PLAY IT AGAIN...






LANÇAMENTOs  Novos álbuns de diferentes partes do mundo. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...







Por Fabricio Vieira



Motor  ****(*)
Sofía Salvo/ Gustavo Obligado/ Marcelo von Schultz
Nendo Dango Records

Este novo trio argentino, formado por Sofía Salvo (sax barítono), Gustavo Obligado (sax alto) e Marcelo von Schultz (bateria), apresenta seu disco de estreia. Com potentes e muito bem armadas peças, Motor mostra toda vitalidade da música feita por artistas do país vizinho. Sofía Salvo é uma nova voz que deixa a gente atento a seus próximos passos. Vinda de Buenos Aires e morando atualmente em Berlim, a saxofonista pode ser vista em alguns vídeos/apresentações solistas no youtube que revelam uma voz fresca com muito a dizer.  Obligado e von Schultz conhecemos de outros trabalhos. E o encontro entre os três funcionou de forma certeira, gestando uma música de rica harmonia, intensa sem ser propriamente energy music, livre sem ignorar possibilidades melódicas. "Tofu" é um dos destaques, abrindo com o sax barítono só, em repetitivo tema, até o sax alto se juntar, primeiro tateando, depois adentrando o mesmo tema, acompanhados na sequência, em crescendo, pela bateria, até atingirem um ponto de ruidosidade mais pronunciada após os três minutos. Outra peça de maior força é a breve "Chispa", que abre o disco com um potente duelo de saxes. Não sei se a distância vai permitir a continuidade do projeto, mas seria bom ouvir os novos passos do trio.
    





Chaos  ****
Windisch Quartett
Hout Records

O jovem pianista alemão Julius Windisch apresenta o álbum de estreia de seu fino quarteto. Formado ao lado do saxofonista islandês Sölvi Kolbeinsson, do baixista Felix Henkelhausen e do baterista austríaco Max Santner, o Windisch Quartett mostra um pouco do que há de novo na cena de Berlim. As nove composições do pianista aqui presentes revelam complexas estruturas rítmicas e harmônicas, que ganham maior amplitude com a exploração free impro, que permite que as peças revelem toda potencialidade dos instrumentistas. Gravado em junho de 2019 no Zentrifuge (Berlim), Chaos mostra possibilidades jazzísticas contemporâneas, com o quarteto soando muito afinado. Se o disco é bastante coeso em sua proposta, o ouvinte poderá encontrar desde peças mais intensas, como "Zulassen", a outras de atmosfera introspectiva bem marcada, como "Wohin".






Lena  *****
Anna Högberg Attack
OmllotT

Quando editou o disco de estreia de seu projeto Attack, em 2016, a saxofonista sueca Anna Högberg causou grande impacto pela inventividade e ousadia do registro, centrado em instrumentistas mulheres. Desde então, esperava-se por esse novo capítulo, que chegou há pouco mostrando que o álbum de estreia não foi apenas uma espantosa lufada de criatividade. Com novas propostas, tudo o que havia de empolgante lá volta aqui. Ao lado do sax alto de Högberg estão praticamente as mesmas parceiras, Elsa Bergman (baixo), Anna Lud (bateria), Lisa Ullén (piano) e Elin Larsson (sax tenor). Há uma novidade, Niklas Barnö, trompetista sueco de grande força expressiva menos lembrado do que merece. A poderosa música desenvolvida pelo sexteto tem em "Pappa Kom Hem", a faixa de abertura, seu ponto mais incendiário, como se o grupo dissesse "lembram da gente? Voltamos!". Gravado em dezembro de 2019 e editado agora em LP e CD, Lena traz seis faixas nas quais podemos ver a força de Högberg como compositora e líder, em temas bem estruturados nos quais cada instrumentista tem espaço e liberdade para  mostrar seu melhor. Nas liner notes, escreve Mats Gustafsson: "This is liberating music. Allowing music. It hits me just as the split axe hits the wood". Uma boa descrição para este novo incrível trabalho de Anna Högberg.






Accelerate Every Voice  ****
Cory Smythe
Pyroclastic Records

Este intrigante projeto comandado por Cory Smythe (piano, eletrônicos) o reúne a cinco vocalistas. Kyoko Kitamura, Kari Francis, Steven Hrycelak, Michael Mayo e Raquel Acevedo Klein criam uma complexa rede polifônica completada e atravessada pelas linhas criadas por Smythe. Ele afirma que a inspiração primeira para este projeto veio de sua admiração pelo álbum "Lift Every Voice" (1970), de Andrew Hill, e o trabalho do poeta ligado ao Harlem Renaissance James Weldon Johnson. A partir desse gatilho, utilizando harmonias microtonais, Smythe compôs as nove faixas que formam o álbum. Oscilando entre dois e cinco minutos, os oito primeiros temas como que nos conduzem pelo universo criado por Smythe, ora com o coro de vozes rodeado por intromissões eletrônicas, ora por notas ao teclado, sempre de forma bem arquitetada, remetendo por vezes ao universo do que acostumou-se chamar de erudito contemporâneo. Esse processo nos conduz ao clímax, representado pela última faixa, "Piano and Ocean Waves for Deep Relaxation", que oferece 19 minutos para as ideias expostas antes se desenvolverem de forma mais abrangente, apesar de as vozes perderem seu protagonismo. Tal peça abre com uma longa introdução feita de ruídos eletrônicos que remetem ao universo marinho, em meio a pequenos sons que surgem aqui e ali, em uma ambientação que vai nos levando para fora da obra, ficando o jogo de vozes que nos acompanhou pelo disco cada vez mais distante.

  




Quarentanea 2020  ****
Vários
Submarine Records

A Submarine Records reuniu nesta coletânea 20 faixas de 20 artistas/projetos com quem tem trabalhado. Comandado por Frederico Finelli, também responsável pela produtora Norópolis, o selo surgiu duas décadas atrás mais ligado ao punk, se tornando com o tempo referência na música experimental, do free jazz e da improvisação livre ao pós-rock. Quarentanea 2020 reúne artistas brasileiros e estrangeiros, mostrando bem a amplitude da música que o selo representa, sempre com peças inéditas ou nunca antes editadas. Há artistas consagrados de diferentes gerações e propostas estéticas, o que faz com que esta coletânea soe múltipla e abrangente, alcançando ouvidos diversos. E isso pode ser um trunfo, com alguém chegando até aqui em busca de certo artista e tendo a oportunidade de descobrir nomes ainda não conhecidos. Do universo mais ligado a este espaço temos como destaque a participação da sempre genial Nicole Mitchell, com a peça solo "Subversive Submersion", na qual, após sermos atraídos por sutis intromissões eletrônicas, somos levados à sua encantatória flauta, enquanto palavras vem e vão. O duo Thomas Rohrer (sax soprano) e Philip Somervell (piano) é outro destaque free impro, com a faixa "Spit Titke", seara que conta também com a presença de Rob Mazurek, que apresenta "The Crusher". Há ainda a participação do Hurtmold com Paulo Santos ("Lágrimas do Sul"), The Eternals, ACruz Sesper, Auto, Objeto Amarelo, M. Takara, dentre outros.





Threadbare - Silver Dollar  *****
Jason Stein/ Emerson Hunton/ Ben Cruz
NoBusiness Records

Este trio de Chicago formado por Jason Stein (clarinete baixo), Emerson Hunton (bateria) e Ben Cruz (guitarra) faz sua estreia em grande estilo. A primeira vez que ouvi Stein, pouco mais de uma década atrás, foi no projeto "Bridge 61", onde tocava ao lado de Ken Vandermark, em uma de suas primeiras gravações. Desde então, Stein apareceu em cerca de 40 álbuns, construindo uma sólida base para desenvolver sua música até o ponto elevado encontrado a essa altura. Um dos raros artistas dedicados somente ao clarinete baixo, Stein hoje é um dos mais importantes nomes do instrumento. Ao lado dos jovens Cruz e Hunton, criou aqui um registro de sonoridade bastante particular e estimulante. "And When Circumstances Arise" abre o registro com um tema contagiante escrito por Cruz em que clarinete baixo e guitarra dialogam construindo uma intrigante linha melódica, daquelas que ecoam nos ouvidos mesmo depois de encerrada. O álbum traz uma variedade de climas, indo da densa "24 Mesh Veils" à animada "Funny Thing Is" e tendo seu pico em "Silver Dollar", com sua atmosfera doom. Uma estreia de grande potência e impacto.





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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)