Play it again...






LANÇAMENTOS  Apanhado de novidades da free music.
Música criativa de diversos cantos, em múltiplas possibilidades.
Ouça, divulgue, compre os discos.



 
 

Por Fabricio Vieira



Mu’u  **** 
Todd Neufeld
Ruweh Records
O guitarrista Todd Neufeld, de Nova York, montou um conjunto de variedade muito interessante para este seu novo álbum (ao que parece, o primeiro como líder).  Neufeld, que tem gravações com músicos como Alexandra Grimal e Samuel Blaser, convocou para este Mu’u o baixo de Thomas Morgan e dois bateristas, Tyshawn Sorey e Billy Mintz – há ainda a participação da cantora Rema Hasumi em 4 das 9 composições exibidas. “Dynamics” abre o trabalho em modo mais contemplativo, como que Neufeld apresentando sua sonoridade aos ouvintes que ainda não a conhecem. “Echo’s Bones”, na sequência, tem outra pegada, com as congas de Mintz e a voz de Rema nos remetendo a uma atmosfera diversa. “C.G.F” já traz a guitarra novamente para o protagonismo, com um grande solo cheio de sutilezas recortadas pela intensidade percussiva, nos melhores momentos do disco. “Contraction”, a mais longa com seus 13 minutos, é bastante intrigante, com seus silêncios, intervenções vocais recitadas e um quase obscuro trombone tocado por Sorey. À sequência, “Novo Voce” e “Kira” colocam a voz em primeiro plano – de um modo geral, os temas puramente instrumentais acabam sendo os mais empolgantes e onde melhor se pode apreciar a guitarra de Neufeld.





II  ****
Kodian Trio
Trost Records
Neste segundo álbum do trio formado por Colin Webster (sax alto), Dirk Serries (guitarra) e Andrew Lisle (bateria), seis novas faixas são exploradas, metade em cada lado do vinil (edição limitada de 300 cópias). Com um free impro vigoroso e cheio de nuances, o Kodian Trio exibe formas amplas de investigar as vias improvisativas, indo de temas breves (3 min) a outros de extensão mais longa (até 11 min), sempre variando os enfoques. O tema mais extenso, que fecha o lado A, começa, por exemplo, em modo contido, com Lisle tocando as peles pontualmente, um som aqui, outro ali, sendo seguido primeiramente pelo sax, que destila notas espaçadas, até a entrada da guitarra ir esquentando as coisas, que já soltarão fagulhas lá pelos quatro minutos. Em outro extremo, o breve tema que abre o álbum já vem em modo alta voltagem desde o início. Um dos pontos elevados do conjunto (ao menos no que se refere ao sax) está no segundo tema exibido. Ali temos Webster em seu melhor, destilando um sopro enérgico e muito intenso, daqueles momentos que esquentam os ouvidos de pronto.     






Edith’s Problem   ****(*)
Simon Rose / Deniz Peters
Leo Records

Edith’s Problem é um intimista e inebriante duo protagonizado por Deniz Peters (piano) e Simon Rose (sax barítono e alto). São 7 temas, improvisos minimalistas marcados por silêncios, vazios repletos de sentido em que sax (destaque para o barítono) e piano pinçam sonoridades gotejantes que prendem os ouvidos com sua sutileza – exceção a “Resonance”, que traz maior vigor e aspereza, especialmente pelos ataques do sax alto. O título do álbum faz referência a ideias da filósofa Edith Stein (1891-1942), que aparecem na obra “O problema da empatia”. Aqui o que está em jogo é a empatia como ponto nevrálgico tanto da relação do duo (instrumento-instrumento) quanto da relação ouvinte-música, que faz com que uma cumplicidade nos leve a ouvir o disco repetidamente, descobrindo suas sutis camadas com vagar, em uma experiência surpreendente em vários pontos. Na estrada desde os anos 90, Rose está ligado à cena londrina, tendo como projeto mais conhecido o trio Bandland, que mantém ao lado do baixista Simon H. Fell. Já Peters vem do meio acadêmico, ligado à Universidade de Graz (Áustria), onde desenvolve pesquisas sobre estética musical e a obra de Alexander Scriabin. Um encontro que realmente vale ser descoberto.




Live in Moscow  ****
The Clarinet Trio plus Alexey Kruglov
Leo Records
“The Clarinet Trio” é um dos grupos bem representados no catálogo do Leo Records, sendo esta a quinta gravação deles pelo selo. Captado já há algum tempo (em dezembro de 2013), ao vivo no teatro da Escola de Arte Dramática de Moscou, o novo disco do trio – formado pelos alemães Gebhard Ullman (clarinete baixo), Jurgen Kupke (clarinete) e Michael Thieke (clarinete alto) – recebe a adição do sax-alto russo Alexey Kruglov na segunda metade do concerto. A multiplicidade de coloridos, que ganha nova amplitude com a participação de Kruglov, é uma das marcas fortes do grupo, que apresenta oito temas, a maioria do veterano Ullman, de 60 anos, o líder informal do trio.  Em atividade há quase duas décadas, a música do grupo mantém o frescor, alternando improvisações coletivas e destaques solistas, em meio a passagens compostas (Ullman assina quase todos os temas do álbum). A mudança de sonoridade é clara para quem ouve o disco na sequência: após 4 faixas do trio, temos a partir da 5 (“Collective nº 9”) a adição do sax. O cume expressivo está no encerramento, “News? No News!”, o tema mais extenso do conjunto (14 min), que permite que apreciemos as nuances da formação com maior amplitude.






Alom Mola  ****(*)
Michel Lambert
Jazz From Rant
O baterista canadense Michel Lambert, nome intimamente associado às parcerias com o saxofonista François Carrier, dá aqui continuidade a seus trabalhos pessoais. Depois dos dois interessantes volumes de “Journal des Episodes”, Lambert apresenta este Alom Mola, que conta com grandes variações sonoras em seus 5 temas. O núcleo da música exibida na faixa de abertura, “Caravaggio ténèbres et lumières”, é o conjunto formado por Lambert, Pierre Côté (baixo) e Michel Côté (saxes e clarinete), mas entre os oito movimentos que forma a composição há intervenções de um quinteto de cordas. No segundo tema, “Mille huit fenêtres”, o grupo se transforma em um septeto, com bateria, piano e o quinteto de cordas – formação retomada na última faixa, mas com explorações completamente diversas e um cravo no lugar do piano. No meio, há “Les cahiers de Barcelone”, centrada em cordas e bateria, e a intrigante “Musique du temps du rêve”, para voz (com ênfase no recitativo), piano e bateria. Lambert tem aqui seu projeto mais ambicioso, em que mescla jazz, impro e erudito contemporâneo, em uma criação muito viva e de grande inventividade, destacando também seu trabalho de compositor. O extenso encarte de 24 páginas traz pinturas e partituras ilustradas de Lambert.





Live at Jazz Room Cortez   ***(*) 
Satoko Fujii Quartet
Cortez Sound
A pianista japonesa Satoko Fujii tem vivido um 2017 de lançamentos diversos de variada expressividade. Aqui a vemos mais uma vez acompanhada de seu marido trompetista, Natsuki Tamura, mais bateria (Takashi Itani) e violino (Keisuke Ohta). A interessante formação desenvolve dois extensos temas, de 18 minutos (“Convection”) e 31 minutos (“Looking out of the Window”), captados em um concerto em 22 de dezembro de 2016, no Jazz Room Cortez, em Mito. O tema inicial coloca primeiramente em destaque percussão e violino, até a entrada abrupta (mas breve) do piano em toques repetitivos lá pelos 3 minutos. Essas intromissões de Fujii ao longo da peça destacam seu melhor, desembocando em um saboroso tema jazzy em seus momentos finais. Já a segunda parte demora mais para engatar, com divagações instrumentais sobre as quais a voz de Ohta surge em um cântico de sabor world music – tempero que irá ressurgir no meio da peça, agora com o músico empunhando o violino. A faixa tem uma conclusão mais densa, com piano e trompete mais marcados, elevando a impressão deixada. Um bom disco, mas talvez Fujii nos tenha acostumado mal, com uma sequência de gravações excelentes, o que deixa no ar uma sensação de que poderia ter sido entregue algo mais, apesar de alguns inegáveis momentos muito inspirados.
 





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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)