ENTREVISTA A pianista japonesa Satoko Fujii, que encerrou 2019 com o
lançamento de um dos melhores discos do ano, Baikamo, conversou sobre sua
carreira e obra com o FreeForm, FreeJazz...
Por Fabricio Vieira
Em 2018, a pianista japonesa Satoko
Fujii completou 60 anos de idade e comemorou a efeméride de uma forma
inusitada: lançou um disco por mês durante o ano. Envolvida com múltiplos
projetos, vai de seu trabalho solista a duos, trios, quartetos até o comando de big
bands – a Satoko Fujii Orchestra tem várias encarnações, com grupos em atividade
em diferentes locais, Nova York, Tóquio, Nagoya, Kobe, Berlim, cada cidade com
artistas diferentes. Tendo iniciado sua discografia em meados da década de
1990, conta hoje com seu nome em mais de 100 álbuns, que mostram a amplitude de
suas explorações estéticas, podendo soar ora mais jazzística, ora mais free
impro, compondo peças de grande lirismo ou explorando técnicas expandidas,
especialmente em seu trabalho solo. Com a participação do trompetista Natsuki
Tamura, seu companheiro há algumas décadas, tem desenvolvido grande parte de seus
projetos, mas também tem outros parceiros importantes, como Mark Dresser e Jim
Black, com quem formou um potente trio em 97, ativo por mais de uma década, o baterista
Tatsuya Yoshida (do Ruins), com quem conduz o duo Toh-Kichi, e o baixista Joe
Fonda, com quem também tem um duo. Sua obra solista, que conta com meia dúzia
de títulos editados, é um capítulo importante não só em sua trajetória, mas
também para a produção solística para piano como um todo: sua voz muito
particular ocupa um lugar especial neste universo. Em novembro de 2015,
convidada pelo Buenos Aires Jazz Festival, veio para a América do Sul pela
primeira vez. Acompanhada pelo quarteto Tobira, aproveitou a vinda a Buenos
Aires para passar rapidamente pelo Brasil, realizando dois discretos concertos,
no Sesc Ribeirão Preto (interior de SP) e no Instituto Ling (Porto Alegre). Já é hora de vermos a pianista em ação na cidade de São Paulo! Por
e-mail, Satoko Fujii respondeu algumas questões do FreeForm, FreeJazz...
A senhora estudou música clássica por muitos anos quando era jovem. O que a
levou a mudar de foco para o jazz e a improvisação livre?
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(Photo: Toru Sasaki) |
Satoko Fujii: "Meu professor de música clássica, que se chamava Koji
Taku, amava jazz. Ele foi um importante compositor e pianista clássico, e comandava o departamento de piano de uma
das melhores escolas do Japão. Mas ele parou de ensinar lá e começou a tocar
jazz na noite. As pessoas adultas no Japão costumam se preocupar apenas com seu
status... Fiquei tão impressionada com sua vida e ideias. Por isso, comecei a
ouvir Jazz. Mas não gostava muito de jazz até ouvir "A Love Supreme",
do Coltrane, em um programa de rádio. Fiquei tão chocada e comovida, era algo
que não entendia. Então, comecei a pensar se a música clássica era a música que
de fato queria tocar. E lembrei-me de como gostava de improvisar quando era
jovem, antes de estudar piano clássico. Daí tentei improvisar e percebi que não
podia mais tocar nada sem ter partituras na minha frente. Fiquei muito
decepcionada e decidi deixar a música clássica."
Você se mudou para os Estados Unidos para estudar música. Quanto tempo
viveu no país? O quanto essa decisão foi importante para seu trabalho e sua
carreira?
SF: "Comecei minha carreira profissional em 1983, em Tóquio. Todos
diziam que essa era a melhor e mais rápida maneira de me aperfeiçoar. Mas não
conseguia melhorar apenas dessa forma. Então, decidi me concentrar em estudar e
praticar em alguma escola. Naquela época, não havia uma faculdade no Japão onde
pudéssemos estudar jazz, então fui para os Estados Unidos, em 1985, para estudar
no Berklee College of Music de Boston. Me formei em 1988 e voltei ao Japão para
retomar minha carreira profissional. Eu tentei levar isso de muitas maneiras
diferentes, tocando em clubes de jazz, emissoras de TV, organizando algumas
bandas... Mas comecei a perder o foco, o motivo pelo qual fazia música. Em
1993, decidi voltar aos EUA, novamente para estudar, desta vez no New England
Conservatory, em Boston. E me graduei em 1996. Lá estudei com muitos grandes
músicos, Paul Bley, Jimmy Giuffre, George Russell, Joe Maneri... Eu vivencie uma
espécie de revolução interna quando estudei com eles. Não posso imaginar minha
vida e minha música agora sem a experiência que tive no New England
Conservatory."
Sua obra é bastante ampla e aberta, com muitos projetos em andamento simultaneamente.
Gostaria que falasse especificamente sobre a Satoko Fujii Orchestra, com suas
diversas encarnações. Você compõe de
forma diferente para cada uma dessas formações?
SF: "No começo, eu não compunha para cada orquestra, mas já há 20
anos componho especificamente para cada uma, porque são totalmente diferentes.
Eu conheço bem os colegas de cada banda agora e, na verdade, suas músicas e a
forma como tocam me fazem ter ideias."
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(Photo: Bryan Murray) |
Gostaria que falasse sobre seu trabalho solista, que representa uma
parte relevante de sua obra. O quanto desafiador é criar sozinha, apenas você e o
piano?
SF: "O trabalho solista é um pouco diferente de outros projetos,
porque não tenho ao lado outros músicos que possam me inspirar. Tenho que ouvir
e conversar apenas comigo mesma. Eu tenho que me aprofundar em mim mesma, em um
processo um pouco distinto dos outros projetos."
Sua música pode ser enérgica, silenciosa, swingante, ruidosa... Como essas múltiplas faces dialogam?
SF: "Eu gosto de conduzir muitas coisas diferentes ao mesmo tempo,
não quero me limitar. Acredito que podemos fazer qualquer coisa na música."
O que a composição te ensina como improvisadora e o que a improvisação traz
para sua escrita?
SF: "Para mim, as duas coisas são as mesmas, apesar de distintas.
Nas duas situações, realmente quero é lidar com emoções. Também enfoco como
posso usar o silêncio. Muitos músicos estão ocupados tocando notas, mas às
vezes o silêncio pode falar mais do que apenas notas, sons..."
Como você e o trompetista Natsuki Tamura se conheceram?
SF: "Quando estava em uma banda, antes de ir para Berklee, eu o conheci
em uma boate. Eu estava na banda que tocava lá e ele às vezes se juntava a nós,
quando não estava ocupado tocando. Ele já era um músico relativamente
conhecido trabalhando como músico de estúdio."
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(Photo: Bryan Murray) |
Em meados dos anos 90, você criou o Libra Records, pelo qual tem editado boa parte de
sua obra desde então. Qual a importância para um artista hoje ter um selo?
SF: "Quando procurava uma gravadora para lançar meu álbum em duo com
Paul Bley ("Something About Water"), fiquei um pouco decepcionada com
algumas gravadoras que me pediram para adicionar alguns standards – até
chegaram a me perguntar de que forma eu costumava me vestir! Paul então me
sugeriu editar o material sozinha. Foi assim que o selo começou. Uma gravadora
minha me dá mais liberdade, posso decidir quando o material será lançado, como
deve ser apresentado… Hoje em dia, nós músicos podemos fazer CDs mais
facilmente do que antes. Acho que o ideal é ter sempre mais opções."
Você editou um ótimo novo álbum com o duo Toh-Kichi
("Baikamo"). Como é voltar a tocar ao lado de Tatsuya Yoshida?
SF: "Neste momento, estou em turnê com ele no Japão. É muito
interessante tocar com ele, porque temos algumas coisas em comum, mesmo que tenhamos
backgrounds tão diferentes. Baikamo é o nosso terceiro álbum, mas fazia 15 anos
que não gravávamos. Às vezes tocamos juntos, mas não tivemos chance de fazer
novas peças e desenvolver coisas novas até o ano passado, quando fizemos uma
turnê no Japão."
Quando a veremos tocando de novo no Brasil?
SF: "Estive no Brasil em 2015, com o quarteto Tobira. Estou aguardando
uma nova oportunidade!"
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e
Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos;
foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com
publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre
música e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os
álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the
Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)