LANÇAMENTOS O pianista Matthew
Shipp inicia 2019 com o lançamento de dois novos títulos, ambos com o seu
brilhante trio e mais uma especialíssima convidada...
Por Fabricio Vieira
Dentre tantos projetos que conduziu e participou nos anos 2000, o
pianista Matthew Shipp tem mostrado especial apreço pelo formato de trio. Sua
relação com a agrupação piano-baixo-bateria não é nova: o primeiro registro que
fez assim ocorreu no início de sua carreira, mais precisamente em outubro de
1990, quando gravou “Circular Temple”. Mas o formato se tornou mesmo usual e
fundamental em sua obra na última década: desde 2009, publicou, contando os títulos
que agora saem, um total de oito álbuns em trio. Essa etapa começa com o
fantástico “Harmonic Disorder”, realizado ao lado de Joe Morris (baixo), Whit
Dickey (bateria). No próximo álbum,
“Elastic Aspects” (2012), Morris cedeu o lugar (ocupado até hoje) para Michael
Bisio. Já as baquetas trocariam de mãos em “The Conduct of Jazz” (2015), com
Dickey sendo substituído por Newman Taylor Baker. É com esses parceiros – Bisio
e Baker – que Shipp estreia sua lista de lançamentos de 2019, com dois novos
títulos. Infelizmente o Matthew Shipp Trio ainda não veio tocar no Brasil,
mesmo tendo estado tão perto, em Buenos Aires, em novembro de 2017... "The
piano trio is such a basic configuration in jazz, and it is an honor to take a
well-explored area and apply my imagination to it to see where we can go – it
helps that my trio mates are great", sintetiza Shipp.
O primeiro registro do Matthew Shipp Trio que chega às lojas é Signature.
Gravação realizada em 9 de julho de 2018 no Park West Studio, no Brooklyn (NY),
Signature traz dez temas com durações bastante variadas, dos 49 segundos de
“Deep to Deep” aos 16 minutos de “This Matrix”, com Shipp, Bisio e Baker
podendo mostrar a amplitude de sua criação. O disco começa com a serena
faixa-título, com o piano explorando linhas melódicas de delicada fatura e a
percussão sutilmente montando uma estrutura pela qual as teclas deslizam, com o
baixo acompanhando mais ao longe. O tom do piano muda completamente em
"Flying Saucer", em que Shipp adentra campos mais robustos,
inicialmente soturnos até, respondidos com um vigor percussivo mais direto,
sempre sendo atacado pelo cada vez mais ligeiro deslizar dos dedos nas teclas:
é o tipo de peça que sintetiza bem a estética do trio ("Zo 2" é outra
que traz traços similares). "Stage Ten" oferece mais grandes momentos.
Movida por uma pegada bastante swingante conduzida por Baker, aqui Shipp explora
linhas fraturadas e sonoridades incomuns, entrando e saindo, como que cortando
a lógica narrativa que emana das baquetas. O álbum encerra com a extensa “This
Matrix” (16m24, tamanho incomum para o grupo), que mostra o trio explorando amplamente
as possibilidades estéticas que marcam esta faceta tão bem catalogada da obra
de Shipp.
All Things Are apresenta um universo distinto. Temos aqui o encontro
inédito com a cultuada flautista Nicole Mitchell, que aconteceu em 7 de agosto
de 2018, também no Park West Studio, sob os cuidados de Jim Clouse. “Elements”,
a primeira das nove faixas retiradas daquela sessão, já mergulha os ouvintes no
inebriante lirismo do quarteto. “It” abre de forma arrepiante, apenas a flauta
em cena, com baixo e percussão surgindo de forma pontilhista, crescendo com
vagar, com o baixo entrando em verdadeiro diálogo com o sopro apenas lá pela
metade da peça. O piano assume o protagonismo na sequência, em “Hidden
Essence”, onde podemos apreciar Shipp desacompanhado, solando como só ele faz.
“Void of Ground” vem depois com um pulso contagiante, em que a percussão
swingante de Baker é cortada pelos toques encantatoriamente repetitivos do
piano, enquanto a flauta sola de forma arrebatadora – um dos momentos mais
contagiantes do disco. A química demonstrada no álbum é tão perfeita que é
difícil acreditar que apenas agora Shipp e Mitchell decidiram trabalhar juntos:
que venham muitos mais rebentos! No próximo dia 15 de maio, o grupo que gravou
“All Things Are“ se apresentará no The Stone (NY), sendo uma imperdível oportunidade
para, aos que puderem, ver esse mágico encontro ao vivo.
Signature ****(*)
Matthew Shipp Trio
ESP-Disk
All Things Are *****
Matthew Shipp Trio & Nicole Mitchell
Rogue Art
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e
Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos;
foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Colaborou também com
publicações como EntreLivros, Zumbido e Jazz.pt. Atualmente escreve sobre
livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns
“Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de
Ivo Perelman (Leo Records)