PLAY IT AGAIN...


LANÇAMENTOs  Novos álbuns de artistas de diversos cantos do mundo. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...

  



Por Fabricio Vieira

 

 

Ölbaumgewächse

Gelber Flieder

Creative Sources

Este trio internacional reúne o violista português João Camões à saxofonista alemã Luise Volkmann e ao pianista francês Yves Arques. Chamado de Gelber Flieder, o trio foi reunido uns anos atrás e a gravação que agora nos chega, realizada há algum tempo, em dezembro de 2016, na Petite Maison, em Paris. Camões e Arques (que neste disco toca objetos e eletrônicos) dividem outro trio, o Pareidolia, e em diferentes aspectos os projetos dialogam (note-se que lá o terceiro elemento é também um saxofonista, Gabriel Lemaire), apesar de a música oferecida ser distinta (mesmo com instrumentação tão próxima). Ölbaumgewächse traz apenas uma única peça, com cerca de 30 minutos. A faixa-título abre com a popular canção de ninar alemã "Auf der blauen Donau", cantarolada pelos três músicos, causando certo estranhamento a quem não leu nada sobre o trabalho anteriormente. Mas não tarda para o trio ir deixando a melodia infantil desaparecer no ar, abrindo espaço à entrada com vagar dos instrumentos, mergulhando aos poucos nossos ouvidos no universo da improvisação livre instrumental esperada. A partir daí, será quase meia hora de música ininterrupta, construída sem pressa, com os sons chegando sem agressividade, fazendo com que quase prendamos a respiração em certos momentos para melhor ouvir cada detalhe. O tom sobe um pouco após os 20 minutos, com a viola destrinchando linhas mais cortantes, mas sem que se transforme em algo agressivo, para ir baixando de novo nos minutos finais.

 


Bora: Blasts Of Chance 

Alípio C. Neto/ Zlatko Kaucic/ Gal Furlan

Klopotec

O saxofonista pernambucano Alípio C. Neto deixou o Brasil já há muitos anos. Depois de uma temporada em Portugal, se fixou na Itália. E é de seus projetos na Europa que vem este novo registro. Bora: Blasts Of Chance foi captado em janeiro deste ano, ao vivo no Klub Stala, em Lokavec (Eslovênia). Junto ao saxofonista neste trio estavam os músicos locais Gal Furlan (bateria) e Zlatko Kaucic (zither, percussão). O trio desenvolve uma sessão de improvisação livre dividida em duas peças, "Bora 1", de 56 minutos, e "Bora 2", de 10 minutos. O zither (cítara) é um particular instrumento de corda muito pouco usado no universo do free impro e traz possibilidades sonoras bastante singulares a este registro. Kaucic é um músico muito experimentado, com muitas gravações, mas nem sempre o vemos com o zither (ele é um baterista de origem). O núcleo do álbum é "Bora 1", onde tudo que temos que saber da sonoridade que esse trio pode oferecer está lá, tanto os momentos mais contemplativos, nos quais o zither traz sua particular contribuição, com uma linha quase drone por vezes, quanto nos picos de intensidade crescente, onde sax e bateria assumem protagonismo. Não fica claro se foi um encontro de ocasião ou se o que temos aqui é um novo trio, mas seria interessante poder ouvi-los em ação novamente em outros contextos.

 


Consequent Duos: series 2E

Ken Vandermark  / Christof Kurzmann

Audiografic/Systems Vs. Artifacts


Em março de 2012, o Centro Cultural São Paulo rececebeu uma apresentação do duo formado por Ken Vandermark e Christof Kurzmann. Em uma época em que os shows de free impro ganhavam espaço no país, os músicos ainda passaram por Porto Alegre e Florianópolis, deixando com certeza novos fãs pelo caminho. Esse novo álbum do duo vem exatamente desse período em que Vandermark e Kurzmann estavam tocando juntos de modo mais constante, tendo sido registrado em Chicago, em meados de 2014. São quatro temas, que nos remetem àquelas noites no Brasil, nos quais vemos Vandermark se alternar entre sax tenor, clarinete e clarinete-baixo, enquanto Kurzmann executa laptop e eletrônicos, resultando em uma música muito climática. O lançamento faz parte de uma coleção, Consequent Duos, que traz parcerias de Vandermark com diversos músicos (como Ikue Mori, Fred Lonberg-Holm e Joe Morris) e que têm sido editadas de forma digital nos últimos meses.

 


27 Licks 

Devin Gray/ Gerald Cleaver 

Rataplan Records

Duos de bateria são algo meio que raro, mesmo no campo da free improvisation. Claro que temos registros referenciais no formato, como "Dialogue of the Drums" (74), parceria histórica entre Andrew Cyrille e Milford Graves, mas não é sempre que percussionistas se unem para tocarem em duo. Neste 27 Licks, temos o encontro entre o experiente Gerald Cleaver e o mais jovem Devin Gray. O registro foi feito em dezembro de 2019, no Brooklin (NYC), e marca a consumação de um projeto que na verdade começou anos atrás, lá para 2011, quando Cleaver e Gray tocaram juntos pela primeira vez, em apresentações ao ar livre, mais precisamente no Union Square. "Along with the many live gig recordings since 2011 of the two of us playing, (of which I still have well archived) this studio recording is a small capture of our just another day vibe in the farming of our musical lives, as we have many more stories to tell. I am very happy to be able to share this living and learning process with anyone who is willing to listen", diz Gray. O resultado desse encontro são oito temas, em um total de algo mais que 40 minutos. As faixas são bastante distintas, entre as ideias diretas e centradas de "Shenanigans", com seu 1m49, ao mais espaçado desenvolvimento de "Headbangers", com quase 21 minutos de música ininterrupta e alguns dos momentos mais potentes do disco.

 

 

Mantle

Satoko Fujii/ Natsuki Tamura/ Ramon Lopez

Not Two Records

O encontro entre os japoneses Satoko Fujii (piano) e Natsuki Tamura (trompete) com o baterista espanhol Ramon Lopez para algumas apresentações culminou nesse novo trabalho. No ano passado, Fujii e Lopez uniram forças no álbum em duo "Confluence", no que pode ser visto como uma introdução ao que agora é registrado aqui. A adição do trompete de Tamura muda bastante o jogo. As nove peças, registradas em setembro de 2019 na cidade japonesa de Yawatahama, revezam temas de cada um dos integrantes do trio  mas não esqueçamos que a improvisação está no núcleo dessa música. O disco foi captado após uma turnê do trio pelo Japão, o que deu um equilíbrio de "grupo que se conhece" a Mantle. A ideia de gravar um álbum estava na mesa desde o início da turnê. Assim, foram escrevendo peças que poderiam ser usadas depois (no fim da turnê, contavam com 27 composições, das quais foram extraídas essas gravadas). "Nine Steps To The Ground", de Fujii, que abre o disco, mostra bem o quanto a ideia de grupo permeou a criação do trabalho, com as três vozes sempre dialogando.

 


General Semantics 

Geof Bradfield/ Ben Goldberg/ Dana Hall

Delmark Records

Este trio de formação bastante particular oferece um saboroso e contagiante exemplar do universo jazzístico contemporâneo mais criativo. Estão aqui reunidos Geof Bradfield (tenor, soprano, clarinete-baixo), Ben Goldberg (Bb clarinete, clarinete contralto) e Dana Hall (bateria, percussão) em sessão realizada no Pro Musica Audio (Chicago), em novembro/dezembro de 2018. Do encontro saíram 11 temas, nos quais ouvimos os dois sopros e a percussão em diálogos muito equilibrados e, por vezes, desconcertantes. A música apresentada tem swing, improvisações ariscas, momentos reflexivos (como em "Lamentation"), tudo unido em um som coeso e de sensível inventividade. O trio vai de temas próprios a revistações de peças como "Air", de Cecil Taylor, e "Half The Fun", conhecida com a Duke Ellington Orchestra (que começa com uma densa linha do clarinete-baixo). Esse amplo arco estético nos leva até certa brasilidade, exibida em "8 de Agosto", tema do Calendário do Som, de Hermeto Pascoal, revisitada em arranjo de Bradfield.        

 


En Vivo en Estudio Libres 

SLD Trio

Nendo Dango Records

Neste novo registro, o argentino SLD Trio – Paula Shocron (piano), Germán Lamonega (baixo) e Pablo Díaz (bateria) – traz algo diferente do que tem apresentado em seus álbuns. Apesar de relativamente novo, tendo feito sua estreia discográfica em 2015 (“Anfitrión”), o SLD Trio não demorou para se firmar como uma das vozes contemporâneas da free music mais interessantes. E essa impressão ecoou além-fronteiras, com o grupo editando seus títulos seguintes por gravadoras estrangeiras: “El Contorno Del Espacio” saiu pelo selo polonês FSR. E “Tensegridad” foi publicado na mítica série hatOLOGY, do suíco Hat Hut. Agora vemos o SLD neste quarto registro de volta à casa. Aqui temos apenas uma longa peça, de 38 minutos, gravada ao vivo em outubro de 2017 no Estudio Libres (Buenos Aires). O tocante tema ao piano que surge lá pelos 10 minutos da peça torna impossível a quebra da escuta: então reserve 38 minutos para adentrar e usufruir essa música por completo.

  


Dark Matrix

Daniel Carter/ Matthew Shipp

Not Two Records

Apesar de terem conduzido inúmeras parcerias desde a década de 1990, Daniel Carter e Matthew Shipp nunca tinham gravado um disco em duo. Por isso, há motivos de sobra para seus fãs se alegrarem. O esperado encontro aconteceu em 7 de outubro de 2019, no Park West Studios, no Brooklyn (NY), e de lá saíram os cerca de 51 minutos de música agora editados. Dark Matrix traz quatro temas, com durações bastante variadas (de 2 a 27 minutos) e resultados que oscilam ao sabor do vasto leque de instrumentos explorados por Carter  em  diálogo com o piano irretocável de Shipp, Carter toca saxes alto, tenor e soprano, clarinete e trompete. As variações timbrísticas dos duos (e Carter também alterna os instrumentos dentro da mesma peça) não trazem nenhuma aresta ao encontro, que flui com muito lirismo (destaque para o belo tema do trompete na faixa-título)  e soluções improvisativas de rumos cativantes.

 


Molecular

James Brandon Lewis Quartet

Intakt Records

O saxofonista James Brandon Lewis tem nesta década solidificado seu trabalho com uma sequência de potentes registros. Aos 37 anos, o músico de Bufallo (NY) chega a seu melhor neste Molecular, em formato quarteto ao lado do pianista cubano Aruán Ortiz, do baixista Brad Jones e do baterista Chad Taylor. Com seu sax tenor, Lewis explora onze faixas suas,  captadas em janeiro deste ano. “I wrote out everything, but the reason I feel like the music is still free is because the lines dictate the harmonic information. With this band the music is going to lift off the page”, diz o saxofonista. O álbum abre com "A Lotus Speaks", com o sax desenvolvendo uma cada vez mais desconstruída linha, em crescente intensidade, tendo na batida de Taylor seu principal suporte. Este novo disco faz um perfeito par com "Live in Willisau", duo de Lewis e Taylor editado no primeiro semestre pelo mesmo selo. Esta é a hora de prestar redobrada atenção ao que Lewis vem fazendo.  

  


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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)