ENTREVISTA Pouco antes de
embarcar para o Brasil, onde se apresentará em São Paulo e no Rio de Janeiro, o
saxofonista Mats Gustafsson conversou com o FreeForm, FreeJazz...
Por Fabricio Vieira
Qualquer pessoa que se interesse por free music conhece Mats
Gustafsson. Do contrário, há algo de errado. Gustafsson é um dos nomes centrais
da free music contemporânea e está envolvido com alguns dos projetos mais
excitantes deste século. Nascido em Umea, Suécia, em 1964, o saxofonista
iniciou sua trajetória profissional em meados dos anos 1980. Mas foi na década
seguinte que começou a sedimentar seu nome, assumindo, a cada novo projeto,
maior protagonismo na cena internacional. Fire!, The Thing, AALY Trio, Gush,
The End, Sonore, Diskaholics Anonymous, NU Ensemble, Swedish Azz, outros tantos grupos, inúmeras
parcerias e explorações solísticas: o trabalho de Gustafsson, em pouco mais de
três décadas, deixou pelo caminho muito material obrigatório para compreender a
música criativa de nosso tempo. O saxofonista esteve no Brasil anteriormente em
duas oportunidades: em maio de 2011, na primeira edição do Jazz na Fábrica
(Sesc Pompeia, SP), com o trio Fire!; e em junho de 2013, quando desembarcou no
país com o The Thing, acompanhado por Joe McPhee, para uma pequena turnê que
passou por São Paulo, Ribeirão Preto, Santos e Araraquara, sempre no Sesc.
Desta vez, tocará, na próxima semana, em São Paulo e no Rio de Janeiro, em duo
com o austríaco Christof Kurzmann. Antes de embarcar para o Brasil, no fim de uma
temporada com o quinteto The End, Mats Gustafsson conversou com o FreeForm,
FreeJazz...
FF: Você esteve no Brasil em 2011, com o Fire!, e em 2013, com o The
Thing. Porque levou tanto para retornar?
Mats Gustafsson: “Pelo contrário, eu acho. Mas é claro que eu queria já
ter voltado. A cultura [do Brasil] é uma das mais ricas em todos os tempos. E a
música é estelar. Mas minha agenda está cheia a maior parte do tempo – e às
vezes é difícil encontrar viabilidade econômica para fazer isso acontecer e tocar
em lugares distantes como o Brasil. A situação política é outro fator... de
qualquer forma – a situação política globalmente no momento é um pouco...
difícil e complexa.”
FF: Quando começou a parceria com o Christof Kurzmann? Planejam algo
específico para apresentar no Brasil ou o foco estará na improvisação livre?
Gustafsson: “O duo está ativo há alguns anos, uns quatro anos ou mais.
Mas nos conhecemos há muito tempo. E nos encontramos muitas e muitas vezes ao
longo dos anos. Algo incrível aconteceu quando tocamos em duo pela primeira
vez... uma química única e uma música que nenhum de nós tinha ouvido antes.
Então, ainda estamos tentando descobrir o que realmente está acontecendo. E nós
amamos isso! Há muito de melódico e material baseado em canção. Eu realmente
não chamaria isso de free improvisation. E o que é "free", afinal? Nós
fazemos nossa música – é isso. Eu não gosto de rotular a música, pois isso
impede o ouvinte de ter uma experiência aberta em relação a ela. Apenas damos
prosseguimento ao que começamos. E estou com muita vontade de descobrir como será.”
FF: Após quase 20 anos de atividade, o The Thing fez uma pausa. Você
acha que o trio voltará a tocar ou gravar algum dia? Quais são seus registros
favoritos do The Thing?
Gustafsson: “Deixo para os outros apontarem seus discos favoritos em
nossa música. São todos álbuns importantes para mim. Aconteça o que acontecer,
não sabemos o que virá no futuro. Deixamos isso em aberto.”
FF: Depois de tocar no Brasil, você começará uma turnê com o Thurston
Moore. Você tem um relacionamento longo e produtivo com Moore, como isso
começou?
Gustafsson: “Nos conhecemos por um amigo em comum, o Jim O'Rourke – e
nossa dedicação em colecionar discos raros. A rede "Discaholic" estava
iniciada! Me juntei ao Sonic Youth em várias oportunidades e projetos... e logo depois
reuni alguns grupos em que Thurston e eu estávamos juntos. E sempre que temos
uma chance de tocar juntos, aproveitamos. Sempre que a agenda permite que isso
aconteça. E é sempre uma boa oportunidade para procurarmos discos juntos, quando
realmente fazemos turnês. Turnês para caçar discos!”
(Photo: Micke Keysendal) |
FF: Apesar de ser um multi-instrumentista, que toca toda a família dos saxofones, tenho notado uma especial atenção sua ao sax barítono nos últimos anos. Este tem se tornado seu principal instrumento?
Gustafsson: “Sim, o barítono tem sido o eixo principal há algum tempo… Mas meu primeiro instrumento é a flauta – que levarei ao Brasil pela primeira vez! Meu foco muda de tempos em tempos. E agora tem sido muito prazeroso trabalhar com a flauta novamente. Vou trazer o sax tenor comigo desta vez (comecei com o sax tenor, anos antes de o barítono entrar em ação). E também levarei live electronics. Eu gosto de alternar a instrumentação para ampliar a música. Não quero ficar preso apenas a um instrumento.”
FF: O novo álbum da Fire! Orchestra traz uma releitura de
"Actions", peça do compositor polonês Krysztof Penderecki gravada
pela The New Eternal Rhythm, em 1971. O quanto essa obra é importante para você
como músico e ouvinte e como surgiu a ideia de revisitá-la? É um admirador do
trabalho de Penderecki?
Gustafsson: “Sim, claro, Penderecki é um dos principais compositores do
século XX! Sua Threnody for the Victims of Hiroshima, para cordas, é incrível!
E "Actions" é uma grande obra! Eu amo isso. A Fire! Orchestra foi convidada
por um grande festival polonês, o Sacrum Profanum, para fazer uma nova leitura
da peça. E tudo foi aprovado pelo próprio Penderecki. Eu a
reorganizei/reestruturei e a transformei em algo que caberia em um vinil. Portanto,
é uma nova leitura da peça – aprovada pelo compositor. Onde quer que haja boa
música devemos fazê-la acontecer! Há muita coisa inspiradora a ser descoberta,
em todos os lugares! Muito no Brasil. Os anos 60 e o início dos anos 70 foram
um período de ouro da música (experimental) – eu não conheço o suficiente e fico
ansioso para descobrir sempre mais sobre isso!”
FF: Quais foram os grandes pontos de virada em sua carreira nos últimos
dez anos?
Gustafsson: “Muitos. A música está sempre mudando. Você apenas tem que
estar aberto para que isso aconteça. Se manter curioso. Estar aberto a coisas
novas. E disposto a cometer erros. Se você seguir esse exemplo, as coisas
sempre acontecerão! Adoro trabalhar com grupos por um tempo maior – como é o
caso de Fire, Gush e The Thing –, mas também preciso que novos projetos aconteçam,
para alimentar minha música com coisas novas! Como os novos grupos The End e
The Underflow. Pesquisa e exploração é tudo.”
FF: O que faz um bom concerto para você? Essa percepção tem mudado ao
longo do tempo, à medida que toca cada vez mais?
Gustafsson: “Você sabe quando é bom. Você sabe quando é ruim. Sempre
deve ser um desafio quando você sobe em um palco. Se não se sente desafiado
pela música... é hora de parar. Bom é bom. Ruim é ruim. Não há nada no meio.”
FF: Você é um conhecido colecionador de discos. Quais as últimas preciosidades
que adquiriu?
Gustafsson: “Estou sempre fazendo novas aquisições para minha coleção.
Há tantas coisas boas por aí. Em qualquer cultura. Fico louco para sempre
descobrir mais. Tenho encontrado gravações o tempo todo e adoro cuidar do meu
"jardim", cultivá-lo. Meu foco é o free jazz e a música experimental –
mas também tenho interesse em rock psicodélico e de garagem... e música étnica.
Isso nunca vai parar. Ontem encontrei um incrível 45 RPM do grupo punk sueco Rävjunk,
"Bohman Bohman". Gravação incrível! Essa é a minha última grande
descoberta.”
FF: Nesta viagem ao Brasil, tem algum disco em especial que quer
encontrar? E pretende ir a algum show de música brasileira?
Gustafsson: “Se der tempo, vamos ir a alguns shows. Mas será bastante
apertado desta vez, apenas três dias no país. Eu ainda procuro as primeiras edições
de algumas coisas dos Mutantes. E também estou em busca do primeiro EP do
Caetano Veloso, O’Seis, Bango, Os Brazões, alguns compactos do Tom Zé…. E mais…. Qualquer
coisa que kicks my ass and mind!!! Estou sempre aberto a novas músicas…. Adoro
surpresas e músicas que me desafiem.”
FF: Você está envolvido em muitos projetos, com diferentes
possibilidades e perspectivas artísticas. Há mais novos projetos chegando? O
que vem a seguir para Mats Gustafsson?
Gustafsson: “Espero que sempre haja novos projetos chegando. Eu não
quero ficar parado. Sempre existem novos músicos com quem gosto de tocar. Ou
antigos. Me sinto privilegiado por quererem tocar comigo. Tudo isto é sobre
compartilhar! TUDO.”
*MATS GUSTAFSSON e CHRISTOF KURZMANN*
Quando: 11/3 (qua), às 20h30
Onde: Sesc Pinheiros (auditório)
Quanto: R$ 9 (comerciário) a R$ 30
Quando: 12/3 (qui)
Onde: Audio Rebel (Rio)
Onde: Audio Rebel (Rio)
Quanto: R$ 25
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e
Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos;
foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com
publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre
música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os
álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the
Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)