ENTREVISTA O grande pianista Matthew Shipp vem de Nova York para
apresentação única em São Paulo neste mês. Antes de desembarcar por aqui, Shipp
falou com o FreeForm, FreeJazz...
Por Fabricio Vieira
Foi somente a partir de 1984, quando desembarcou em Nova
York, que o pianista Matthew Shipp iniciou de fato sua carreira profissional.
Vindo de Wilmington, uma das maiores cidades do estado de Delaware, Shipp tem se
dedicado ao piano a vida toda, tendo tido suas primeiras aulas ainda na infância.
Nascido em 7 de dezembro de 1960, Shipp passou pelo New England Conservatory of
Music antes de ir para NY, onde também estudou, muito antes, Cecil Taylor.
Seria em Nova York que faria suas primeiras amizades importantes na cena
jazzística, com William Parker e Rob Brown, músicos que estariam de alguma
forma presentes em diferentes momentos de sua jornada. Foi exatamente com Brown
que o pianista gravou seu primeiro disco, Sonic Explorations, editado em 1988 pelo clássico selo Cadence Jazz. Este álbum de estreia é um duo de sax
e piano, formato muito apreciado por Shipp e a que ele retornaria em diferentes
oportunidades, ao lado de nomes como Roscoe Mitchell, Evan Parker, Darius
Jones, Sabir Mateen, John Butcher e Ivo Perelman.
A década de 1990 trouxe a consolidação do nome de Shipp no cenário da free music. Além da fundamental associação com David S. Ware, o pianista desenvolveu e registrou muitos de seus projetos no período. Data da época sua primeira gravação em trio, “Circular Temple”, feita em outubro de 1990 ao lado de Parker e Whit Dickey. Vem daquela década também o primeiro registro de piano solo, “Before the World”, realizado em junho de 95 e editado pelo FMP em 97. Muitos discos seriam gestados nas décadas seguintes, dentre os diversos projetos comandados por Shipp, além de suas colaborações várias com parceiros, estando seu nome estampado em mais de 130 álbuns. Em seu percurso, merece destaque uma etapa no início dos anos 2000, quando Shipp abre seu campo sonoro ao hip hop e ao eletrônico. Marco nesse processo é a gravação de “Nu Bop”, editado em 2002 pelo selo Thirsty Ear. No período, Shipp colaborou com nomes como Antipop Consortium, El-P, Spring Heel Jack e DJ Spooky, lançando uma série de trabalhos dentro da estética nu bop, como “Equilibrium” e “Harmony and Abyss”, passando também a cuidar da curadoria da The Blue Series, da Thirsty Ear. Um ponto destacado em seu retorno ao acústico é “One” (2006), fantástico trabalho solo que marca uma nova etapa em seu discurso pianístico, no qual peças mais curtas marcadas por repetidas e hipnóticas pequenas construções melódicas se tornam uma marca constante. No ano seguinte, com “Piano Vortex”, ao lado de Joe Morris e Whit Dickey, Shipp inicia uma sequência de discos em trio de piano-baixo-bateria que balizam sua obra nesta última década – ao lado dos trabalhos solistas. Os últimos dois registros nesses formatos são “I’ve Been to Many Places” (solo, de 2014) e “The Conduct of Jazz” (trio, de 2015).
A década de 1990 trouxe a consolidação do nome de Shipp no cenário da free music. Além da fundamental associação com David S. Ware, o pianista desenvolveu e registrou muitos de seus projetos no período. Data da época sua primeira gravação em trio, “Circular Temple”, feita em outubro de 1990 ao lado de Parker e Whit Dickey. Vem daquela década também o primeiro registro de piano solo, “Before the World”, realizado em junho de 95 e editado pelo FMP em 97. Muitos discos seriam gestados nas décadas seguintes, dentre os diversos projetos comandados por Shipp, além de suas colaborações várias com parceiros, estando seu nome estampado em mais de 130 álbuns. Em seu percurso, merece destaque uma etapa no início dos anos 2000, quando Shipp abre seu campo sonoro ao hip hop e ao eletrônico. Marco nesse processo é a gravação de “Nu Bop”, editado em 2002 pelo selo Thirsty Ear. No período, Shipp colaborou com nomes como Antipop Consortium, El-P, Spring Heel Jack e DJ Spooky, lançando uma série de trabalhos dentro da estética nu bop, como “Equilibrium” e “Harmony and Abyss”, passando também a cuidar da curadoria da The Blue Series, da Thirsty Ear. Um ponto destacado em seu retorno ao acústico é “One” (2006), fantástico trabalho solo que marca uma nova etapa em seu discurso pianístico, no qual peças mais curtas marcadas por repetidas e hipnóticas pequenas construções melódicas se tornam uma marca constante. No ano seguinte, com “Piano Vortex”, ao lado de Joe Morris e Whit Dickey, Shipp inicia uma sequência de discos em trio de piano-baixo-bateria que balizam sua obra nesta última década – ao lado dos trabalhos solistas. Os últimos dois registros nesses formatos são “I’ve Been to Many Places” (solo, de 2014) e “The Conduct of Jazz” (trio, de 2015).
Antes de desembarcar no país, onde faz concerto único de
piano solo no dia 19, no Teatro do Sesc Pompeia (SP), Matthew Shipp conversou sobre
sua música com o FreeForm, FreeJazz.
Você esteve no Brasil em 2010 e 2013 com o Ivo Perelman, mas esta é a primeira vez que vem ao país com um projeto seu.
Gostaria que falasse sobre o que podemos esperar do concerto... como seleciona o material que apresenta em um contexto solo?
“Sim, é a primeira vez que vou ao Brasil sem o Ivo.
O show será uma mistura de minhas composições, um pouco de improvisação livre e
talvez algum standard. Eu tento fazer um ‘cozido’ a partir da improvisação de
minhas próprias composições e standards que funcione para o contexto daquela
noite, dependendo do que esteja sentindo durante o concerto.”
O trio e o trabalho solista são o mais importante para você
no momento? Quais as diferenças entre os dois projetos?
“O trio atua em um tipo de jazz com uma vibração mais
tradicional, embora a música possa por vezes não ser ‘traditional jazz’. Já o
trabalho solo é de total liberdade para seguir meu próprio fraseado, onde quer
que ele vá. Eu adoro ambos os formatos e os dois são construídos em meio a
desafios [distintos]. Ambos são gratificantes. O trio, em que se compartilha o
fazer musical com seus pares, tem sua beleza, e o solo, em que se explora sua própria
alma desnuda, [também] tem sua beleza.”
Você podia nos dar uma ideia de suas origens? Como começou a
tocar jazz e chegou ao piano como seu instrumento?
“Eu comecei a tocar piano aos cinco anos de idade. Eu
adorava o organista da igreja (episcopalian church) que ia com meus pais e comecei a
estudar piano clássico com ele, com a intenção de ser um organista de igreja. Aos
12 anos, eu vi Ahmad Jamal e Nina Simone na TV e passei a querer ser um
jazzista. De certa forma, eu sou autodidata como músico de jazz, mas cheguei a
estudar com o professor do Clifford Brown, o Robert Boysie Lowery (Clifford era
da minha cidade, Wilmington, em Delaware, e minha mãe foi amiga de infância
dele). Também estudei com o professor do Coltrane, Dennis Sandole.”
Poderia falar sobre a cena durante seus
primeiros tempos em Nova York nos anos 80? Que colaborações foram essenciais
para o desenvolvimento de sua música desde que chegou em Nova York?
“Eu cheguei a Nova York em 1984 e primeiramente comecei
tocando com o saxofonista Rob Brown, que se mudou para NY na mesma época. Eu
então me aproximei de William Parker e me envolvi com seu círculo de amizades.
Foi a partir daí que me juntei ao quarteto do David S. Ware, em que permaneci
por 16 anos. Também comecei a me relacionar com Roscoe Mitchell [nessa época],
com quem toquei por muitos anos.
“Como me desenvolvi como músico pode ser visto por meio das
gravações que fiz e estou fazendo – existe uma porção delas. Eu deixo isso para
as pessoas que me ouvem, que elas digam como tenho me desenvolvido ou me
modificado [com o tempo].”
Em um texto quando saiu “I’ve Been to Many Places”, você escreveu: “Eu
sou um pianista cósmico”. Você também já falou que sua música reflete ondas
cerebrais e a pulsação cósmica. O que isso significa para você e sua música?
“No fim do dia, tudo é vibração. Eu olho para qualquer
criação do universo como ondas se unindo, e isto é o que tento fazer na música,
que seja um canal aberto para as ondas cósmicas, e tento trazê-las para o
piano. Pode soar pretencioso, mas é o que faço.”
Desde 1996 você tem tocado com o saxofonista brasileiro Ivo
Perelman, especialmente em anos recentes, com vários álbuns gravados juntos. Como tem sido trabalhar com ele?
“Tocar com o Ivo é um dos meus projetos favoritos – nas
liner notes de ‘Corpo’ [álbum em duo com o saxofonista lançado neste ano] que
escrevi explico melhor o que fazemos. Nós temos expandido um universo inteiro
através do conjunto dessa obra [que temos feito]. Tocar com o Ivo é uma alegria
só. Uma parte relevante do que tenho feito, um de meus mais importantes
projetos. Eu considero o Ivo um dos grandes saxofonistas de nosso tempo.”
Você teve experiências com música eletrônica e hip hop, com
alguns grandes resultados. Isto foi apenas uma fase ou o veremos tocando
novamente algo como o “Nu Bop”?
“Esse foi um período e sou muito grato por ele, aprendi
muito. Mas penso que o resto de minha vida será basicamente ‘acoustic jazz’. É
o que me parece, por ora, o mais certo.”
Sendo alguém que já tem uma grande obra construída, você
sente que a reverência pelo passado no jazz às vezes fica em seu caminho para o
futuro?
“Sim – o agora é o único tempo. Nós somos moldados pela
história e o que ela significa, mas o agora deve ser nosso impulso vital. E
contar [apenas] com nomes do passado e a história do passado é trair a
[essência dessa] linguagem, ser covarde. Há pessoas cujo dom é recriar a
história ou extrapolar a partir dela e isso é válido e legal por essa
perspectiva, mas um artista como eu deve lidar com a verdade universal que significa
ascender ou afundar com base na pulsação do agora.”
Que projetos você anda tocando no momento?
“Tenho um novo CD em trio, que sairá pela Thirsty Ear em
janeiro de 2017 – “Piano Song” [a seu lado neste álbum estão Michael Bisio e
Newman Taylor Baker; eles tocam 12 novas peças. Este disco será o último que Shipp
lançará pela Thirsty Ear, mas ele ainda permanecerá atuando como curador da The Blue
Series].”
(Matthew
Shipp solo, Budapest, 2008)
*5 álbuns essenciais de Matthew Shipp*
PRISM
1996
Brinkman Records/hatOlogy
Neste disco em trio, registrado em março de 1993 no Roulette
(NY) ao lado de William Parker (baixo) e Whit Dickey (bateria), ainda é mais
evidente a influência de Cecil Taylor no som de Shipp, aqui mais denso e
percussivo do que o que vemos hoje. São apenas dois extensos temas, Prism I e
II, em que a improvisação livre, por vezes muito enérgica (em especial na faixa
I), concentra o desenvolvimento das peças. Nessa época, era menos comum ver o
pianista trabalhando em modo mais lírico ou mesmo destrinchando algum standard
como nos anos 2000. A atual encarnação de seu trio é bastante diversa,
brilhante de uma outra forma.
THE FLOW OF X
1997
2.3.1961 Records
Ao trio que gravou Prism é
adicionado o violista Mat Maneri neste álbum captado em maio de 95. E o resultado é complemente diverso. Com esse
quarteto, Shipp desenvolve uma marca de sua arte, que é a criação de uma peça que
pode ser vista como um todo quebrado em diversas segmentações. Os seis temas presentes
(com exceção do último) trazem nomes como “Flow of X”, “Flow of Y”, “Flow of
Silence” etc., e se mostram, de fato, como partes de um todo maior,
melhor apreciados se ouvidos em conjunto. Com faixas de momentos explosivos
(Maneri é especialmente intenso), o disco é um típico exemplar free jazzístico
dos anos 90.
EQUILIBRIUM
2003
Thirsty Ear
Fruto da fase “nu bop”, Equilibrium é o exemplar mais bem
elaborado do período. Se juntam a Shipp o sempre presente William Parker, o
baterista Gerald Cleaver e o veterano vibrafonista Khan Jamal. Além deles, é fundamental a participação do produtor Chris
Flam, que adiciona sintetizadores e programação, dando o ar característico de uma
série de gravações de Shipp à época. Grande testemunho de uma fase que Shipp
diz já ter ficado para trás, tem temas irresistíveis como “Vamp to Vibe” e a faixa-título.
ONE
2006
Thirsty Ear
Trabalho para piano solo fundamental na trajetória de Shipp,
marca uma nova etapa em seu discurso musical. Aqui, encontramos 12 pequenas peças,
entre 2 e 4 minutos cada, em que o pianista explora repetidas e hipnóticas melodias,
algo que se tornou uma marca importante em sua sonoridade atual. One apresenta
algumas das mais belas composições de Shipp, como “Module”, “Patmos” e “Gamma
Ray”, em que certo minimalismo e mesmo algum ar satieniano criam uma atmosfera
encantatória e deslumbrante. Consciente do impacto do que criou, o pianista
muitas vezes ainda traz alguns desses temas para seus concertos – quem sabe não
o veremos tocando algum deles por aqui...
ART OF THE IMPROVISER
2011
Thirsty Ear
Álbum duplo, sendo um disco em trio e outro solo, ambos
gravados ao vivo. O disco em trio, registrado em abril de 2010, traz Shipp novamente
ao lado de Whit Dickey e de Michael Bisio, que tem sido seu baixista favorito
nos últimos anos. Em meio a grandes temas do pianista, como “The New Fact” e “3
in 1”, encontramos o standard “Take the a Train”, revisitado de forma desconcertante.
Já o disco de piano solo, captado em junho de 2010, apresenta cinco temas de
Shipp (como “Module” e “4D”) e uma releitura de “Fly Me to the Moon”. Art of
the Improviser é a síntese do trabalho desenvolvido atualmente por Matthew Shipp.
*MATTHEW SHIPP*
Quando: 19 de agosto, às 21h
Onde: Teatro do Sesc Pompeia (SP)
Quanto: de R$ 15 (comerciário) a R$ 50
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado na área
literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi
ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre
literatura e jazz para o Valor Econômico. Também colabora com o site português Jazz.pt.
É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de
Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo
Records)