Peter Brötzmann, Marino Pliakas e Michael
Wertmuller – o trio Full Blast – encerram neste domingo, no Rio, a turnê
sulamericana iniciada no dia 11, que passou por Chile (Valparaiso e Santiago)
e Brasil (Salvador, Belo Horizonte, Jundiaí, São Paulo e Rio de Janeiro)...
O grupo foi montado há pouco mais de uma década, tendo
realizado seu primeiro registro, que rendeu o fulminante álbum homônimo, em
fevereiro de 2006. Quando veio ao Brasil em junho de 2008, o Full Blast tinha
lançado apenas seu disco de estreia. Agora, ao retornarem oito anos depois, contam
com uma discografia que traz cinco títulos oficiais, sendo o mais recente Risc,
editado há pouco. Dessa forma, a expectativa por uma nova apresentação do trio
por aqui era grande; o som deles muito se ampliou entre a primeira visita que
fizeram e agora.
Na noite de sábado (16), em São Paulo, o Full Blast
encontrou provavelmente sua maior platéia nesta turnê – se não estava lotado, não
eram muitas as cadeiras desocupadadas no Teatro Anchieta (Sesc Consolação). E
um público atento, que acompanhou empolgado e ficou até o final para ver o trio europeu em ação.
(by Hannes Reisinger)
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Infelizmente a noite teve imprevistos técnicos que acabaram
por tumultuar o concerto. O trio iniciou a apresentação com sua fúria
característica, Brötzmann ao sax tenor avisando que os 75 anos
recém-completados não representam ainda um peso para destilar sua música, Pliakas
mostrando que é um dos mais inventivos na atualidade ao baixo elétrico e Wertmuller
com sua pegada explosiva que caberia em diferentes contextos do rock mais
pesado. Mas isso não durou cinco minutos. Primeiro é Brötzmann que silencia o
sax abruptamente; depois, a bateria; até ficar apenas o baixo elétrico ecoando
sozinho. Brötzmann vai ao microfone e diz que é impossível seguir o espetáculo
daquela forma. Há um problema no retorno, o baixo vazando em um monitor que não
deveria. “Passamos o som de tarde e estava tudo bem”, diz o saxofonista. “Não
sei o que está acontecendo.” O técnico de som tenta se defender e diz que nada
foi alterado desde a passagem de som. Mas os músicos sabem que há algo de
errado. Não querem retornar daquela forma. “This is impossible.” O público
começa a sentir a tensão aumentar (e se eles forem embora?). Sobem ao palco
gente do Sesc e da organização do evento. Parece que não encontram uma solução.
Longos minutos se passam...
Mas Brötzmann, Pliakas e Wertmuller não são artistas do tipo que deixariam o público na mão. Tentarão de novo, mesmo que
não estejam satisfeitos com a solução apresentada. A música retorna e mais furiosa
ainda. Brötzmann ao tárogató sopra de forma contundente, parece ir ao limite físico
que a idade permite – além disso, estão no penúltimo dia de turnê! –, enquanto Wertmuller
espanca a bateria de forma cada vez mais intensa, por vezes chegando a encobrir
Brötzmann. O baterista parece o mais irritado com a situação, faz caretas, urra por
vezes, tenso, deixa a baqueta voar das mãos (três vezes, ela foi ao chão). O
concerto continua, Brötzmann assume o clarinete B-flat – com o instrumento,
chega a soar soturnamente melancólico em certa passagem –, depois volta ao sax.
Ao final de cada tema, o público, sentindo a tensão que ainda vem do palco,
aplaude de forma cada vez mais entusiasmada, como se dissesse aos músicos “precisamos
disso, não nos deixem”. Após o quarto tema executado, Wertmuller mostra que
chegou a seu limite: enquanto os aplausos crescem, se levanta, ergue os punhos
e sai da bateria, como se estivesse encerrando o show. Sinaliza para Pliakas; se aproxima de Brötzmann,
que está ao fundo com o sax nas mãos; o mestre balbucia algo para ele, que
volta meio que a contragosto para seu lugar. Tocarão mais uma. Brötzmann vai ao
centro do palco e começa a tocar um tema que traz certo ar bluesy, comovente até: o público
em silêncio absoluto, apenas o sax dolorido soa por uns instantes, até bateria
e baixo lentamente crescerem junto com o sopro por alguns breves minutos, baixando o tom novamente no
desfecho da peça. Fim, sem direito a bis. Resultado final: apenas uns 42
minutos de música. De qualquer forma, o público deixa a sala repleto pela
energia única do Full Blast e sabendo que viram em ação um dos artistas mais
importantes surgidos no século XX. No corredor, saindo do teatro, uma garota
pergunta para o rapaz que está a seu lado: “Será que veremos ele de novo? Se
demorar mais quatro anos para voltar, estará com quase 80!”.
Esperamos que sim.
Volte sempre, Mr. Brötzmann.
(Full Blast
em turnê sulamericana. Valparaiso, Chile, 11/7/2016)
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado na área
literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi
ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre
literatura e jazz para o Valor Econômico. E colabora com a revista online
portuguesa Jazz.pt.
É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)
É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)