R.I.P. Dois grandes nomes do free jazz, o baixista Henry Grimes e o
saxofonista Giuseppi Logan, com histórias tristemente tão similares, nos
deixaram nesta semana...
Por Fabricio Vieira
Em agosto de 2014, o Jazz na Fábrica recebeu uma
apresentação bastante especial. O palco do Teatro do Sesc Pompeia, nos dias 9 e
10 de agosto, abrigou um concerto chamado Waves, projeto concebido pelo artista
HPrizm que reuniu nomes como o trompetista Wadada Leo Smith, o saxofonista
Steve Lehman e o baixista Henry Grimes. Aquela foi a primeira e única vez que
Grimes veio ao Brasil. Quem esteve presente, pôde ver ao vivo um dos
pioneiros do free jazz, um cara que participou com seu baixo de álbuns seminais
como "Spirits" (Albert Ayler, 1964), "Unit Structures"
(Cecil Taylor, 1966) e "Symphony For Improvisers" (Don Cherry, 1967).
Um músico que antes de se envolver com o free gravou com Lee Konitz, Sonny
Rollins, Gerry Mulligan e outros que protagonizaram o jazz nos anos 50. Antes
ainda, o baixista nascido em 3 de novembro de 1935, na Filadélfia, estudou na
Juilliard School e começou a vida de músico em grupos de R&B. Dizem que
Jimmy Giuffre o instigou a explorar veios mais livres, que desenvolveu primeiramente
tocando com o clarinetista Perry Robinson e Cecil Taylor no início dos anos 60.
Em dezembro de 1965, Grimes entrou com um trio em estúdio, ao lado de Robinson
e do baterista Tom Price, para gravar seu primeiro disco ("The Call",
editado pelo ESP-Disk) como líder. O que ninguém que tocava com ele à época
poderia prever é que Grimes, após intensa carreira por anos, abandonaria a
música (ou seria abandonado por ela?).
Entrada a década de 1970, ele havia desaparecido do
cenário musical. Apenas em 2002, depois de ser dado como morto nos anos 80, Grimes
foi redescoberto, em Los Angeles, pelo assistente social Marshall Marrote, que conhecia
seu trabalho como músico. Grimes não tinha mais um baixo, vivera como sem teto
em diferentes momentos; sua única ligação com a arte ainda era os poemas que
passou a escrever. Depois que a história de sua redescoberta circulou, William
Parker resgatou Grimes como músico, dando um baixo para ele e o trazendo de
volta para a cena. Grimes passou a se apresentar também ao violino e manteve
uma carreira relativamente ativa desde então, deixando discos como "Live
At The Kerava" (com David Murray e Hamid Drake, 2005) e "Going To
Ritual" (duo com Rashied Ali, 2008). Foi nesse contexto que tivemos a
honra de ver o baixista em ação no Brasil. Henry Grimes morreu de complicações
da covid-19 nesta semana.
É incrível como a história se repete com Giuseppi Logan. O
saxofonista também nasceu em 1935, no dia 22 de maio, na mesma Filadélfia. Logan
estudou no New England Conservatory e, além do sax alto de origem, tocava
tenor, clarinete-baixo, flauta e piano. Logan não teve uma carreira no jazz
como Grimes. Ele surge na cena já mergulhado no universo free, gravando seu
primeiro disco, em quarteto, ao lado de Don Pullen e Milford Graves, em outubro
de 1964. O álbum foi editado também pelo ESP-Disk, no ano seguinte, sob o título "The
Giuseppi Logan Quartet" (há uma
história que diz que seu nome de batismo era Joseph, mas que Bernard Stollman,
dono do ESP, deu a ideia de mudá-lo para Giuseppi, que seria mais chamativo).
Pelo mesmo selo lançaria no ano seguinte “More”.
Depois de participar de
algumas gravações – "College Tour", de Patty Waters, e "Everywhere"
(67), de Roswell Rudd –, Logan desapareceu. Muitos tentaram reencontrá-lo nas
décadas seguintes, sem sucesso. Dizia-se que havia se tornado sem teto, morrido
e sido enterrado como indigente. Problemas familiares, problemas com drogas,
internações em sanatórios, difícil imaginar que ele voltaria para a música. Mas,
para a surpresa da comunidade free jazzística, Logan foi reencontrado em 2008.
Filmado tocando seu sax no Tompkins Square Park, na Nova York para onde havia
regressado há pouco tempo, acabou sendo redescoberto. O trompetista Matt Lavelle
foi um dos que o ajudaram a retomar sua história com a música: em 2009, ele se
apresentaria no Bowery Poetry Club e depois gravaria o álbum "The Giuseppi
Logan Quintet", um retorno inesperado após quatro décadas de silêncio. Giuseppi
Logan morreu no último dia 17 de complicações da covid-19.
----------
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou
também com publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve
sobre música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para
os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of
the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de
Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)