PLAY IT AGAIN...







LANÇAMENTOs  Novos álbuns de diferentes partes do mundo. Experiências variadas, possibilidades múltiplas. Ouça, divulgue, compre os discos...








Por Fabricio Vieira



Cachaça!  *****
Radio Diaspora
Independente

Radio Diaspora é hoje o projeto mais interessante da cena nacional. O duo criado pelo trompetista Romulo Alexis e o baterista Wagner Ramos em 2015 já tem uma boa discografia, que nos permite apreciar diferentes nuances e possibilidades expressivas do projeto. Com Cachaça!, o  Radio Diaspora explora novas vias, trazendo três convidados especiais para ampliar o som e as ideias do grupo: Thayná Oliveira (violoncelo), Paola Ribeiro (vocal) e Luiz Viola (teclados). O álbum, o sexto registro em estúdio do duo, foi captado em julho de 2019 no C4 (SP) e apresenta cinco temas, abrindo com a extensa faixa-título. Em seus 18 minutos, "Cachaça" dá amplo espaço para os convidados, tendo em sua metade uma presença contagiante do violoncelo; a voz de Paola Ribeiro é outro elemento de destaque, trazendo uma vibração diferente ao som marcante do duo. "Vento", em trio com Viola, tem os melhores momentos de Alexis, com o trompete em toda sua inventividade, criando linhas climáticas e vias solistas surpreendentes. Após dois temas em quarteto, com participação de voz e violoncelo, chegamos ao desfecho do disco. Em quinteto, "Carnaval" é uma exploração ampla de possibilidades em 27 minutos de música que nos levam por diferentes percursos. Um dos méritos do trabalho é ter conseguido absorver os convidados, deixando soá-los como se fizessem parte do grupo ou fossem parceiros de longa data  lembrando que a música foi desenvolvida livremente; como diz o release: "o instantâneo sonoro deste encontro, sem edições, sem overdubs (...) e total liberdade de invenção". Esta música e sua proposta de elevada fatura estética merece ser ouvida, repercutida e levada para além de nossas fronteiras. Muitos ouvidos lá fora agradecerão poder descobrir "Cachaça!".   






Double on The Brim  ****
Karoline Leblanc/ Gibson/  Vicente/ Mira/ Ferreira Lopes
atrito-afeito

Fundado em 2013 em Montreal, o selo atrito-afeito tem realizado um importante papel em divulgar trabalhos que envolvem a criação da pianista canadense Karoline Leblanc e do baterista português Paulo J Ferreira Lopes. O 11º título do selo ilustra bem isso. Double on The Brim reúne um quinteto formado por Leblanc (piano), Ferreira Lopes (bateria), Luís Vicente (trompete), Miguel Mira (violoncelo) e o saxofonista brasileiro radicado em Portugal Yedo Gibson. Captado em fevereiro de 2019 no Namouche Studios (Lisboa), “Double on The Brim” traz seis temas. "In The Bloom" abre o disco de forma direta, com o quinteto todo em ação, sem introduções, como se estivéssemos já em um pico em uma apresentação, notadamente pela voracidade de Gibson e Vicente. O ímpeto do tema de abertura nos faz precisar de algum respiro para seguir. E o grupo parece saber disso: "Anthropic Jumble" chega na sequência de forma mais sutil, iniciando com a temperatura mais baixa para nos levar por longos 16 minutos de improvisação coletiva. "Singra Alegria", a mais breve, com seus quatro minutos, tem bonito tema desenvolvido pelo sax. "Jaggy Glide" abre com o violoncelo em primeiro plano, sendo seguido por teclas e sopros sutis, que logo se desdobram em um potente solo de sax, acompanhado com inventividade pelo piano, dominando a maior parte da peça. Não sei se este é um novo grupo ou se foi um encontro ocasional, mas o forte resultado alcançado nos leva a esperar que outros títulos do quinteto venham.






Points  ****(*)
Marcelo dos Reis/ Vicente/ Ceccaldi/ Franco
Multikulti Project

Points traz uma apresentação realizada há algum tempo, em maio de 2017, na Casa das Artes da Fundação Bissaya Barreto, em Coimbra. Parte do Spontaneous Music Tribune Series, selo dedicado ao free impro mantido pelo polonês Multikulti Project, Points traz um incrível quarteto formado pelos portugueses Marcelo dos Reis (guitarra), Luís Vicente (trompete) e Marco Franco (bateria), junto ao violoncelista francês Valentin Ceccaldi. Aqui há três vozes do sensacional Chamber 4, mas a música buscada e oferecida adentra outros campos. O quarteto apresenta quatro longas peças em que o free impro pode tanto se revelar enérgico quanto encantatório. Veja "Punctuation", por exemplo. Enquanto ruidosidades sutis vão se acumulando ao fundo, com a percussão detalhista de Franco e as cordas atuando em várias direções, Vicente vai desenvolvendo um tema cortante, com um sopro que parece querer penetrar profundamente a escuta; não é possível passar ileso à latente tensão que marca a peça. Já “Exclamation Mark” abre a sessão de forma densa e intensa, com as cordas em robustez crescente e o trompete rasgando o ar, esquema que atinge seu pico lá pelos 10 minutos, rumo à explosão final, com solo de violoncelo e percussão mais pesada. Edição limitada de 300 cópias.







Old New  *****
Tomeka Reid Quartet
Cuneiform Records

Tomeka Reid comanda um poderoso quarteto neste seu novo título, forte candidato a estar nas listas de melhores de 2019. Ao lado da violoncelista de Chicago estão Mary Halvorson (guitarra), Jason Roebke (baixo) e Tomas Fujiwara (bateria), o mesmo grupo que gravou anteriormente o também genial “Tomeka Reid Quartet“ (2015). Músicos jovens, música fresca: esta é uma bela amostra do que de mais inventivo tem sido feito na free music contemporânea. Reid tem se estabelecido como uma das grandes do violoncelo no free, instrumento que tem tido diferentes bons instrumentistas em ação na atualidade. A gravação demorou um tempo para sair a público: o registro foi feito em abril de 2018, no Greenwood Underground (Brooklyn). Produzido e composto por Reid, Old New traz nove temas, relativamente breves, entre 4 e 6 minutos.  A faixa-título abre com um pulso bem marcado por baixo e bateria, antes de violoncelo e guitarra entrarem trabalhando uma linha melódica que se desdobra rapidamente em um solo conduzido por Reid. Em “Wabash Blues” é a vez de Halvorson brilhar com solo preciso. Já “Niki’s Bop”, bastante swingante, traz o violoncelo para o primeiro plano novamente, com a guitarra lindamente cortando ao fundo. Reid e Halvorson estão em seu melhor e poder ouvi-las criando tanta coisa boa, juntas ou separadas, é algo a ser celebrado por nós, que estamos vendo isso acontecer.







Magma ****(*)
Ada Rave/ Cecilia Quinteros/ Paula Shocron
Nendo Dango Records

Por algum motivo, a vibrante cena free jazzística da Argentina segue sendo pouco prestigiada por aqui. Quantos artistas argentinos tivemos a oportunidade de ver em ação em nossos palcos na última década? Nada melhor para comprovar a vitalidade dos vizinhos do que este pulsante lançamento. Reunindo três das mais inventivas artistas contemporâneas, este Magma apresenta uma sessão captada em novembro de 2018 no Estudio Libres (Buenos Aires), resultando em oito temas. Reunidas aqui estão Ada Rave (sax tenor), Cecilia Quinteros (violoncelo) e Paula Shocron (piano). Rave, que vive há alguns anos na Holanda, é uma voz sólida e potente; e é ela que abre o álbum, com um robusto tenor dando partida a "Ikeya-Seki"; desenvolvendo um tema sem pressa, logo tem a companhia do piano, já agarrando nossa atenção. "Gemínidas", na sequência, tem outra fatura, com o violoncelo rasgando o ar enquanto ruidosidades pontuais emergem de sax e piano explorando técnicas expandidas. "Mare Nubium" traz o tenor de Rave mais uma vez a primeiro plano, enquanto "Neptuno" tem nas climáticas linhas de Shocron seu ponto de sedução maior. Em "Hyperión", Quinteros mostra suas cordas afiadas, rascantes, por sobre as quais o sax balbucia algo estranhamente abafado.  A voltagem máxima do trio, que já havia crescido na faixa-título, nos aguarda em "Limbo", tema em que as três instrumentistas nos afogam em ruidosidades contagiantes pelos quase cinco minutos da peça, baixando o tom apenas no desfecho. Para completar este vibrante álbum, nada menos que liner notes assinadas por Lotte Anker.







The Treasures Are  ****(*)
Harri Sjöström / Guilherme Rodrigues
Creative Sources

O veterano saxofonista finlandês Harri Sjöström se uniu em duo ao violoncelista português Guilherme Rodrigues para esta sessão realizada há pouco mais de um ano, em novembro de 2018. Sjöström, com umas quatro décadas de história na música improvisada, na qual se destacam diferentes gravações que fez com Cecil Taylor, vive na Alemanha há bastante tempo e foi lá que formou esta parceria com Rodrigues. A dupla criou um total de 20 peças, a maioria bem curta, entre 1 e 3 minutos, para compor este The Treasures Are. A música é improvisação livre do mais alto nível, com precisão, inventividade e técnicas apuradas gestando uma sonoridade desafiadora aos sentidos e de grande apelo expressivo. Focado na família mais aguda dos saxes – toca aqui soprano e sopranino , Sjöström trava verdadeiras batalhas com Rodrigues, mas sempre em uma disputa que visa a unicidade e, daí, o surgimento de temas de complexidade elevada, mas atraentes à escuta. Há peças em que a voz mais enérgica e cortante do duo sobressai, como III e X; e há outras em que temos a oportunidade de vê-los em voltagem mais relaxada, como em VI e XIII. Dentre as várias pequenas peças que nos levam de um extremo a outro, há o tema central, XI, que traz quase oito minutos e funciona bem como uma maneira de vermos o diálogo do duo se desenvolvendo de forma mais ampla e variada. De uma possibilidade expressiva a outra, a multiplicidade de ideias de dois músicos em sintonia perfeita.  






Baikamo  *****
Satoko Fujii / Taysuya Yoshida
Libra Records

A sempre brilhante pianista japonesa Satoko Fujii encerra o ano com este intenso lançamento. Baikamo registra Fujii em duo com o baterista Taysuya Yoshida (parceria chamada de Toh-Kichi), em uma sessão formada por 16 temas, curtos e centrados, indo de um a cinco minutos. Yoshida (mais conhecido pelo seu duo "Ruins") é um antigo parceiro da pianista, tendo gravado em algumas oportunidades com seu quarteto. Em duo, os dois artistas lançaram anteriormente "Toh-Kichi" (2002) e "Erans" (2004) e a longa distância entre esses e o atual título deve ter deixado-os com fome: o novo encontro é vibrante e urgente. Fujii conta no release que os dois tocaram esporadicamente nesses anos e que se reuniram novamente de fato a convite de um produtor para uma apresentação em Hiroshima. A partir daí, resolveram trabalhar em novos temas, que se transformariam neste álbum. "Gidvbadhopen" inicia o trabalho de forma explosiva, com piano e percussão aceleradíssimos em um tema quente de pouco mais de um minuto. "Rolling Down", na sequência, é mais trabalhada, trazendo até certo swing. Já a impactante faixa-título começa com a percussão solitária, preparando terreno para a entrada de Fujii, que desenvolve aqui seu solo mais intrigante; as paradas/quebras das teclas em seus primeiros minutos são atordoantes. Lá no fim surge "Ice Age", em que podemos apreciar a face mais exploratória do duo, com climas fantasmagóricos, ruídos pontilhistas e vocalizações inebriantes. Muito bem realizado, Baikamo  é um álbum em que Satoko Fujii e Taysuya Yoshida apresentam todo seu arsenal, em um diálogo de impressionante vitalidade.
   







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*quem assina:

Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com publicações como Entre Livros, Zumbido e a portuguesa Jazz.pt. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records), e “Live in Nuremberg”, de Perelman e Matthew Shipp (SMP Records)