Uma conversa com KAJA DRAKSLER


ENTREVISTA A pianista eslovena Kaja Draksler, uma das revelações da free music da última década, falou com o FreeForm, FreeJazz sobre sua trajetória e a música que tem feito...

 


Por Fabricio Vieira


Uma geração de brilhantes pianistas tem marcado o universo free jazzístico contemporâneo. E sem dúvida um dos nomes obrigatórios é o da eslovena Kaja Draksler. Nascida em fevereiro de 1987 em Kranj, Eslovênia, a artista fez um longo percurso formativo antes de ser reconhecida como uma revelação do piano free jazzístico desses tempos. 

Esse percurso a levou a buscar conhecimento fora de seu país natal. Em 2005, foi para a Holanda, onde fez seu bacharelado em Jazz Piano. Depois, passou uma temporada nos Estados Unidos, em 2009, tendo estudado com Vijay Iyer e Jason Moran. De volta à Holanda, concluiu um Mestrado em Composição Clássica, no Conservatório de Amsterdã, em 2013, apresentando uma dissertação focada no trabalho de piano solo de Cecil Taylor (“CT: Life as... Structure within a free improvisation”). Em meio a seus estudos, Draksler foi desenvolvendo sua carreira, inicialmente com grupos como  "Acropolis Quartet" e “European Movement Jazz Orchestra” (EMJO). Marco em sua trajetória seria a edição do álbum de piano solo "The Lives of Many Others" (Clean Feed, 2013), a partir do qual sua carreira passou a outro patamar. Daí em diante viriam parcerias fundamentais, como as com Susana Santos Silva ("This Love", 2015), Eve Risser ("To Pianos", 2017) e o incrível trio ao lado de Christian Lillinger e Petter Eldh ("Punkt.Vrt.Plastik", 2018) – além, é claro, de seu Octet, projeto principal da artista. Talvez não muitos tenham visto, mas Draksler já esteve no Brasil, em dezembro de 2015, junto com o guitarrista Matīss Čudars, tendo tocado em São Paulo (Casa do Núcleo, Trackers) e no Rio de Janeiro (Audio Rebel). Em meio ao lançamento de novos discos, ainda com o mundo parcialmente paralisado por conta da pandemia, Kaja Draksler conversou, por e-mail, com o FreeForm, FreeJazz.

 


Como chegou ao piano como seu instrumento e passou a tocar o tipo de música que faz?

Kaja Draksler:Comecei a tocar piano quando tinha 3 anos. Nunca pensei em trocar de instrumento, nunca senti necessidade. Minha entrada no jazz foi acidental, assim como a virada posterior para uma música mais improvisada. Aconteceu pelo ambiente em que me encontrava e também por puro acaso.


A improvisação atraiu você imediatamente ou seus encantos foram se revelando ao longo do tempo?

Draksler:Acho que a improvisação sempre foi a maneira mais direta e natural de se fazer música. Mas se falamos da ‘estética da música de improvisação’, o estilo de Amsterdã, que foi o lugar onde entrei na cena da free improvisation, não foi algo que amei desde o primeiro momento. Mas me intrigou o suficiente para querer acompanhar e, posteriormente, adentrar isso.


No Octet, vemos mais seu lado de compositora. Como surgiu a ideia desse projeto? Como funciona o seu processo composicional?


Draksler:
A ideia do Octet é algo que foi crescendo dentro de mim ao longo dos anos em que estudei composição clássica e toquei muita improvisação livre. Eu estava interessada em escrever para um grande grupo de pessoas de diferentes formações e em combinar improvisação com composição de uma maneira particular. Como temos duas vocalistas no grupo, o texto é uma grande parte da inspiração para as peças.”

Out For Stars, o novo disco do Octet, tem a poesia do norte-americano Robert Frost (1874-1963) como inspiração. Como descobriu a poesia de Frost? Há outros poetas que inspiram você e que podem aparecer em um próximo álbum do grupo?

Draksler:Descobri Frost por acidente, em um livro com sonetos de diferentes poetas. Sua poesia funcionou muito bem com a música que fazemos, e decidi ficar com ele. A inspiração para a música sempre veio muito rapidamente através de sua poesia. Não tenho certeza dos futuros poetas que possam entrar na nossa música. Fiz uma peça com um texto do Basho* durante o lockdown e atualmente estou retrabalhando uma peça de Handel**, usando o texto do libreto de sua ópera Serse. Veremos aonde esse material nos levará.


Sobre o seu trabalho solista... O quanto desafiador é criar sozinha, apenas você e o piano?

Draksler:Muito! A parte mais difícil para mim é encontrar um material que eu ache interessante. Uma vez que estou no palco, as coisas ficam mais fáceis  – há algo bom em estar só, livre para fazer o que quiser. Atuar sozinha também cria um vínculo mais forte com o público.


Você lançou três novos discos em duo, "Bivališča", com Szymon Gasiorek, "The Swin", com Terrie Ex, e "Live at the Vancouver Jazz Fest", com o Feecho. O formato duo parece ser muito importante para você. O que te atrai nele?

Draksler:Não tenho certeza, acho que não escolho duos conscientemente, e acaba sendo uma coisa diferente com cada grupo.


Hearth é um quarteto exclusivamente feminino, com Ada Rave, Susana Santos Silva, Mette Rasmussen e você. A presença e o papel das mulheres estão consolidados na atual cena free impro? Qual a importância de projetos pioneiros como a FIG (Feminist Improvising Group) para as mulheres improvisadoras?


Draksler:
Acho que há muitas mulheres na cena impro, mais do que, por exemplo, em uma cena jazzística. Especialmente na Escandinávia, a porcentagem de mulheres é muito alta, seguida por outros países da Europa. Mas não estou muito a par da situação em outros lugares do mundo. Não estou tão familiarizada com a FIG, e o quarteto não é intencionalmente feminino. Eu toco bastante com garotas, mas nunca porque são garotas; elas simplesmente são instrumentistas de quem eu gosto.


Como surgiu o Hearth, formado por artistas de países tão diferentes (Argentina, Portugal, Dinamarca e Eslovênia)? Há algum disco do quarteto planejado para sair?

Draksler:Sim, o álbum vai ser lançado pelo Clean Feed em 2021. Começamos a tocar no October Meeting, em Amsterdã, em 2016. O processo de criação com esse grupo é lento exatamente porque vivemos em lugares diferentes.


Como foi a experiência de tocar no Brasil e na América do Sul, em 2015, com o Matīss Čudars?

Draksler:Foi fantástico, caloroso, generoso, inspirador. Essa foi a minha primeira vez na América do Sul e deixou uma porção de impressões para uma primeira vez.


Você escreveu sobre Cecil Taylor em sua dissertação de mestrado. Ele teve uma grande influência sobre você?

Draksler:Eu acredito que sim. Verdade seja dita, eu pesquisei principalmente sua música para piano solo, então não posso dizer que conheço seu trabalho como um todo profundamente. Acho que mais do que sua forma de tocar, toda a sua personalidade, sua maneira de falar sobre música e vida tiveram influência em mim e no meu trabalho.


Quais parcerias foram particularmente importantes em seu desenvolvimento como artista?

Draksler: “Uh, isso é difícil de dizer. Você aprende o tempo todo, com experiências boas e ruins, na verdade. Acho que o que foi muito importante para mim foi estudar composição com Richard Ayres*** e estar perto/tocando com a velha geração de improvisadores em Amsterdã.


Photo: Sara Anke


Vivemos tempos estranhos, em meio a uma pandemia global. Você conseguiu se apresentar nesses meses? Como está sua agenda?

Draksler:Tenho conseguido me apresentar, claro que muito menos do que o normal, e tenho mais shows agendados, mas nada é 100% certo, vamos esperar pelo melhor!


O que gosta de ouvir quando está de folga?

Draksler:Na verdade, eu gosto é do silêncio. Mas se me dá vontade de ouvir música, ouço as mesmas coisas que escuto quando não estou de folga.


Quais são suas ambições em relação à música que faz? O que gostaria que as pessoas falassem sobre sua música no futuro?

Draksler:Wow, essa é uma pergunta difícil. Não tenho uma ambição específica, principalmente no que diz respeito ao que as pessoas vão dizer sobre isso. Estou tentando fazer músicas que me satisfaçam, que sejam divertidas de tocar, estou interessada em explorar e fazer o melhor com meu instrumento.

  

-Notas:

*Matsuo Basho (1644-1694), poeta japonês

**Georg Frideric Handel (1685-1759), compositor alemão

***compositor e professor britânico nascido em 1965

-Photo Octet: Francesca Patella

 


-------

*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)