CRÍTICAs O grande
trompetista Wadada Leo Smith mantém seu forte ritmo de lançamentos, em meio a projetos
múltiplos, e nos oferece mais alguns exemplares de sua inconfundível e genial música...
Por Fabricio Vieira
A história de Wadada Leo Smith com a free music data de muito.
Tendo iniciado sua trajetória ainda no final dos anos 1960, o trompetista, de 75
anos, com dezenas de álbuns editados em meio a projetos múltiplos, é um nome
central da cena contemporânea. Vale dizer que Wadada, mesmo tendo importantes
capítulos de sua carreira espalhados pelas cerca de cinco décadas em que toca, atingiu
seu ápice nos anos 2000. Com uma sequência de registros sublimes neste século,
seu trabalho recebeu atenção ampla e reconhecimento como nunca, tendo, por exemplo,
sido finalista do Prêmio Pulitzer em 2013 (com o disco “Ten Freedom Summers”) e
vencedor de três categorias (jazz artist, trumpet, jazz album) na tradicional
votação anual da DownBeat de 2017.
Já tivemos a oportunidade de ver Mr. Smith em ação mais de uma vez no Brasil.
Sua mais recente passagem pelo país foi no Jazz na Fábrica de 2014, quando
apresentou um excitante projeto ao lado de HPrizm (do Anti Pop Consortium). Mas
o grande momento para o público brasileiro apreciar o trabalho de Wadada Leo
Smith se deu em 2012, quando fez três concertos no Sesc Vila Mariana, em que
apresentou “Ten Freedom Summers” na íntegra. Momento único.
Sua vasta discografia segue ganhando capítulos de destaque,
como atestam seus mais recentes lançamentos. Da última safra, lugar destacado
ocupa o novo álbum solista Reflections and Meditations on Monk. Editado pelo
selo finlandês TUM Records, o álbum traz 8 temas, intercalando criações
clássicas de Thelonious Monk (Round Midnight, Ruby, my Dear, Crepuscule with
Nellie) com novas composições do trompetista. Esse mix é muito homogêneo, com o
músico alinhando suas sonoridades às do homenageado, com seu particularíssimo toque,
em um registro lírico e profundo, em que dialoga com o legado de Monk em
improvisações repletas de espaços silenciosos que criam uma atmosfera inebriante.
O registro foi realizado em Helsinki, em sessões em novembro de 2014 e agosto
de 2015. Wadada tem outros importantes títulos solistas em sua discografia,
como “Creative Music” (72) e “Kulture Jazz” (93), mas este Reflections and
Meditations on Monk sem dúvida já ocupa um lugar especial. Clichê a parte,
música para ser ouvida acompanhada por um bom uísque em uma fria noite.
Também lançado pelo TUM Records, Najwa traz uma exploração
completamente diversa. A começar pela ampla e inusual formação em octeto, que
conta com Henry Kaiser, Michael Gregory Jackson, Brandon Ross e Lamar Smith nas
guitarras; Bill Laswell no baixo elétrico; Adam Rudolph na percussão; e
Pheeroan akLaff na bateria. Wadada aqui também presta homenagens, sendo uma peça
dedicada/ligada a cada um dos artistas destacados: Ornette Coleman, John
Coltrane, Billie Holiday e Ronald Shannon Jackson. A grande marca diferencial na
sonoridade de Najwa, captado em 6 e 7 de março de 2014, é exatamente o uso das guitarras, que criam texturas ímpares, oscilando momentos mais quentes, outros
mais swingantes, remetendo por vezes a um ar fusion, mas sempre com uma
atmosfera contemporânea. São cinco os temas apresentados; com exceção da breve
(e hipnótica) faixa-título, as outras peças têm fôlego amplo, indo de 10 a 16
minutos, com os temas sendo desenvolvidos de maneira complexa. A primeira faixa
(com o longuíssimo título “Ornette Coleman’s Harmolodic Sonic Hierographic Forms:
a Ressonance Change in the Millenium”) explode logo após a breve introdução do
trompete, com o baixo e a bateria pulsantes sobre os quais guitarra e sopro
passeiam em diálogo free fusion empolgante pelos próximos minutos. Entre
oscilações para cima e para baixo, o tom só amorna mesmo, descendo a um modo mais
contemplativo, no último tema, dedicado a Lady Day.
No terceiro título recente de Mr. Smith, a formação volta a
mudar completamente. Em Aspiration, gravado exatamente um ano atrás, o músico
se une aos japoneses Satoko Fujii (piano), Natsuki Tamura (trompete) e Ikue
Mori (eletrônicos) para uma sessão de improvisação livre que se estende por seis
temas. Se Smith não é o protagonista aqui (a liderança do quarteto fica a cargo
de Satoko Fujii), dividindo inclusive o espaço com outro trompete, temos a
oportunidade de vê-lo em um outro modo, combinando ideias com parceiros e criando
mais focado no discurso-conjunto. Podemos ver sua voz em primeiro plano em
certos momentos, como na entrada solista na abertura de “Intent”, que logo recebe a adição do dedilhado de Fujii em um dos mais belos pontos do álbum. Ou em “Aspiration”,
com o trompete recortando a melodia do piano, enquanto os eletrônicos rasgam o
espaço. Já em “Evolution”, quem abre os trabalhos é Tamura, com Smith se juntando
em duo a ele depois. Um consistente registro de músicos que já experimentaram
todas as vias em suas trajetórias.
Solo: Reflections and Meditations on Monk *****
Wadada Leo Smith
TUM Records
TUM Records
Najwa ****(*)
Wadada Leo Smith
TUM Records
Wadada Leo Smith
TUM Records
Aspiration ****
Wadada Leo Smith/ Satoko Fujii/ Tamura/ Mori
Libra Records
Wadada Leo Smith/ Satoko Fujii/ Tamura/ Mori
Libra Records
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)