ENTREVISTA A saxofonista dinamarquesa Mette Rasmussen, que se apresenta pela primeira vez no Brasil, conversou com o FreeForm, FreeJazz...
Por Fabricio Vieira
A Escandinávia conta com uma incrível geração de mulheres saxofonistas:
Anna Högberg, Elin Larsson, Laura Toxvaerd, Mette Henriette, Nana Pi Aabo Larsen, Mathilde Grooss
Viddal, Malin Wättring, além, claro, da pioneira Lotte Anker. E dentre tantos
nomes, tem chamado atenção especial nos últimos anos a dinamarquesa Mette
Rasmussen. Radicada na Noruega, Rasmussen iniciou sua trajetória pouco mais de
uma década atrás, tendo no trio “Saft” o primeiro grupo seu do qual encontramos
registros, com o álbum “Thirteen”, de 2008. Depois a saxofonista apareceria com
um outro grupo, o Trio Riot, que deixou um disco homônimo, editado em 2014,
pelo caminho. E é a partir daí que a carreira de Rasmussen ganha outro ritmo.
Suas parcerias e apresentações mundo afora foram crescendo exponencialmente nos últimos anos, com o nome da saxofonista aparecendo hoje em
cerca de 20 álbuns. A partir de “All The Ghosts At Once” (2015), duo com o
baterista norte-americano Chris Corsano, parece que o nome de Rasmussen
adentrou outra etapa artística, com crítica e ouvintes passando a acompanhar
seu trabalho bem de perto. Focada no sax alto, Rasmussen tem desenvolvido uma
instigante obra na qual vale destacar os diferentes duos (com Corsano, Tashi
Dorji, Julien Desprez...), o quarteto Hearth (com Kaja Draksler, Ada Rave e
Susana Santos Silva) e seu trabalho solista. Se preparando para tocar pela
primeira vez no Brasil, onde se apresentará em São Paulo, durante o festival
IMPRÔ, e no Rio de Janeiro, no Audio Rebel, Mette Rasmussen conversou com o
FreeForm, FreeJazz.
FreeForm: Você tem uma sonoridade muito particular. Como seu som evoluiu? Você estudou sax formalmente? Descobriu muitas coisas com a prática mesmo?
(Photo: Peter Gannushkin) |
Mette Rasmussen: “Eu estudei bastante, sim. Em escolas e no
conservatório. E tive aulas particulares também. Todo um caldeirão de diferentes
componentes, que me levou a tocar como toco hoje. Eu acho que a verdadeira
mudança veio quando comecei a fazer muitas turnês, tocando com diferentes
bandas e line-ups, e fazendo shows noite após noite, onde minha embocadura se
desenvolveu, muito porque isso era necessário. Também gosto muito de praticar
por conta própria, bem como mexer com coisas novas, quando tenho tempo. Levo
alguns livros comigo para praticar durante as turnês, para estudar quando o
local e o tempo permitem. Eu pratiquei muito, especialmente logo após terminar os
estudos. Parece que foi tudo o que fiz por um ou dois anos, muitas horas por
dia. Trabalhando o som, a técnica. Gastei muitas horas, e ainda faço isso, com
notas longas e harmônicos. O Santo Graal do som.”
Esta é a primeira vez que tocará no Brasil, onde tem agendadas uma apresentação solo e outras duas com artistas brasileiras (Rakta e Bella). Quais as expectativas para essa turnê?
MR: “Isso será extremamente emocionante, eu realmente não sei o que
esperar, além de estar verdadeiramente ansiosa. Mas muitas vezes acho que não saber, é
quando as coisas mais emocionantes acontecem, no encontro com o inesperado.
Nesse ponto, todos seus sentidos estão completamente abertos e há menos, ou
mesmo nenhuma, expectativa. E muitas vezes novas impressões se tornam
extremamente fortes. Estou ansiosa para tocar pela primeira vez com a Rakta e a
Bella. E por estar no Rio também, tocando solo no Audio Rebel e gravando com
músicos locais. Eu estive no Rio há muitos anos, estudando samba por algumas
semanas. Mas isso faz muito tempo.”
Desde suas primeiras gravações, com o Saft e o Trio Riot, vemos você
trabalhando com free impro/free jazz. Em sua vida musical, a free music sempre
esteve presente? Ou seu envolvimento com a música começou via outros gêneros?
MR: “Eu não cresci em um ambiente musical, além de cantar junto com
minha irmã e minha mãe com o rádio, então, de certa forma, a música estava
presente na minha infância. Para descobrir coisas, fui até a biblioteca local e
procurei a seção de jazz, onde encontraria minhas primeiras influências. O
primeiro disco de jazz que coloquei para tocar foi do Keith Jarrett,
Expectations. No Saft, trabalhamos com modulação métrica e, tanto no Saft
quanto no Trio Riot, explorávamos material composto anteriormente como um catalisador
para a improvisação ou o entorno disso.”
Você tocou com diferentes veteranos do free jazz, mas gostaria
que falasse especificamente de dois: Paul Flaherty e Alan Silva. Como essas parcerias aconteceram?
MR: “É maravilhoso ouvir esses nomes na mesma frase, seria ótimo escutar os dois tocando juntos. Com Paul, fiz uma turnê nos Estados Unidos em julho,
em trio com Chris Corsano e com Zach Rowden se juntando a nós no último show, formando
um quarteto. Esta foi apenas a segunda vez que tocamos juntos, eu e Paul. Mas
mantivemos contato ao longo desses anos. Eu acho que tocar junto com o Paul
trouxe um novo lirismo para nós dois. Isso aconteceu instantaneamente. O modo
como as linhas se desdobram, sem muito esforço. Mas também, pela segunda vez,
exploramos ainda mais o poder dos dois sopros juntos, adentrando momentos ásperos
e desalinhados. Faz algum tempo que toquei com o Alan, mas a turnê que fiz com ele no
passado foi extremamente perspicaz e intensa em todos sentidos, a música foi envolvente
e viva, assim como o Alan, Alan sempre tem mais energia do que o resto inteiro
da sala, em cima e fora do palco.”
Chris Corsano tem sido um importante parceiro seu. Como se encontraram e começaram a trabalhar juntos?
MR: “Nos encontramos pela primeira vez em Oslo, tocando no mesmo evento.
Depois disso, eu estava em Nova York, onde deveríamos fazer uma sessão, mas
acabamos tocando em um show. Kevin Reilly, do selo Relative Pitch, estava
naquele show e sugeriu que fizéssemos um disco, o que acabou acontecendo. Isso
foi meio que o começo, em 2013. Desde então, fizemos turnês principalmente na
Europa, mas também no Japão, Canadá, EUA e, mais recentemente, na semana
passada, na Escandinávia.”
Sua discografia conta predominantemente com projetos em duo e trio.
Prefere os formatos menores? O que muda quando você toca com uma big band, como
no caso da Fire! Orchestra?
MR: “Eu gosto de formatos menores, mas não vejo isso como uma
preferência. Tenho meu próprio quinteto, composto por dois bateristas e dois
baixistas. Eu acho... tenho muito a dizer, e gosto da liberdade que os formatos
menores permitem. Grupos maiores, quando são bons, transmitem um sentimento íntimo,
de comunidade, o que é poderoso. Como acontece com a Fire! Orchestra, todo
mundo formava uma família durante algum tempo, e todos tinham uma grande paixão
pela música que saiu daquela formação. Então, teve esse forte sentimento de
comunidade, de que você fazia parte de algo maior, quase como um movimento.”
Quais foram os grandes momentos de virada em sua carreira nos últimos
dez anos?
MR: “Definitivamente, viajar tanto quanto tenho feito. Até agora, tem
sido uma lição de vida estar na estrada tanto assim. É um trabalho árduo, viver
a maior parte do ano fora com uma mala. Mas experimento a música em
desenvolvimento em tempo real. Funcionando como 'flesh and blood'...”
Que tipo de música prefere ouvir quando está em casa?
MR: “Oh, difícil, eu ouço muita música em casa, tudo muito variado. Logo antes de partir para o Brasil, o disco solo de Marisa Anderson
estava tocando, e uma gravação de música popular japonesa.”
Com quais projetos está envolvida no momento e o que vem pela frente?
MR: “Logo após a passagem pelo Brasil, estarei tocando um projeto com a
The Trondheim Jazzorchestra, Ole Morten Vagan e Cory Smythe, em Trondheim
(Noruega). E depois disso, na estrada com a MoE, a banda da baixista norueguesa
Guro Moe. Mais à frente, em outubro, estarei na Cracóvia (Polônia) com o Ken
Vandermark’s Entr’acte Ensemble. Em novembro, haverá muitos festivais, como o
Wels Unlimited, com o Special Quartet do Joe McPhee, e o Berlin Jazzfest, com
Julien Desprez e o T(R)OPIC Ensemble, de Rob Mazurek. Haverá alguma folga (e
depois), o The Hatch (duo com Desprez) e um duo com a Sofia Jernberg e, no
final de novembro, uma turnê de sax solo, de 10 dias, abrindo para o canadense
Godspeed You! Black Emperor, na Europa e na Rússia. Estou muito ansiosa com tudo
isso!”
*METTE RASMUSSEN no Brasil*
Quando: 12/9, às 20h (solo)
Onde: Audio Rebel (RJ)
Onde: Audio Rebel (RJ)
Quanto: R$ 25
Quando: 13/9, às 21h (com Bella)
Onde: Estúdio Bixiga / IMPRÔ (SP)
Quando: 13/9, às 21h (com Bella)
Onde: Estúdio Bixiga / IMPRÔ (SP)
Quanto: R$ 20
Quando: 14/9, às 22h (com Rakta)
Onde: Estúdio Bixiga / IMPRÔ (SP)
Onde: Estúdio Bixiga / IMPRÔ (SP)
Quanto: R$ 20
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e
Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos;
foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com
publicações como Entre Livros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre
livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de
Ivo Perelman (Leo Records)