CECIL TAYLOR: resgates e revisitações


LANÇAMENTOs
Gravações inéditas e reedições mantêm vivo o legado do pianista Cecil Taylor, um dos gênios maiores da free music...

 



Por Fabricio Vieira


 

Morto em abril de 2018, Cecil Taylor completaria 92 anos neste mês. O revolucionário pianista deixou um dos legados mais expressivos do free/avant-jazz, uma obra múltipla que constitui um dos capítulos mais inventivos e explosivos da música criativa. Artista maior da música do século XX, que iniciou sua carreira em 1956, quando lançou seu debute, “Jazz Advance”, Taylor foi um desbravador em várias frentes, sendo que ainda na década de 1960 começou a realizar concertos totalmente improvisados para piano solo – que tivemos o privilégio de ver ao vivo no Brasil em 2007, quando veio pela segunda vez ao país (sua primeira passagem, em trio, havia se dado em um longínquo 1989). Apesar de desde o fim da década de 90 trabalhos novos do pianista terem progressivamente rareado, nunca deixou de chegar material “inédito” dele para seus ouvintes – a maioria, gravações ao vivo, muitas engavetadas por longo tempo. E esse processo parece longe de se esgotar. Basta ver quantos discos de Taylor foram editados apenas nos últimos meses. Assim, acaba por se manter a sensação prazerosa de ouvir algo “novo” do pianista de tempos em tempos. Trazemos aqui os mais recentes lançamentos de Cecil Taylor, entre novas edições e material nunca antes publicado oficialmente, em um bom panorama de sua arte, com gravações de diferentes momentos de sua carreira.

 

 

Mixed to Unit Structures Revisited

Ezz-thetics

O Ezz-thetics, subselo da gravadora Hat Hut, tem feito um importante resgate do free jazz dos anos 60 (não apenas), reeditando em versões remasterizadas gravações de importância histórica. Depois de títulos de Archie Shepp, John Coltrane e Marion Brown, chega a vez de Cecil Taylor. A música resgatada vem de duas sessões. O material mais antigo faz parte de um registro feito em 1961 pela banda de Taylor. O grupo contava com Henry Grimes, Sunny Murray e os então jovens saxofonistas Archie Shepp e Jimmy Lyons. São três faixas (Pots, Bulbs, Mixed) que, à época, apareceram no disco “Into The Hot”, sob a rubrica Gil Evans Orchestra (que, de fato, não faz nada no disco; a outra metade daquele álbum ficou com a banda de John Carisi). As faixas de Taylor são bem vivas e representam uma importante etapa em sua música rumo ao free que marcaria seu trabalho especialmente a partir da segunda metade daquela década. O novo CD é completado com "Unit Structures", álbum gravado em 1966 por Taylor para a Blue Note. Clássico, o disco sintetiza suas ideias à época, trazendo um sexteto com nomes de peso: além de Lyons e Grimes, que estavam na outra sessão, aparecem Alan Silva, Andrew Cyrille, Eddie Gale e Ken McIntyre. A opção desta reedição foi manter as 4 faixas originais de Unit Structures (há versão em CD com bônus, uma alternate take de “Enter, Evening”). Para quem já tem os álbuns, provavelmente falte apelo para adquirir esta nova edição, sem extras.

 


...Being Astral and All Registers...

Discus

A parceria entre Cecil Taylor e o percussionista britânico Tony Oxley rendeu muitos capítulos, em contextos diversos em diferentes décadas. Em duo, iniciaram as colaborações ainda nos anos 80, de onde vem o brilhante álbum "Leaf Palm Hand", captado em 1988 em Berlin. Essa parceria se tornaria ainda mais ativa no século XXI, com os concertos em duo aparecendo na agenda de vários anos, mundo afora e já tendo rendido, dessa fase, os discos “Ailanthus/Altissima: Bilateral Dimensions” (2010) e "Conversations" (2018). E agora chegam novos títulos. Por esses tempos, Oxley desenterrou de seus arquivos pessoais gravações em duo que fez com Taylor nunca antes editadas. Este “...Being Astral and All Registers: Power of Two...” é uma dessas gravações resgatadas e traz pianista e percussionista em ação em maio 2002, no Ulrichsberg Festival (Áustria). O esquema é aquele que marca sempre esses encontros: longas sessões de free impro, com pouca pausa. Neste disco, são dois extensos temas, de 33 e 26 minutos, com Taylor, então com 73 anos, ainda mostrando bastante vigor, em frenéticos e intensos diálogos com a percussão de Oxley.

 


Birdland, Neuburg 2011

FSR

Este é um outro capítulo da parceria entre Cecil Taylor e Tony Oxley que veio a público por esses tempos. Testemunho do que poderíamos chamar de etapa final da trajetória de Taylor, esse concerto foi captado em novembro de 2011, sob uma atmosfera bastante íntima, no Birdland, um clube para 112 pessoas localizado na pequena cidade alemã (tem cerca de 29 mil habitantes) de Neuburg. Então com 82 anos, o pianista não tinha mais a explosão de outrora, mas mantinha mente e dedos ainda em pulsante fluxo criativo. A aproximada uma hora de música, dividida em duas partes, mostra até passagens mais detalhistas, delicadas quase, com Oxley perfeito respondendo a Taylor na intensidade que este demandava à época. Apesar de esta não ter sido a última vez que o pianista se apresentou em público, ouvindo hoje a gravação sente-se uma atmosfera de despedida, de rumo ao final de uma trajetória, com Taylor soando em não poucos momentos lírico como nunca.

 

 

At Angelica 2000 Bologna

I Dischi Di Angelica

Este possivelmente seja um lançamento que interesse mais aos fãs mesmo de Cecil Taylor. O álbum traz registros feitos em maio de 2000, quando o pianista foi convidado a participar do Angelica Festival, em Bolonha (Itália). Poesia, dança, piano, um concerto completo, com Taylor sozinho no palco do Teatro Comunale di Bologna, explorando todas as variantes de sua arte. São dois CDs, com um total de 12 faixas; no primeiro disco, ouvimos Taylor improvisando ao piano e recitando sua poesia; no outro, temos uma entrevista concedida pelo pianista ao musicólogo Franco Fabbri, no Palazzo dei Notai, no dia seguinte ao concerto. Mas essa não é uma simples entrevista, como diz o texto de apresentação: "Taylor use the moderator’s questions as a springboard for an explosive tour de force of quotes and references: from the classical ballet stars Katherine Dunham and Maya Plissetskaya and the tap dancers Bojangles and Nicholas Brothers to the petroglyphs of the Hopi Native Americans and the Coptic manuscripts, the structures of Xenakis and the architect Calatrava, the Orisha deities and the dynamics of cell growth in bark, Derek Bailey and Stravinsky…". A edição caprichada traz um livreto de 40 páginas, com muitas fotos e a transcrição das palavras de Taylor. Talvez tenha faltado só um DVD: é o tipo de lançamento que ganharia bastante com uma versão em vídeo, sendo que gestos/corpo/movimentos de Taylor são partes essenciais de um show como esse.

 


Lifting The Banstand

FSR

Este álbum editado no fim de janeiro pelo selo polonês Fundacja Sluchaj (FSR) – que está construindo um impressionante catálogo – resgata um concerto registrado em 1998 durante o Tampere Jazz Happening, na Finlândia. Para a apresentação, Taylor levou ao palco um quinteto formado pelos músicos europeus Harri Sjöström (sax soprano), Teppo Hauta-Aho (contrabaixo) e Paul Lovens (bateria), além de Tristan Honsinger no violoncelo. Transmitida à época por uma rádio finlandesa, a música gestada naquela noite se trata de improvisação coletiva de elevada intensidade, sem necessariamente ser energy de ponta a ponta, com Sjöström estando especialmente inspirado, traçando linhas ora contrastantes, ora confluentes com o piano de Taylor. Inédita em disco até então, a gravação traz cerca de 1h15 de música improvisada dividida em duas partes ("Desesperados A/B").

 


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)