ENTREVISTA O percussionista
Gerry Hemingway, que toca em diferentes cidades do Brasil neste mês, conversou
com o FreeForm, FreeJazz...
Por Fabricio Vieira
Com mais de quatro décadas de vida musical, o percussionista e
compositor norte-americano Gerry Hemingway, nascido em 1955 em New Haven, tem
uma discografia com dezenas de álbuns e colaborações com muitos destacados
nomes da free music, como Marilyn Crispell, Anthony Davis, Cecil Taylor, Ernst
Reijseger, Mark Dresser, Michael Moore, John Butcher e, especialmente, Anthony
Braxton. Tendo comandado vários projetos em sua longa trajetória, é importante
destacar os trabalhos com seu Quartet e Quintet, além do trio BassDrumBone, que
mantém em atividade desde o fim dos anos 80 ao lado de Mark Helias e Ray
Anderson. Há ainda um outro ponto de relevo, seu trabalho solo, onde explora tanto
sua bateria como só partes dela (como o cymbal), além do especial capítulo
representado pela sua música eletroacústica – e Hemingway também é um
habilidoso vibrafonista. Vivendo na Suíça há uma década, foi lá que conheceu o
trombonista local Samuel Blaser, com quem mantém um duo e se apresentará no
Brasil pela primeira vez – eles editaram no ano passado o inspirado álbum
"Oostum" (NoBusiness Records). Antes de embarcar para o país, onde
tem apresentações agendadas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto
Alegre, em turnê organizada pelas produtoras Desmonta e Artéria, Hemingway falou
com o FreeForm, FreeJazz.
Como sua trajetória como baterista começou? O sr. pode nos falar sobre
sua relação com a bateria, a descoberta do instrumento, as primeiras gigs...
Photo: Dragan Tasic |
"Comecei a tocar profissionalmente em 1972. E comecei a tocar
bateria em 1965. Desde o início, antes mesmo de passar a ganhar a vida como
músico, eu tocava explorando o que vinha daquilo que sentia e amava. Lá atrás, eu
podia não ter grande conhecimento sobre a técnica do instrumento, mas
compreendi como direcionar o que sentia para o que eu podia fazer. Em certos
aspectos, isso é algo que não mudou, mas certamente se refinou ao longo desses
muitos anos. New Haven em 1972 tinha uma comunidade musical vibrante com a qual
eu me conectei, incluindo o pianista Anthony Davis, Wadada Leo Smith, George
Lewis e logo depois Mark Helias e Mark Dresser. Meus primeiros shows foram com
Anthony Davis, chegamos a formar um
grupo, que era uma espécie de coletivo (todos escrevíamos peças para ele),
chamado Advent."
Qual a primeira gravação em que apareceu e quando começou a montar seus grupos e assumir o
papel de líder?
"Meu primeiro registro já é uma gravação própria, “Kwambe” (78),
na Auricle Records (que também era minha gravadora). Inspirado por músicos que
me cercavam à época, particularmente Anthony Davis e Wadada Leo Smith, eu
estava interessado em composição, e isso me levou a organizar meus próprios
shows e liderar um grupo e esta primeira gravação."
Seu trabalho com o quarteto do Anthony Braxton é um importante capítulo
em sua trajetória. Quando encontrou Braxton e como ele influenciou sua
música?
"Quando os músicos da AACM retornaram de Paris no início dos anos
70, Wadada Leo Smith se estabeleceu perto de New Haven, CT, e foi assim que o
conheci. Eu conheci Anthony Braxton nesse tempo, ele eventualmente visitava
Wadada em New Haven (ele vivia na época em Woodstock, NY, a aproximadamente duas
horas de distância). Às vezes havia ensaios do Experimental Ensemble, em que
Anthony participava com nossa crescente comunidade. Ele me convidou para o seu
quarteto em 1983 e tocamos juntos nesse contexto por onze anos. Sua influência é multifacetada. Não está limitada à música. Ele é um
ser humano notável e uma grande inspiração para o esforço criativo de uma vida de
artista. O quarteto era uma família e cada um de nós contribuiu muito para o
que fez do grupo um marco na progressão do pensamento e das possibilidades
musicais."
O sr. tocou com o saxofonista brasileiro Ivo Perelman em diferentes
oportunidades. Como foram essas colaborações?
"O que eu mais admiro no Ivo é sua sede por experimentação e
inovação. Lembro-me de uma sessão de gravação em que ele apareceu com um
saxofone sem chaves, controlado apenas por meio da palheta e da embocadura. Eu adoro
sua coragem para explorar o desconhecido. Ainda há várias gravações (com ele) que,
até onde sei, não foram lançadas, mas as que estão disponíveis mostram uma
grande variedade de ousadias musicais."
O sr. é tanto improvisador quanto compositor. Quando compõe, alcança
coisas que não consegue quando improvisa?
Photo: Gunnar Holmberg |
"Estes termos, improvisador e compositor, não são, na minha
opinião, separáveis, mas parte um do outro. Quando estou
improvisando, há um aspecto das decisões que tomo que vem das minhas habilidades
acumuladas como compositor. Como compositor, muitas vezes dependo do meu
pensamento intuitivo e faço escolhas que se assemelham ao processo de improvisação.
Estou interessado em ambos da mesma forma e também na integração da estrutura
formal e do conteúdo com a improvisação. Eu não acho que realmente importa qual
metodologia alguém emprega para criar música, o que importa é atingir um
resultado que consiga realizar com sucesso a música que se tenta criar."
Na sua obra, encontramos também
trabalhos eletroacústicos. Como surgiu seu interesse nessa seara?
"Desde que eu tinha dez anos me encantei e me envolvi com a
música eletroacústica, ou talvez pudéssemos dizer 'música que usa uma variedade
de técnicas que dependem da eletricidade para alterar as propriedades do som'.
Isto desempenhou um papel importante em meus projetos de composição, talvez
mais substancialmente em meu trabalho solo, onde pode servir como uma extensão
orquestral da minha paleta sonoro-expressiva. Estou muito interessado em criar
ilusões entre o som (emitido) e a acústica e também nas opções de
espacialização."
Este é um caminho para a evolução do jazz como música criativa?
"Bem, eu não acho que a música eletrônica seja mais criativa do
que qualquer outra forma de fazer música. Há também certamente uma grande
quantidade de péssima música eletrônica. As ferramentas disponíveis hoje em dia
tornam o acesso à música eletrônica tão imediato que muitos não entendem esse processo como se tivessem que aprender um instrumento
acústico. Com o computador como uma ferramenta central, há também uma espécie
de desfoque na nossa percepção do que o computador faz por nós diariamente,
esperamos que o computador tome decisões... O jazz, de qualquer forma, é um
complexo de muitas vias nos dias atuais. Sua evolução e os meios eletrônicos
fazem parte dessa discussão."
Quais suas referências e influências na música eletrônica?
"Na maior parte do tempo, continuo fazendo descobertas nas
primeiras escolas concretas, Mimaroglu, Schaeffer, Maderna, Parmegiani. Também
tenho um querido amigo que me influenciou muito, Earl Howard, que acredito
estar fazendo algo verdadeiramente inovador – ele tem realizado um árduo trabalho
de se aprofundar nas sérias possibilidades que uma máquina pode oferecer –, sua
ferramenta principal é o Kurzweil. E uma gravação recente que me agradou muito
é 'Soft Channel', do Giant Claw."
Vamos falar sobre seu duo com Samuel Blaser, com quem tocará no Brasil.
Quando esta parceria teve início?
"Pouco depois de eu me mudar para a Suíça, em 2009, acho que no
começo de 2010. Ele estava na época trabalhando com o Paul Motian (1931-2011) e
o Consort in Time, e essa era uma cadeira que eu muitas vezes ocupava quando o
Paul não podia fazer uma turnê naquele período. Samuel é um músico renomado e
aberto a muitas formas de pensamento musical. Quando o conheci, ele ainda
estava fazendo a transição de seu antigo treinamento (clássico e jazz), à procura
de um caminho próprio. Cada vez mais ele foi ficando aberto à improvisação, e isso
em particular nos levou à nossa dupla, que começou há uns seis ou sete anos."
Esta é a primeira vez que tocará no Brasil. Quais suas expectativas
para a turnê?
"Fui sondado para ir ao Brasil em diferentes ocasiões, com outros
projetos, uma vez com o Ivo Perelman, mas nenhuma dessas tentativas se
concretizou. Então demorou muito, mas finalmente terei a oportunidade de tocar
e colocar o pé na imensa e profunda cultura do Brasil. Eu não tenho
expectativas em particular, apenas curiosidade."
Photo: Nuno Martins |
"Está mais diversificado, as mulheres estão mais presentes, o que
é algo bom. Eu tenho sentido onde toco que as pessoas estão reconhecendo o
valor de se experimentar a improvisação. Uma espécie de antídoto para o mundo
virtual, talvez. Economicamente e cotidianamente existem desafios significativos
para muitos de nós, os recursos destinados à cultura diminuíram, o que
significa que as oportunidades para as pessoas ouvirem essa música são
limitadas. A internet preenche uma lacuna, mas não coloca comida na mesa dos
artistas. Então, como artista, nossos recursos criativos estão frequentemente
envolvidos em como sobreviver e, de alguma forma, progredir."
O que vem agora para Gerry Hemingway? Discos, novos projetos...
"Eu vou retomar o projeto "Songwriting". Será um pouco
diferente do meu primeiro passeio nessa seara, em 2000 (“Songs”, editado pelo
Between the Lines), desta vez eu vou cantar. Tenho trabalhado no
desenvolvimento das minhas habilidades vocais já há algum tempo e feito estudos
sobre os compositores que admiro, ocasionalmente fazendo minhas versões para canções
que gosto, a fim de aprofundar o que busco liricamente, vocalmente e com a
maneira que vou compor e produzir."
Muito obrigado pela entrevista.
"Obrigado pelo interesse."
*GERRY HEMINGWAY / SAMUEL BLASER Duo*
Quando: 18/4 (qui), às 20h
Onde: Audio Rebel (Rio)
Onde: Audio Rebel (Rio)
Quanto: R$ 20
Quando: 20/4 (sab), às 21h
Onde: Clube do Choro (Brasília)
Onde: Clube do Choro (Brasília)
Quanto: R$ 40
Quando: 22/4 (seg), às 20h
Onde: Instituto Ling (Porto Alegre)
Onde: Instituto Ling (Porto Alegre)
Quanto: R$ 50
Quando: 24/4 (qua), às 20h30
Onde: Sesc Pinheiros (SP)
Quanto: R$ 25 (inteira)
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e
Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos;
foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com
publicações como EntreLivros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre
livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de
Ivo Perelman (Leo Records)