CIPSELA Records



SELOs O Cipsela Records, de Portugal, chega a seu quinto ano com um já respeitável catálogo...



Por Fabricio Vieira


Em janeiro de 2015, os entusiastas da free music se depararam com um novo selo: Cipsela Records. Vinha de Portugal (Coimbra-Lisboa) o novo projeto, que arrancava com um registro para violino solo do lendário Carlos Zíngaro. Artesanal e feito com grande preocupação artística, sempre com os títulos em edições limitadas de 300 cópias e caprichado apelo visual, o Cipsela Records tem entre seus idealizadores o guitarrista Marcelo dos Reis, destacado nome da cena improvisada contemporânea, conhecido por projetos como Chamber 4, Fail Better! e In Layers. Cinco anos após sua estreia, o Cipsela segue firme e trazendo registros imperdíveis, como os dois sensacionais títulos editados em 2020, “Maré”, do trompetista Luís Vicente, e “Ossos”, do violoncelista Valentin Ceccaldi.


A ideia inicial da editora era apenas em ser uma extensão do trabalho que nós realizávamos enquanto músicos no Double Bill – Concert Series, que era basicamente uma plataforma e ponto de encontro com outros músicos/improvisadores. Estas series de concertos eram organizadas por um colectivo que se chamava AJM Collective, que envolvia músicos e artistas das áreas visuais  atenção que, quando falamos sobre isto, remontamos ao ano de 2009”, disse Marcelo dos Reis ao FreeForm, FreeJazz. “No entanto, o nosso trabalho começou a ser cada vez mais global, e a ideia de a editora ser apenas para editar o nosso trabalho deixou de fazer sentido, pois acabámos por nos envolver com muitos músicos de todo o mundo, e a ideia tornou-se muito maior do que aquilo que imaginávamos. Por exemplo, o solo do Joe McPhee, 'Flowers', foi gravado em 2009 já com a editora em mente, no entanto, a editora apenas se materializou em 2015. Apenas uma curiosidade sobre o solo do McPhee: ele nem era para ser gravado, no entanto, em um esforço meu e com a vontade do Joe conseguimos avançar e o disco tornou-se na minha opinião um documento histórico.

Flowers, que foi lançado em julho de 2016, apresenta Joe McPhee em concerto solista, no sax alto, realizado em junho de 2009 no Museu Nacional Machado de Castro, Coimbra, durante o Jazz ao Centro Festival. O disco, um dos destaques da cena em 2016, infelizmente já está esgotado (há exemplar usado sendo vendido por US$ 100 na internet). O catálogo do Cipsela traz tanto artistas portugueses quanto estrangeiros, em uma mescla de músicos jovens e veteranos dentre os mais representativos da free music. "A escolha dos artistas nunca é muito complicada, pois como músico toco apenas com quem me identifico e admiro, o que automaticamente torna esses músicos alguém que gostaria de ver editado em determinado contexto mais especial para a editora, pois tem-se tornado um bocado a nossa imagem de marca, música acústica que na minha opinião espelha a beleza e que queremos representada nas edições da Cipsela, pois para nós são todas super únicas e especiais.” Afora a música sempre elevada oferecida, os álbuns da Cipsela tem uma identidade visual muito própria, idealizada por Kátia Sá, sempre em marcantes tons de cinza, que fazem desses discos objetos únicos, daqueles que costumam ficar separados em um lugar especial na discoteca. “Fomos três pessoas que arrancaram [com o selo] e ainda hoje estão envolvidas no projecto, eu e o José Miguel Pereira, nas partes da direcção artística e produção, e a Kátia Sá, uma maravilhosa e talentosa artista visual, que tem, em tudo o que faz, uma imagem muito própria e uma visão única do que pretende transmitir visualmente. E com a Cipsela foi logo isso desde o início, definir uma visão que é só dela e tornar os discos da Cipsela únicos e objectos de coleção”, afirmou dos Reis.


Dentre os discos editados, estão também já esgotados na gravadora “Elastic”, de Joëlle Léandre e Théo Ceccaldi; “Concentric Rinds”, de Angélica V. Salvi e Marcelo dos Reis; e “Flower Stalk”, do Open Field com Burton Greene. Um disco que merece estar na estante de qualquer entusiasta da free music e ainda dá para comprar é “Divergent Paths”, belíssimo duo de sax e violoncelo de Daniel Levin e Rob Brown. Os CDs da Cipsela sempre são editados com apenas 300 cópias. “Gostamos desse número por tornar as edições mais limitadas e logo assim mais especiais. Muitas das vezes não chegam, pois acabamos por ficar com as edições esgotadas, e sentimos que poderíamos ganhar dinheiro com a editora, mas esse não é o nosso objectivo, preferimos tornar os discos mesmo únicos e raros, pois preferimos editar pouco e dar toda a atenção aos discos que editamos. Inicialmente nem dávamos acesso a edições digitais, por acharmos que tornariam os discos menos valiosos, mas chegámos à conclusão que muitas pessoas queriam ter a música, e não conseguiam, por já não existirem discos, por isso alterámos isso, agora as pessoas já têm acesso a edições digitais. Independentemente de tudo isso, o nosso grande objectivo é ter todas as edições esgotadas, o que nos tornará na primeira editora sem discos para vender...”, diz dos Reis. “Temos aproximadamente 200 clientes que têm a colecção completa. Para uma editora como nós, que não pretende editar muitos discos, nem se tornar em algo comercial, isso significa o mundo para nós.

 


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)