LANÇAMENTOs O trompetista de NY Peter Evans lança três novos álbuns que mostram faces bastante distintas da genial música que tem desenvolvido...
Por Fabricio Vieira
Standards ****(*)
Peter Evans
More is More
Quem acompanha o trabalho de Peter Evans nessas cerca de uma década e meia em que tem se apresentado e lançado discos com regularidade, certamente ficou bastante curioso quando ouviu recentemente que ele estava preparando um trabalho com "standards". Mesmo que Evans tenha editado alguns títulos, em meio à sua exploratória e por vezes bastante radical linguagem, com algo jazzístico mais palpável (como "Live in Lisbon", de 2010), não deixou de ser surpreendente vê-lo falando em um álbum de standards. O trompetista explicou de onde se originou a ideia do disco: "This album represents a cross-section of a lote the things I've been thinking about and working with recently, including but not limited to: Charlie Parker’s 100th birthday, Mark Fischer and his discussions of atemporality and temporal malaise, the improvisational tradition of trumpet players branching off from Louis Armstrong that includes people like Roy Eldridge, Benny Bailey and Charlie Shavers, and on some level the general atmosphere of 2020". Para tal empreitada, convocou o jovem pianista alemão, radicado em Portugal, Samuel Gapp. E em duo, desenvolveram cinco temas: I'll Remember April, Heaven, Embraceable You, Everything Happens to Me e Blues (esta, uma peça criada pelo duo). Munido de trompete e piccolo, como tem feito nos últimos tempos, o músico adentra os standards e os reconstrói sob sua particular visão, criando versões nas quais, claro, vai também solar com liberdade, resultando em faixas relativamente longas, entre sete e nove minutos. O lirismo nunca esteve tão acentuado em um trabalho dele como aqui; basta ouvir sua tocante leitura de "Heaven" (que tem o melhor solo de Gapp, inclusive) para sentir ao máximo essa sua face menos conhecida. "I'll Remember April" é a mais potente do conjunto, com o trompete mais tenso, cortante até em seus minutos iniciais, mais alinhado à voz de Evans que bem conhecemos. Já "Blues" adentra de forma relaxada a improvisação livre, mas sempre buscando manter a coerência da proposta do álbum, mesmo sendo uma peça do duo, em que não há temas ou linhas características que eles tenham que percorrer. Um belíssimo álbum que ocupará um lugar particular na discografia do trompetista.
Horizons *****
Peter Evans Ensemble
More is More
Horizons é um projeto que aponta novas perspectivas na trajetória de Peter Evans. Partindo de experimentais composições para pequeno conjunto, o músico reuniu um quarteto de formação bastante peculiar, com Mazz Swift (violino e voz), Ron Stabinsky (sintetizadores) e Levy Lorenzo (percussão e eletrônicos). O trompetista, após trabalhar com esses músicos em diferentes contextos, até alcançar uma sonoridade própria e equilibrada, reuniu o grupo para essa gravação no verão de 2018. Não apenas pela inusual formação do quarteto, Horizons também traz uma música que nos mostra outras possibilidades da estética de Evans. Não à toa, vemos na capa o nome Peter Evans Ensemble, ressaltando o caráter dessa música, o fato de ter sido pensada para um conjunto específico. O resultado é apresentado em sete peças, com durações que vão de quatro a nove minutos, mantendo uma coesão de desenvolvimento. O disco abre com a faixa-título e já joga o ouvinte em um universo hipnótico, marcado por sedutor estranhamento. Ao trompete, que rasga o espaço em contínuas e sobrepostas linhas, vão se acumulando sonoridades de diferentes matizes, com a percussão simples e repetitiva marcando o tempo, em meio a pontos de ruidosidades eletrificadas e o violino que ora dialoga, ora enfrenta o sopro. A elevada tensão da peça de abertura é substituída por um tempo/espaço de devaneio, inebriante, em "Aura", antes de sermos despertos novamente pelas cortantes linhas do trompete em "Caves of the Mind", que crescem até o pico alcançado lá pelos seis minutos, com o quarteto em ebulição. Em "Passing Through" é a vez de o violino assumir o protagonismo; na sequência, "Homo Ludens - for Cecil Taylor" é tocada em trio, com o trompete solando como nunca, acompanhado de sintetizador e eletrônicos. "Interior" fecha o álbum funcionando como um epílogo, baixando o tom e trazendo novamente o violino a primeiro plano. Captado no dia 17 de agosto de 2018, no Seizure’s Palace (Brooklyn, NYC), Horizons está sendo lançado em digital e vinil, edição limitada de 250 cópias. O quarteto deveria estar em turnê pela América do Norte promovendo o trabalho exatamente nesse momento, mas as apresentações foram canceladas devido à pandemia. A próxima parada planejada por eles agora é a Europa, com uma turnê agendada para maio de 2021.
Into the Silence ****
Peter Evans
Old Heaven Books/More is More
As gravações para trompete solo formam um capítulo especial na discografia de Peter Evans. O músico tem explorado o formato desde seus primeiros registros (esse percurso solista começa em "More is More", de 2006, e atinge seu ápice em "Lifeblood", de 2016 ). Em diferentes álbuns e inúmeras apresentações (como as realizadas no Brasil quatro anos atrás), Evans tem desenvolvido um vocabulário solista próprio e que marca alguns dos momentos mais relevantes e expressivos para esse instrumento. Este novo álbum traz um concerto solo realizado por Evans há um ano, durante o Oct-Loft Jazz Festival, em Shenzen, China. São cerca de 40 minutos de música captada no dia 19 de outubro de 2019, divididos em quatro partes. O título da obra, Into the Silence, é uma referência ao conceito da filosofia chinesa de Wu Wei ("inação"), com a música buscando exalar diferentes expressões de tal saber. As quatro partes (ou faixas) que compõem o concerto (editado em sua versão completa) devem, assim, serem ouvidas sequencialmente para revelar e compor o seu todo. As ideias de Evans se desenvolvem de forma distinta em cada parte, atingindo sua versão mais prolixa nos 16 minutos da parte 3 e tendo sua síntese conclusiva nos 3 minutos da peça que fecha o registro. Editado em vinil, limitado a 300 cópias, o álbum tem na capa arte feita pelo xilógrafo Liu Qingyua.*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)