem escrito sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)