CRÍTICAs Inspirado por uma série de pinturas,
Mats Gustafsson inicia o ano lançando novo disco solo...
Por Fabricio Vieira
Na estrada há mais de três décadas, o saxofonista sueco Mats Gustafsson
é indiscutivelmente um dos nomes centrais da free music contemporânea. Sua
múltipla inventividade tem se dividido por diversos instigantes projetos nesse
tempo em que está em atividade, deixando pelo caminho importantes e inovadores grupos
como The Thing, Fire!, AALY Trio, Gush, Diskaholics Anonymous Trio, Fire!
Orchestra e The End. Em paralelo a esses projetos, dividiu parcerias com
músicos de diversos cantos do mundo e de diferentes gerações, além de
desenvolver um destacado trabalho solista. Tendo os saxes barítono e tenor como
seus veículos principais, Gustafsson também toca soprano, alto, slide, flauta e
o peculiar fluteophone.
Sua discografia solista, já relativamente extensa,
mostra o músico ora explorando um, ora vários desses instrumentos a cada
título, sendo assim um imponente painel das habilidades técnicas e
improvisatórias do artista. Essa discografia solista teve início com gravações
realizadas ainda nos anos 90, que renderam títulos como “The Education of Lars
Jerry” (95), “Impropositions” (97) e “Windows: The Music of Steve Lacy” (99), seguindo
nas décadas seguintes com “Slide” (2005), “Catapult” (2005), “It Is All About”
(2007), “The Vilnius Implosion” (2008), “Mats G Plays Duke E/Albert A” (2008), “Needs”
(2010), “Mats G Plays Gullin” (2012) e “Torturing The Saxophone” (2015), com
esse conjunto formando um amplo painel do vocabulário solístico de Gustafsson.
Um novo capítulo nesse universo surge agora com o lançamento de Worn.
Kissed. Inspirado na obra do artista plástico sueco Edward Jarvis, o novo disco
solista de Gustafsson mostra ele explorando sax barítono, flauta e fluteophone.
Amigos antigos, Gustafsson e Jarvis nasceram no mesmo ano (1964) e na mesma
localidade (Umea). Se já tinham desenvolvido algumas parcerias artísticas
antes, é neste Worn. Kissed. que os dois chegam à colaboração mais íntima. O disco
traz três faixas, cada uma inspirada/improvisada a partir de um quadro de Jarvis, e mostra Gustafsson explorando técnicas expandidas e jogando com ruidosidades/silêncios,
sem chegar a gestar energy music propriamente, trazendo algo mais contemplativo
e detalhista. Editada pelo selo grego Underflow Records (que também é uma loja
de discos e galeria de arte localizada em Atenas), Worn. Kissed. é uma obra
lançada em edição limitada em vinil, que vem em um box com um livreto de 48
páginas e um quebra-cabeças de 500 peças da pintura “The Hypnagogic Puzzle”.
No lado A do LP está exatamente a peça “The Hypnagogic Puzzle”. Com
seus 22 minutos, destaca explorações à flauta (o barítono também aparece) e de sutis
elementos eletrônicos, que em certos pontos dialogam com o sopro e em outros
atuam mais ao fundo, preenchendo o espaço. Sobre a peça, diz Gustafsson: “The Hypnagogic
Puzzle is a… puzzle. Old school. Do what you want and need with it. Hold on
tight to your individual piece of the puzzle. Listen to the music commentary.
In any order you want and need. 18 short pieces (of electronics and flute) and
2 longer pieces (of bari sax actions) with a loooooooong pause between each
piece of the puzzle (Is it the shadow of one Bengt Nordström entering the
matters???)”.
Para sentir um pouco mais do que a peça oferece, vale se atentar à pintura que a inspirou (que está na contracapa do álbum). No lado B, estão os outros dois temas, “Guide To The Underworld, Nine Icons”, com 8m50, e “The Final Judgement”, com 10 minutos. Ambas destacam o músico ao sax barítono. “Guide To The Underworld, Nine Icons” é a mais intensa, pesada, com momentos de picos mais ruidosos no esquema particular que aprendemos a admirar na sonoridade de Gustafsson. Já “The Final Judgement”, cujo quadro que serviu de inspiração aparece na capa do álbum, traz uma intensidade mais contida, ficando mais alinhada às linhas gerais da primeira faixa.
Para sentir um pouco mais do que a peça oferece, vale se atentar à pintura que a inspirou (que está na contracapa do álbum). No lado B, estão os outros dois temas, “Guide To The Underworld, Nine Icons”, com 8m50, e “The Final Judgement”, com 10 minutos. Ambas destacam o músico ao sax barítono. “Guide To The Underworld, Nine Icons” é a mais intensa, pesada, com momentos de picos mais ruidosos no esquema particular que aprendemos a admirar na sonoridade de Gustafsson. Já “The Final Judgement”, cujo quadro que serviu de inspiração aparece na capa do álbum, traz uma intensidade mais contida, ficando mais alinhada às linhas gerais da primeira faixa.
Worn. Kissed. não é um trabalho direto, de audição ligeira e
descompromissada. Demanda outro tipo de escuta, atenção e disposição do
ouvinte. E como uma obra pensada além da música, talvez só revele seu sentido
pleno a quem tiver acesso ao box, com as imagens e textos que auxiliam sua
apreciação. Esse não é “apenas” mais um registro solista de
Gustafsson: é um registro em que imagens e sons dialogam, com estes só podendo acontecer
a partir daquelas. Worn. Kissed. será oficialmente lançado nesta quinta-feira,
dia 9 de janeiro, no Underflow Recor Store & Art Galery, em Atenas, com a
presença dos artistas – Gustafsson fará uma apresentação solo. As pinturas de Jarvis
ficarão expostas no espaço cultural até o mês de março.
--------------
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e
Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos;
foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com
publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre música
e literatura para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”,
de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e
Matthew Shipp (SMP Records)