LANÇAMENTOS A pianista japonesa Satoko Fujii, que conta com uma
discografia com cerca de 85 títulos, mantém o forte ritmo de lançamentos neste
2017...
A japonesa Satoko Fujii é uma das figuras centrais do piano
free jazzístico contemporâneo. Nascida em Tóquio em 1958, Fujii mudou para os
EUA em meados da década de 80, onde viveu por vários anos, tendo estudado com
Paul Bley e passando também por cursos no Berklee College of Music e no New
England Conservatory. Suas primeiras gravações surgiriam apenas nos anos 90,
quando começou a desenvolver diferentes projetos nos quais exibe uma obra de
alcance múltiplo, que se estende hoje por algumas dezenas de títulos. Nesse
caldeirão criativo, merece atenção maior três de seus projetos: a big band
Satoko Fujii Orchestra, o grupo Gato Libre e o trabalho de piano solo – do qual
destacamos há pouco seu último brilhante registro, “Invisible Hand”. Fujii fundou
com seu marido, o trompetista Natsuki Tamura, o selo Libra Records em 1997,
pelo qual editam grande parte do que produzem. Aqui, trazemos alguns de seus mais
recentes registros...
Kisaragi *****
Satoko Fujii / Natsuki Tamura
Libra Records
Este introspectivo duo apresenta inebriantes investigações
sonoras, levando os instrumentos-base a seus extremos. Satoko Fujii
(piano) e Natsuki Tamura (trompete) criam oito peças de improvisação livre impactantes
e desconcertantes. Registrado em dois momentos, em fevereiro de 2015 e maio de
2016, Kisaragi é uma viagem por sons improváveis, como explica Tamura no
encarte: “do começo ao fim, não usamos nenhum som normal dos instrumentos”. A
faixa-título, que abre o álbum, com seus silêncios entrecortados por ataques
pontuais do sopro e dos teclados, é realmente incrível e exibe toda
potencialidade artística do duo – se fosse possível manter esta elevada
estatura por todo o disco, estaria facilmente no topo dos melhores do ano. Mas
há momentos mais descontraídos, em que especialmente Tamura parece querer quebrar
a profundidade meditativa que marca o melhor do trabalho, como nos sons quase
de brinquedo de “Iwashigumo”. A variedade de recursos explorados nos leva a
surpresas como “Nowake”, que exala certo desespero sombrio, como que retirado
de um filme de terror, e “Muhyo”, a mais longa das peças, que fecha o registro
com seus 15 minutos, que mostram em seu núcleo intrigantes cascatas ruidosas
criadas por Fujii, trespassadas por agoniado sopro de Tamura, deixando nossos ouvidos
inebriados com os rumos inesperados por onde somos levados.
Peace ****
Satoko Fujii Orchestra Tokyo
Satoko Fujii Orchestra Tokyo
Libra Records
Com um conjunto de 15 instrumentistas, temos aqui a versão “Tokyo”
da big band de Satoko Fujii – há também uma agrupação “Nova York”, outra “Berlim”...
–, sendo os não japoneses presentes apenas o baterista Peter Orins e o
trompetista Christian Pruvost, em uma escalação formada por saxes, trompetes,
trombones, baixo e percussão. Composto por quatro temas (três de Fujii) registrados
em outubro de 2014 em Tóquio, Peace inicia com a extensa (32 minutos) “2014”, que
abre com o trompete de Natsuki Tamura e vai ganhando corpo com vagar, com
passagens pontilhísticas que ganham força de conjunto apenas lá pelos 10
minutos transcorridos, com a orquestra criando uma camada melódica sobre a qual
os solistas vão desfilando. O impacto da band vem mesmo no terceiro tema, “Peace”,
que surge logo após a relaxada “Jasper”. Na faixa-título, a energia é redobrada
e atravessa os dez minutos de free impro que a compõe, sem pausas para respiro –
acidamente inspiradora. A swingada e breve “Beguine Nummer Eins” fecha o
conjunto.
Neko ****
Gato Libre
Libra Records
Gato Libre
Libra Records
O Gato Libre é um quarteto que Satoko Fujii mantém ao lado do
trompetista Natsuki Tamura há mais de uma década. Neste novo título, eles
aparecem em versão trio, com a adição da trombonista Yasuko Kaneko (normalmente
a dupla trabalhava acompanhada por baixo e guitarra neste projeto). A
sonoridade criada em Neko é realmente ímpar: Fujii troca seu piano por um
acordeom (seu segundo instrumento) e isso é vital para o resultado final do
trabalho – essa versão com trombone já havia sido explorada por eles no
anterior “DuDu” (2014), que ainda trazia o guitarrista Kazuhiko Tsumura.
Gravado em agosto de 2016, Neko traz seis temas climáticos (destaque neste
sentido a “Tama”, que abre o conjunto), que levam os ouvintes por entre passagens
ora contemplativas, ora quase melancólicas. “Momo” é uma das melhores, tanto no
diálogo inicial de trompete e trombone, como nos solos de Tamura e de Kaneko. Fujii
pode não parecer tão ousada ao acordeom como é ao piano, mas é interessante conhecer
essa sua outra face expressiva. Editado em CD e vinil.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)