LANÇAMENTOs Novos álbuns com participação
protagonista de cordas. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça,
divulgue, compre os discos...
Por Fabricio Vieira
Lost and Found ****(*)
J. Pavone String Ensemble
Astral Spirits
Menos de um ano após sua elogiada estreia (com "Brick and Mortar),
o J. Pavone String Ensemble apresenta novo álbum. Com uma inusitada formação, o
quarteto comandado pela violista de NY Jessica Pavone traz a seu lado Abby
Swidler (também viola), Erica Dicker e Angela Morris (violinos) – ou seja, o
violoncelo do quarteto de cordas tradicional é substituído por uma segunda
viola. Gravado no Firehouse 12, em New Haven, em outubro de 2019, Lost and
Found é um disco bastante centrado, com quatro composições que totalizam apenas
cerca de 38 minutos. Algo minimalista, drone, hipnóticas linhas, a música do
quarteto pode levar o ouvinte a diferentes experiências sensoriais (ouça com fones
e depois em um bom estéreo com potentes caixas e descobrirá alcances outros
dessa música), podendo soar angustiante, reconfortante ou inebriante a depender
de como o espírito chega na hora de encarar e absorver esses sons. Pavone, uma
das mais expressivas vozes da viola da free music atual (seu trabalho solista é
especialmente forte), consegue nesse projeto traçar pontes com outras searas,
dialogando com o mais inventivo da música de câmara concebida nas últimas
décadas. Certa estaticidade que parece ecoar dessa música a princípio mostra,
na verdade, uma constante, mas detalhista, transformação. E isso só pode ser
apreciado em seu máximo escutando este disco sem interrupções ou distrações.
Lost and Found será lançado no dia 8 de outubro em CD e K7.
Unearth ****
New Hermitage
Independente
Em seu quinto álbum, o quarteto canadense New Hermitage traz um pouco
mais de sua música profundamente tocante e contemplativa. Formado por Andrew
MacKelvie (alto, tenor e clarinete baixo), India Gailey (violoncelo), Ellen
Gibling (harpa) e Ross Burns (guitarra) em 2017, o New Hermitage tem
desenvolvido uma linguagem que adentra o universo da improvisação de forma
muitas vezes pontilhista, com os sons pincelando o espaço, sempre atentos aos silêncios
que nos cercam. Muito atmosférica, esta música se desenvolve sem protagonistas,
tendo na interação entre os quatros instrumentos seu norte principal.
Registrado em dezembro passado em Halifax, Nova Scotia, o novo álbum do
quarteto traz 11 temas. Apesar de ter a improvisação coletiva como processo
principal, há uma composição de Gailey, "Pine Bottle Skylight", e
outra de Gibling, "In Amer", que abre exatamente com sua harpa,
dedilhada espaçadamente, logo acompanhada por violoncelo (do qual vai surgindo
melancólica melodia) e pontual sopro. "On this record we explore the process
of improvising a series of shorter compositions while being true to our
practice of moving patiently through discovered material", diz o o
release. Representando as vias mais relaxadas
e certa herança spiritual do free jazz, o New Hermitage oferece uma música de
delicadas e sensíveis linhas.
Cascata ****(*)
Guilherme Rodrigues
Creative Sources
Violoncelista de Lisboa atualmente vivendo em Berlim, Guilherme
Rodrigues está envolvido com uma série de projetos com músicos de diferentes
partes do mundo (já gravou/tocou, por exemplo, com os brasileiros Marco
Scarassatti, Alípio C Neto e Yedo Gibson). Formado pelo Conservatório Nacional
de Música de Lisboa, o ainda relativamente jovem (nasceu em 1988) mas muito
experiente músico conta com algumas dezenas de álbuns em sua discografia, tendo
investigado os mais diferentes formatos, de gravações solistas a participações
em orquestras. Mostrando o lado mais íntimo de sua música, Rodrigues aparece
neste Cascata acompanhado apenas de seu violoncelo. São 23 peças breves, muitas
delas com menos de um minuto, registradas em março de 2019 no Tonus Arcus
Studio, em Berlim. "The album came from the need to share the total
freedom of my person as a cellist. With nothing programmed, arrived at the
studio and played for almost two hours. It was fluid as a waterfall",
explica o músico na apresentação do álbum. No decorrer do disco, os temas vão
surgindo em uma sequência que explora técnicas e possibilidades múltiplas, em
um vasto leque oferecido pelo violoncelo, com o resultado sonoro alcançado variando consideravelmente de uma peça a
outra. Como um mosaico, essas peças, apenas numeradas, sem nomes, arquitetam um
todo que também pode ser apreciado em sua fragmentação. O violoncelo se revela
em múltiplas faces, surpreendendo em diferentes pontos os ouvintes, com as
variadas técnicas empregadas por Rodrigues fazendo com que cada tema tenha uma
marca própria. Há desde faixas com motivações melódicas mais explícitas, como a
tocante "IV", até outras em que a utilização de técnicas estendidas
nos leva a territórios de sonoridades realmente novas.
Kita, Rodrigues & Yamagishi
****
Naoki Kita/ Guilherme Rodrigues/ Naoto Yamagishi
Creative Sources
Este encontro Japão-Portugal ocorreu em setembro de 2019 no Barber
Fuji, em Saitama. Naoki Kita (violino), Naoto Yamagishi (percussão) e Guilherme
Rodrigues (violoncelo) se uniram para uma sessão de improvisação livre, que
rendeu cerca de 40 minutos de música repartidos em quatro temas. Aqui temos perceptíveis
influências do free impro japonês, inclusive com elementos noise sensivelmente presentes.
A gravação mostra o trio em áspero diálogo, que tem nos momentos mais ríspidos
seu melhor. A música oscila entre passagens mais detalhistas e pontos de
ataques ruidosos mais explícitos, em sequências que guiam os ouvintes por
labirintos sem muita clareza de para onde se está indo. De um modo geral, as
peças começam de forma mais calma, com os sons vindo e crescendo aos poucos,
sendo por vezes um processo muito imagético, chegando a parecer ter sido
desenvolvido com o propósito de dialogar com imagens. A faixa III é a que melhor condensa a proposta do trio,
com a música logo rumando para seus picos, soando especialmente cortante
passados menos de três minutos. De pizzicato delicado a linhas rascantes,
violino e violoncelo compartilham trilhas entrecortadas pela percussão em uma
sonoridade que pode oscilar na mesma peça entre ecos meditativos e ataques penetrantes.
Pentahedron ****
Carlos Zíngaro/ Ernesto Rodrigues/ Hernâni Faustino/ G. Rodrigues/ J.
Oliveira
Creative Sources
Alguns dos nomes mais representativos da cena de Portugal se uniram
neste quinteto. Em gravação ao vivo que aconteceu em novembro de 2019, durante
o Creative Fest XIII, no O'Culto da Ajuda, em Lisboa, Pentahedron concentra
essas vozes em uma peça de improvisação coletiva altamente madura e
perfeitamente equilibrada. Formado por Carlos Zíngaro (violino), Ernesto
Rodrigues (viola), Hernâni Faustino (baixo), Guilherme Rodrigues (violoncelo) e
José Oliveira (bateria), o quinteto exibe apenas 29 minutos de música (não sei
se ao vivo rolou mais). No que poderia ser um quarteto de cordas, temos a
interessante adição do trabalho percussivo de Oliveira, que oferece outras
possibilidades rítmicas ao desenvolvimento da música apresentada. A peça já
começa com força, com a percussão rasgando o ar em entradas e saídas precisas,
enquanto as cordas vão encontrando seus rumos, se preparando quer seja para interações
entre elas, quer seja para momentos de protagonismo deste ou daquele
instrumento. Sólido exemplar da potência atual da música improvisada
portuguesa.
Deep Resonance *****
Ivo Perelman & Arcado String Trio
Fundacja Sluchaj (FSR)
O saxofonista Ivo Perelman faz sua estreia pelo selo polonês Fundacja
Sluchaj (que tem consolidado um destacado catálogo) com um excitante trabalho
ao lado de um grupo muito especial, o Arcado String Trio. Formado por Mark
Feldman (violino), Hank Roberts (violoncelo, aqui grafado como William H.
Roberts) e Mark Dresser (baixo), o Arcado String Trio foi bastante atuante
entre o fim dos anos 80 e meados da década de 90, tendo deixado pelo caminho uma
meia dúzia de álbuns. Mas não gravava há duas décadas, voltando a se reunir especialmente
para esta sessão, realizada em abril de 2018 no Parkwest Studios (NY). Perelman
já tinha gravado em outras oportunidades com Dresser ("Suite For Helen
F."), Feldman ("Strings 1") e Roberts ("Strings 2"),
mas nunca com este trio junto. E a sintonia entre cordas e sopro aqui foi
perfeita. Quem acompanha a trajetória do saxofonista sabe o quanto as parcerias
com cordas são especiais para ele, estando presente em diferentes momentos de
sua carreira de mais de três décadas – e não esqueçamos que no disco
"Strings", de 97, um duo com Joe Morris, Perelman toca violoncelo,
instrumento que estudou quando jovem. Deep Resonance é um dos mais bem
ajustados encontros do sax tenor de Perelman com cordas. "I have had the
privilege of playing with some of the best String improvisers in the world but
never before with a established String trio with such far reaching sound
tentacles that many a time to this day I still feel that I am playing the cello",
diz Perelman. A música neste álbum, dividida em quatro partes
("Resonance I", "Resonance II"...), pode ser encarada em
seu desenvolvimento como uma peça de câmara em que a improvisação coletiva é o núcleo
do processo criacional. Claro que no universo do free impro ter tocado junto
não garante uma sessão bem-sucedida, mas nesse caso parece que o fato de os
músicos se conhecerem de palcos e sessões de gravações anteriores apenas jogou
a favor, fazendo com que a música soe precisa, com as ideias se desenvolvendo
em harmonia sem deixar que surpresas sonoras surjam de tempos em tempos.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e
Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos;
foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com
publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre
música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os
álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the
Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)