LIVROs Acaba de ser editado em
Portugal o livro Improvisando: A nova geração do jazz português, uma boa
introdução a destacados nomes da cena atual...
Por Fabricio Vieira
Quem acompanha o FreeForm, FreeJazz tem tido a oportunidade de
periodicamente se deparar com informações sobre a cena jazzística de Portugal.
Sempre que possível, trazemos novidades sobre discos e artistas do país,
tentando ajudar a despertar o interesse do público brasileiro (e de produtores
e curadores também, por que não?) para a música feita pelos nossos irmãos
além-mar. Ainda tivemos poucas oportunidades de ver artistas lusitanos do
universo do jazz e da improvisação livre por aqui, a destacar a vinda de
Rodrigo Amado e Gabriel Ferrandini, em 2013, da cantora Sara Serpa (2011) e de
Jorge Nuno e seu Signs of the Silhouette. Mais recentemente, houve também a
impactante presença da trompetista Susana Santos Silva, em 2018, como convidada
do trio de Fred Frith. Muito pouco para sentirmos de perto o que tem sido feito em
um país que tem se firmado como um dos polos mais ativos da música livre
contemporânea.
Para aqueles que desejam adentrar um pouco mais a cena portuguesa,
chega agora o livro “Improvisando: A nova geração do jazz português”. De
autoria do crítico português Nuno Catarino, que comanda o pioneiro blog A Forma do Jazz, o livro traz entrevistas com 14 nomes da nova geração,
apresentando e destacando músicos que têm ajudado o país ter uma das mais
excitantes cenas atuais – a saber: Pedro Melo Alves, Sara Serpa, Gabriel
Ferrandini, Ricardo Toscano, Susana Santos Silva, João Hasselberg, André
Santos, Rita Maria, Desidério Lázaro, Pedro Branco, João Barradas, Luís
Figueiredo, César Cardoso e João Mortágua. Para cada entrevista, foi feito um
ensaio fotográfico, assinados pela coautora Márcia Lessa. O livro é uma edição
do Hot Clube de Portugal.
Nuno Catarino falou com o FreeForm, FreeJazz sobre o livro que está
lançando e a intensa cena jazzística portuguesa.
Como foi feita a seleção dos músicos entrevistados para o livro? Houve uma
preocupação em buscar representantes de diferentes vertentes do jazz?
Nuno Catarino: “Uma vez que tínhamos de selecionar um número limitado
de músicos, tentámos que os músicos fossem representativos da cena portuguesa a
vários níveis: tentámos reunir músicos oriundos de diferentes cidades, de
diferentes instrumentos e diferentes estilos. Para nós, essa
representatividade foi muito importante, embora seja sempre um trabalho
incompleto, uma vez que existem muitos outros músicos, igualmente
criativos e com muita qualidade, que poderiam ter entrado e ficaram de fora.”
Lançamento do livro no Hot Clube (Lisboa) |
Como surgiu a parceria com a fotógrafa Márcia Lessa? Vocês já trabalharam em outros projetos juntos?
NC: “A parceria nasceu no ano de 2006, conhecemo-nos quando eu fiz uma
entrevista ao contrabaixista Charlie Haden, quando ele foi tocar com a
Liberation Music Orchestra na cidade de Guimarães, e a Márcia foi a fotógrafa
destacada para acompanhar a entrevista. Desde então mantivemos o contacto
e fizemos vários trabalhos em parceria, primeiro reportagens de concertos, depois
começámos a fazer entrevistas.”
A cena jazzística contemporânea de Portugal é muito intensa e variada.
Acha que essa cena está em seu melhor momento? Houve outros períodos em que o
jazz português mostrou tamanha vitalidade?
NC: “Comecei a acompanhar a cena jazz portuguesa com mais atenção desde
o início do século XXI e, apesar de sempre terem existido músicos
interessantes, nunca vi tantos e tão bons músicos como existem neste momento.
Estamos a viver um período muito rico, com muita qualidade, sobretudo por causa
destes músicos mais jovens, que exibem muita qualidade técnica e originalidade,
e exploram estéticas muito diversas.”
O que faz Portugal ter hoje essa cena tão intensa? Há muitas
escolas que ensinam jazz? E os espaços para os músicos se apresentarem, são
suficientes?
NC: “O aparecimento de tantos músicos jovens com qualidade nos
últimos é o resultado natural da melhoria do ensino de jazz e do
aparecimento de cursos de ensino superior de jazz, que até há poucos anos não
existiam. Uma característica que muitos músicos partilham é que têm aprofundado
os estudos fora de Portugal, não só nos Estados Unidos (que até há poucos
anos era um destino quase exclusivo), mas agora também noutras cidades
europeias, como Amesterdão e Copenhaga. Apesar de estarem a aparecer muitos
músicos, os espaços para os músicos se apresentarem ao vivo são
limitados, o mercado do jazz é limitado e infelizmente não há salas para
todos se mostrarem.”
Fotos: Mônica Sousa
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Tenho uma percepção, não sei se correta, de que o jazz português tem
recebido uma grande atenção no exterior, especialmente na Europa, com músicos
tocando constantemente em festivais e palcos em outros países e lançando discos
por gravadoras destacadas. Essa impressão é exagerada ou a música feita em
Portugal realmente já foi descoberta fora de suas fronteiras?
NC: “Num país como Portugal, um país de pequena dimensão que fica
situado no extremo ocidental da Europa, geograficamente afastado das capitais da Europa central, por vezes o talento e criatividade dos músicos não chega, é
importante que existam estruturas que ajudem a ultrapassar fronteiras. Julgo
que essa internacionalização tem sido sobretudo empurrada pela editora Clean
Feed, que tem sido uma força fundamental para o jazz português ter mais
visibilidade. Pelo menos foi importante a apoiar numa primeira fase, a abrir as
portas e a revelar alguns músicos, e continua hoje em dia a mostrar diversos
músicos portugueses ao mundo (além do seu extenso catálogo internacional).”
Infelizmente poucos músicos de jazz de Portugal já tocaram no Brasil.
Dos que estão destacados no livro, me lembro de ter visto por aqui apenas Sara
Serpa, Gabriel Ferrandini e Susana Santos Silva (e esta veio como convidada do
trio de Fred Frith). O que falta para termos um intercâmbio mais intenso de
músicos de Brasil e Portugal?
NC: “O inverso também acontece, também são poucos os músicos
brasileiros que têm tocado em Portugal – recentemente tocaram o Amaro
Freitas e o Esdras Nogueira, mas são exceções. Infelizmente em Portugal
conhecemos pouco da cena jazz e da música improvisada brasileira – com pena,
porque pessoalmente tenho uma especial ligação emocional ao Brasil. Gostava que
os músicos portugueses tivessem mais curiosidade pela música no Brasil e
gostava também de ver mais músicos brasileiros a tocar em Portugal e com
músicos portugueses, acho que se poderiam encontrar muitas afinidades e destas
conexões poderiam resultar músicas muito interessantes e originais.”
Tem planos de traduzir o “Improvisando: A nova geração do jazz
português”? Não acha que seria interessante levar estas entrevistas a leitores
de outros idiomas?
NC: “Uma vez que este trabalho se foca unicamente na cena portuguesa,
provavelmente interessará apenas a leitores portugueses, por isso não fizemos
planos de traduzir o livro. Mas se surgir essa possibilidade, será muito bem vinda
e iremos abraçar essa ideia. Ficaríamos muito contentes se este trabalho
pudesse ajudar a divulgar esta geração de músicos portugueses e contribuir para
a sua internacionalização.”
Para quem ainda não conhece o jazz português, quais os cinco discos que
indicaria como uma boa síntese e apresentação desta cena?
NC: “Estas escolhas são sempre difíceis, porque têm de ficar muitos de
fora, mas aqui ficam cinco discos de músicos que entram no livro: Susana Santos
Silva - "Impermanence" (Porta-Jazz, 2015); Pedro Melo Alves -
"Omniae Ensemble" (Nischo, 2017); Ricardo Toscano - "Ricardo
Toscano Quartet" (Clean Feed, 2018); Sara Serpa - Close Up (Clean Feed,
2018); Gabriel Ferrandini - "Volúpias" (Clean Feed, 2019).”