Há quase cinco anos, mais precisamente em novembro de 2011, o icônico Sonic Youth fazia o último show de sua história de três décadas no festival SWU, em Paulínia, São Paulo. Nesse período sem o SY, seus quatro integrantes tocaram vários projetos, de diferentes perfis sonoros. Para Thurston Moore, a nova fase representou a intensificação de sua imersão no universo da free music...
Nascido no underground nova-iorquino do início dos anos
1980, em meio às cinzas da no wave, o Sonic Youth nunca deixou de lado suas
raízes emergidas do cenário experimental, mesmo que tenha vivenciado momentos de
maior apelo indie-pop. Thurston Moore, Kim Gordon, Steve Shelley e Lee Ranaldo
trabalharam em diferentes contextos com artistas experimentais e ligados ao
free enquanto o SY existiu. A associação com Jim O’Rourke, os nove volumes da
série SYR, a participação dos saxofonistas Jim Sauter e Don Dietrich na faixa “Radical
Adults Lick Godhead Style” ou mesmo o álbum “In The Fishtank 9” (encontro do SY com nomes como Han Bennink, Ab Baars, Wolter Wierbos, Terrie Ex...)
são claros testemunhos da relevância que a improvisação, o noise e a
experimentação como um todo sempre tiveram para o Sonic Youth – além das
camadas evidentes em seus próprios discos, claro.
Se esses rumos de criação mais inventiva interessam a todos os integrantes
do SY, é indiscutível que Thurston Moore é o grande entusiasta da free music
entre eles. O guitarrista começou a se envolver com o universo do free ainda em meados da década de 1980. Ele já contou em
entrevista que não conhecia bem o free jazz e a improvisação livre quando o SY
gravou seus primeiros álbuns. Mas passou a se embrenhar por essa seara de forma
progressiva, divulgando essa música e fazendo parcerias cada vez mais com
figuras do meio. O primeiro registro importante de Moore na seara free está no
disco “Barefoot in the Head”, captado em junho de 1988, realizado em trio com
os saxofonistas Jim Sauter e Don Dietrich, do mítico Borbetomagus. Daí por
diante, o guitarrista tocou e gravou com uma ampla lista de figuras
da free music, de diferentes gerações e expressões: Evan Parker, Mats Gustafsson,
Susie Ibarra, Chris Corsano, Keiji Haino, John Zorn, Giancarlo
Schiaffini, Joe McPhee, Cecil Taylor, Nels Cline, Rashied Ali, Han Bennink, John
Russell, Bill Nace, Milford Graves, William Hooker, Wally Shoup, Merzbow, Derek
Bailey, Paul Flaherty...
O guitarrista também sempre buscou ajudar a divulgar essa música (quantos fãs do SY será que converteu?), quer seja por meio de entrevistas, colaborações ou mesmo convidando músicos do free para abrir shows do Sonic Youth, tanto nos EUA (os saxofonistas David S. Ware e
Wally Shoup foram uns dos que tocaram com o SY) quanto em
turnês por outros países, como o guitarrista Manuel Mota em concertos do SY em
Portugal ou o Jooklo Duo na Itália.
Parece que com o fim do Sonic Youth – provavelmente com a
agenda mais folgada – as parcerias e colaborações de Moore no meio free se
intensificaram, basta ver o elevado número de gravações e shows nesse campo que
fez nos últimos anos. Apenas considerando títulos a partir de 2012, o guitarrista lançou: “Play Some
Fucking Stooges” (duo com Mats Gustafsson); “Last Notes” (com Joe McPhee e Bill
Nace); “@” (com John Zorn); “Vi Ar Alla Guds Slavar” (com Gustafsson); “Live at
Café Oto” (duo com Alex Ward); “The Rust Theier Throats” (duo com a baixista
Margarida Garcia); “Sonic Street Chicago” (free impro solo); “Live” (com o The
Thing); “Live at ZDB” (com Pedro Sousa e Gabriel Ferrandini); “Hit the Wall” e “Live
at Henie Onstad Kunstsenter” (novos duos com Gustafsson); “Custs of Guilt” (com
Merzbow, Gustafsson e Balázs Pándi); “With” (com John Russell); “Jooklo Duo
meets Thurston Moore and Dylan Nyoukis” (com Virginia Genta e David Vanzan)…
O novo registro nessa seara é um duo (atual formato favorito
de Moore?) com o baterista Frank Rosaly. Os duos de bateria e guitarra parecem
muito interessar a Moore, tendo já gravado (ou se apresentado) nesse formato com
William Hooker, Susie Ibarra, Tom Surgal, Rashied Ali e John Moloney (com quem
mais fez registros assim). E neste recém-lançado Marshmallow Moon Decorum,
vemos free improvisation intensa, se desenvolvendo de forma crescente, mas bem
centrada, com o pico de energia começando a ser destilado ainda no primeiro
terço da peça – o álbum traz apenas uma improvisação, de pouco mais de 31
minutos, que fecha com um final explosivo. O encontro se deu no Neon Marshmallow
Festival, em Chicago, em novembro de 2012. Um vídeo da apresentação (abaixo) circulou
na época e nele podemos apreciar as nuances de Moore em ação (pedais etc.), a forma como
cada estrutura sonora vai sendo criada, o que pode escapar na simples audição do
disco. Não fica claro se a apresentação se resumiu a essa meia hora, não seria
ruim se houvesse mais desse encontro. De qualquer forma, a intensidade que emana
da peça deixa certo sentimento de satisfação, com os sentidos estimulados talvez
o suficiente.
Thurston Moore esteve em duas oportunidades recentes no
Brasil, em 2012 e 2014, mas apresentando projetos seus de rock – ele nunca veio
para mostrar sua faceta free improviser. Já se cogitou de trazê-lo em duo com
Mats Gustafsson... Quem sabe a ideia não vinga mais à frente?
Marshmallow Moon Decorum ****
Thurston Moore
/ Frank Rosaly
Corbett vs.
Dempsey
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado na área
literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi
ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre
literatura e jazz para o Valor Econômico. E colabora com a revista online
portuguesa Jazz.pt.
É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe
Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)