Schlippenbach: “Monk é e sempre será inspiração de toda a vida”



ENTREVISTA  O festival Jazz na Fábrica terá como grande destaque a vinda inédita da Globe Unity Orchestra para duas apresentações. O pianista Alexander von Schlippenbach, seu líder, falou com o FreeForm, FreeJazz...




Por Fabricio Vieira

Sim, sempre queremos ver mais músicos do universo free em nossos palcos. E o Jazz na Fábrica tem sido, desde sua criação em 2011, um veículo de grande relevância nesse processo – mesmo que às vezes fique a sensação de que outros tantos pudessem já ter sido convidados pelo evento. Em suas 7 edições, o Jazz na Fábrica trouxe diferentes nomes que nunca tinham tido a oportunidade de tocar por aqui mesmo sendo figuras centrais da música livre global, como Anthony Braxton, William Parker, Muhal Richard Abrams, Matthew Shipp, o Fire! de Mats Gustafsson, Nate Wooley, além de Roscoe Mitchell, David Murray, o Soft Machine, Ivo Perelman, Archie Shepp... Para este ano, outra grande surpresa inédita: a Globe Unity Orchestra (GUO).

Globe Unity Orchestra, 1966
A big band comandada pelo pianista alemão Alexander von Schlippenbach, que fez seu debute no outono europeu de 1966 no Berliner Jazztage, é um dos marcos dos primórdios do free europeu. Sua primeira agrupação era um amálgama do quinteto de Schlippenbach/Manfred Schoof com os grupos de Peter Brotzmann e Gunter Hampell, uma formação basicamente alemã de uma big band que exibiria um perfil mais europeu (e depois global) à frente. A primeira gravação (“Globe Unity”), feita logo depois, em 6 e 7 de dezembro de 1966 no Ariola Studio, em Colônia, foi editada sob o nome de Schlippenbach. Mais de uma dúzia de discos viria depois, já com a rubrica Globe Unity Orchestra (ou apenas G.U., como prefere escrever o pianista). Deixando de ser um grupo fixo após a apresentação feita no Chicago Jazz Festival de 1987, a GUO tem se reunido desde então para eventos especiais. Neste ano, por exemplo, tocaram apenas em abril no festival alemão Saarbrucken. Pelas fileiras da GUO nestas cinco décadas de história passou não só a nata do free europeu como grandes nomes de outras cenas: Evan Parker, Peter Kowald, Derek Bailey, Willem Breuker, Michel Pilz, Brotzmann, Paul Rutherford, Kenny Wheeler, Paul Lytton, Albert Mangelsdorff, Toshinori Kondo, George Lewis, Alan Silva, Ernst-Ludwig Petrowsky, Johannes Bauer e outros mais... É um pouco desta história que veremos no Brasil daqui a duas semanas.

Desde que a Globe Unity existe, há mais de 50 anos, houve diferentes períodos e momentos particulares focados em certos conceitos. De qualquer forma, tudo esteve sempre ligado à personalidade dos instrumentistas envolvidos (em cada fase)”, disse Alexander von Schlippenbach, 79 anos, em conversa por e-mail com o FreeForm, FreeJazz. “É nossa primeira vez no Brasil, serão dois grandes concertos da free jazz orchestra Globe Unity... Para as apresentações, teremos uma banda com 12 instrumentistas. Entre alguns dos veteranos da G.U., estarão presentes Gerd Dudek, Manfred Schoof e Paul Lovens.
Infelizmente Evan Parker, que esteve presente na apresentação da GUO em abril, não virá. Parker, ao lado de Lovens, é o mais importante parceiro de Schlippenbach – os três mantêm um trio, sob o nome do pianista, desde o início dos anos 1970, tendo logo dado seu recado com o clássico “Pakistani Pomade” (72).
O trio é na realidade o núcleo da Globe Unity e certamente uma de minhas mais importantes atividades musicais. Eu toco com Parker e Lovens há mais de 40 anos. E continuaremos tocando tanto quanto pudermos”, afirma o músico.



Schlippenbach é improvisador, compositor e lidera tanto projetos com grandes quanto com pequenas formações. Sua expressão artística não se restringe à free improvisation, bebendo no universo erudito e, especialmente, no do jazz. E sua abordagem pianística muda de um projeto a outro? “Não existe nada conceitualmente de especial, a abordagem sonora – ou seja, free jazz improvisation – é sempre a mesma. Claro que o trabalho com um grupo maior é mais complexo e complicado por diferentes aspectos. Sou tanto improvisador quanto compositor. Meu trabalho vai depender das situações em que estou envolvido. Mas especificamente pensando como pianista e músico independente, eu sou mais um improvisador”, afirma.

E como é comandar uma big band que se reúne esporadicamente e com formações que variam a cada vez? Como cada apresentação se desenvolve?
Normalmente, começamos de um marco zero, para construir algo a partir de pontos particulares que tenham correspondências. Se houver um limite de tempo (para a apresentação), nós temos um truque para chegarmos a um grande final. Mas esse é um segredo que não abrimos.

Dentre as influências e interesses maiores de Schlippenbach, brilha Thelonious Monk (1917-1982). O músico já foi homenageado no saboroso projeto “Monk’s Casino”, que tem como principal registro um álbum triplo homônimo (editado em 2005) em que a obra de Monk é homenageada em releituras de grande vitalidade.
Monk é para mim o mais interessante e o maior compositor do jazz. Seus temas e invenções melódicas são de uma rara e única qualidade. Como pianista, seu ‘timing’ e toque são absolutamente incomparáveis. Se você conhece um pouco sobre pianistas de jazz, o reconhecerá desde o primeiro toque. Ele é e sempre será para mim uma inspiração de toda a vida sob qualquer aspecto musical”, conclui Schlippenbach.




GLOBE UNITY ORCHESTRA

Quando: 17/8 (qui) e 18 (sex), às 21h
Onde: Sesc Pompeia /SP (Teatro)
Quanto: R$ 15 a R$ 50







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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)