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Ouça, divulgue, compre os discos.
Por Fabricio Vieira
Nearby Faraway ****
Frode Gjerstad/ Paal Nilssen-Love
PNL Records
Os noruegueses Frode Gjerstad e Paal Nilssen-Love, que iniciam
hoje uma pequena turnê sul-americana (junto ao baixista Jon Rune Strøm),
com paradas em Rio, São Paulo, Santiago e Buenos Aires, editaram no início
de fevereiro este novo título em duo. Nearby Faraway traz nove temas
registrados no Gandsveien Studio (Noruega), em setembro de 2016, e mostra o
quanto o duo é afinado (eles tocam juntos há cerca de duas décadas). Gjerstad,
um dos músicos europeus menos reconhecidos do que deveria, toca aqui saxes alto
e baixo, além de clarinete, e mostra a amplitude de sua expressão, podendo ir de
temas mais divagantes (como “Close By”) a outros altamente enérgicos, como
“Flying Circus” e “The Ghost” – esta com picos incendiários. “Mosquito Nest”,
com Gjerstad no sax baixo, e “Houdini’s Float”, com um particular trabalho
percussivo de Nilssen-Love, são especialmente interessantes.
In Layers ****(*)
Marcelo dos Reis/ Luís Vicente/ Govaert/ Martinsson
FMR
FMR
Os portugueses Marcelo dos Reis (guitarra acústica) e Luís
Vicente (trompete) foram a Amsterdã e uniram forças ao baterista holandês Onno
Goevart e ao pianista islandês Kristján Martinsson.
O encontro se deu no Zaal 100, em abril de 2016, e o resultado foi este
registro de alto nível criativo. Se dos Reis e Vicente têm tocado juntos há algum
tempo (em projetos como Fail Better! e Chamber 4), esta formação com Govaert e Martinsson
é nova, mas incrivelmente azeitada. O disco começa crescendo lentamente, como
que testando os ouvidos, mas não demora a ganhar corpo. O segundo tema,
“Fresco”, já tem alguns dos momentos mais quentes. O trompete de Vicente é
especialmente importante na narrativa do disco, criando, em sintonia com o
piano de Martinsson, as linhas mais marcantes do percurso. A guitarra de dos Reis
sobe a primeiro plano em faixas menos ásperas, como “Varnish”, em que as cordas
como que criam as passadas pelas quais o grupo vai adentrando e destilando esse
encantatório tema (que poderia ser mais longo). À sequência, “Tempera” abre com
guitarra e trompete ao fundo, aos quais vêm se juntar piano e percussão em uma
nova inebriante viagem de vigor mais uma vez crescente. Essa intensidade
ascendente é uma tônica do álbum, feito para ser ouvido com atenção relaxada,
sentindo as nuances expressivas chegarem aos poucos, tomando os sentidos sem
pressa.
Freedom is Space for the Spirit ****(*)
François Carrier/ Michel Lambert/ Alexey Lapin
FMR
FMR
O saxofonista alto canadense François Carrier retoma aqui
uma bem-sucedida parceria com o pianista russo Alexey Lapin. O trio (que tem ainda
o sempre presente baterista Michel Lambert) iniciou suas colaborações em 2010,
em uma viagem de Carrier e Lambert à Rússia, que rendeu os belos registros “All
Out” e “Inner Spire”. Após outros títulos, o trio edita agora este novo álbum,
captado ao vivo em maio de 2014 no Experimental Sound Gallery, em São
Petersburgo. Com cinco faixas, que vão de 6 a 23 minutos, Freedom is Space... apresenta o lírico vigor característico
de Carrier em inspirada noite. A faixa-título abre os trabalhos nos engolfando
no clima que regirá o registro. “Nevsky Prospect”, o quarto tema, com seu
melancólico melodicismo, é um dos pontos mais tocantes do conjunto.
Provavelmente esta seja a melhor formação para Carrier exibir sua poética,
saindo dela seus álbuns mais tocantes. Infelizmente, ao que parece, tocam
juntos apenas quando Carrier e Lambert vão à Rússia... que ao menos esses
saborosos registros continuem chegando até nós.
The Joy of Being ****
François Carrier/ Michel Lambert/ Rafal Mazur
NoBusiness Records
François Carrier/ Michel Lambert/ Rafal Mazur
NoBusiness Records
Aqui a dupla canadense François Carrier (sax alto) e Michel
Lambert (bateria) se une a outro parceiro já testado antes, o polonês Rafal
Mazur (bass guitar), com quem editaram, em 2015, “Unknowable”. Gravado mais uma
vez no Alchemia Jazz Klub, na Cracóvia, The Joy of Being é como que uma
continuação da colaboração anterior do trio. É curioso ver a crescente
discografia de Carrier e Lambert sendo recheada por trabalhos deste tipo: a dupla
canadense sai em turnê pela Europa, toca com músicos locais por onde passa e
transforma os encontros depois em disco. Neste álbum, o trio explora seis temas
de extensões relativamente próximas (entre 10 e 15 minutos) que soam muito
distintas da sessão de Freedom is Space for the Spirit. A substituição do piano
pelo bass guitar não muda apenas a relação timbrística e harmônica: Mazur ajuda
a levar a dupla canadense a outros campos. O lirismo marcante de Carrier segue
presente (especialmente ao sax alto; ele tem tocado também oboé chinês), como
bem mostra temas como “Blissfulness” e “Mystery of Creation”, mas sem suplantar
as criações ao lado de Alexey Lapin.
ULLR ***(*)
Peeter Uuskyla/ Tellef Ogrim/ Anders Berg
Peeter Uuskyla/ Tellef Ogrim/ Anders Berg
Simlas
O veterano baterista sueco Peeter Uuskyla talvez seja mais
lembrado por suas colaborações com Mr. Brotzmann, mas seu trabalho vai bem além
disso. Aqui Uuskyla se une ao guitarrista norueguês Tellef Ogrim e ao baixista Anders
Berg. São seis temas, relativamente breves, que totalizam pouco mais de 30
minutos de enérgica música. Com elementos free rock, este power trio apresenta uma
música marcada pela muitas vezes aceleradíssima pegada de Uuskyla sobre as
quais a guitarra de ruidosidades divagantes de Ogrim opera de forma
contrastante – esquema bem ilustrado na faixa-título. Há temas mais relaxados,
como “Lusk” e “Shine your Soul”, mas o melhor parece estar mesmo nas peças mais
intensas, como “Wulpuz” e “By the Southward Verging Sun” –que traz o mais intenso solo de guitarra do
conjunto. Neste seu álbum de estreia, o trio mostra o quanto a cena escandinava
segue vibrante e com nomes que mereciam ser mais reconhecidos mundo afora.
Shabda ****
Baga-Baga
Big Papa records/ Mediasounds
Baga-Baga
Big Papa records/ Mediasounds
Baga-Baga é um novo trio formado pelo guitarrista português
Jorge Nuno (do Signs of the Silhouette) ao lado de Monsieur Trinité (objetos
percussivos) e do paulista Yedo Gibson (saxes tenor e soprano). Nascido em uma
sessão em 10 de setembro de 2016, Shabda traz free improv de curiosa
fatura, com cinco faixas (chamadas “Lua” + algum estado) que refletem a música
desenvolvida individualmente por seus membros, ou seja, improvisação livre,
free jazz, algo de rock e psicodelismo, mas em uma perspectiva de criação
coletiva. O álbum abre com “Lua Nova”, de forma mais serena, com os
instrumentistas apresentando lentamente suas investidas, preparando os sentidos
por meio de um trabalho envolvente com a espacialidade (algo no qual Nuno é
mestre com sua guitarra). Na sequência (“Lua Cheia”), o tom sobe com o sax tenor
e a guitarra, como se a música apresentada acompanhasse as mudanças das fases
da Lua. Dessa forma, a intensidade volta a ser contida quando vem “Lua
Minguante” (com picos pontuais) e ganha nova pegada com “Lua Quente” – com o
sax já abrindo em modo rascante. Essas oscilações, mais do que esquemáticas,
funcionam bem às propostas deste novo trio, formado pouco antes da gravação,
quando Gibson desembarcou em Lisboa depois de muitos anos na Holanda.
Threnody, at the Gates
*****
Kuchen/ Berthling/ Noble
Trost Records
Kuchen/ Berthling/ Noble
Trost Records
Este novo registro do trio formado pelo saxofonista sueco
Martin Kuchen, o baixista Johan Berthling e o baterista britânico Steve Noble é
energia pura. Mais explosiva que o anterior disco do grupo (“Night in Europe”),
esta gravação foi realizada no fim de 2015 e traz seis temas, todos titulados
como “Gate”. Kuchen (mais conhecido pelo seu grupo Angels 9), apesar de ser da
mesma geração de seu conterrâneo Mats Gustafsson, tem visto sua discografia
crescer e seu trabalho se rmais reconhecido apenas nos anos 2000 – e demonstra
estar em seu auge criativo exatamente nesses tempos. Versátil, toca aqui saxes
tenor e soprano, retardophone e flauta. Logo na abertura do disco, “Gate 4”
mostra o que virá, sem rodeios, em cinco minutos de improvisação intensa. O
recado é reforçado na sequência com os 13 minutos de “Gate 1” (com fantástico
solo de soprano). Quando a temperatura baixa um pouco, como em “Gate 8”, temos
ainda uma visceralidade latente. Das múltiplas possibilidades exploradas,
destaca-se a sonoridade anasalada do sopro que marca “Gate 2”, sustentada pelo
rascante baixo em arco. Um grande registro de um trio a se ficar atento.
A Night Walking Through Mirrors ****(*)
Chicago - London Underground
Cuneiform Records
Em celebração a suas duas décadas de trajetória, o Chicago Underground
Duo – Rob Mazurek e Chad Taylor – foi a Londres para algumas apresentações. No
Café Oto, em abril de 2016, se uniram a duas forças locais – o pianista
Alexander Hawkins e o baixista John Edwards –, encontro que é agora editado. Em
quatro extensos temas, os músicos soam como se fossem um quarteto de fato,
criando peças de muito vigor e tensão por vezes elevada. Mazurek abre o
trabalho convocando os outros com sua corneta, logo respondido, mas de forma
sutil, por Taylor e Edwards. A faixa-título vai assim se desenvolvendo, com
certo vagar, com elementos free jazzísticos acentuados e destaque para os diálogos
entre piano e corneta. Quem abre o segundo tema, “Something Must Happen”, é o
piano de Hawkins, acompanhado de percussão e logo sofrendo interferências dos
eletrônicos conduzidos por Mazurek antes dele reassumir o sopro. Talvez a peça
mais memorável seja “Boss Redux”, com os singelos temas executados pela corneta
ecoando muito depois nos ouvidos. Apesar de tudo soar uma grande diversão para
os músicos, para Mazurek sua criação é algo mais sério. No release, ele pontua bem
isso: “This is protest music. It always has been. That’s why it’s called
Underground – it’s not just called that for fun. We really believe in it”. Nós
também.
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em
Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por
alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente
escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. Também colabora com a
revista online portuguesa Jazz.pt.
É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)
É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)