Apanhado de novidades imperdíveis da free music.
Sons de todos os cantos, experiências em várias
formas.
Ouça, divulgue, compre os discos.
GLASS SHELVES AND FLOOR ****
Alex Ward
Quintet
Copepod
O clarinetista e guitarrista britânico Alex Ward soltou no
ano passado alguns de seus mais bem acabados projetos, editados em dois álbuns.
O primeiro desses registros, Glass Shelves and Floor, traz Ward acompanhado de
um quinteto executando duas vezes a composição que intitula o álbum. A primeira
versão de “Glass Shelves and Floor” foi gravada
em estúdio, em 7 de março de 2014. A segunda é uma leitura ao vivo da peça, captada
no Vortex Jazz Club dois dias antes. Ao lado de Ward, estão Rachel Musson (sax
tenor), Tom Jackson (clarinete e clarone), Olie Brice (baixo) e Hannah Marshall
(violoncelo). Para essa formação camerística, Ward compôs pela primeira vez.
Trata-se de uma peça longa (31 e 35 minutos para cada versão), com partes
compostas e amplos espaços para improvisação, coletiva e solista. O resultado é
uma música quase de concerto, um tanto séria, com uma beleza sisuda em que
cordas e sopros criam momentos de densidade e lirismo, sem nunca perder o foco.
PROJECTED/ ENTITIES/ REMOVAL ****(*)
Alex Ward Trios and Sextet
Copepod
Projected/ Entities/ Removal é bastante diferente. Dividido
em três faixas, tem formações e resultados diversos. Projected abre o álbum com
um fulminante trio, formado por Ward, Rachel Musson e o grande baterista Steve
Noble – que tocou com Ward no Brasil em 2012. Aqui temos energy music de alta
voltagem, com sopros e bateria apresentando momentos de grande ebulição. O tom
muda no segundo tema, o mais sutil, e do qual Ward não participa; quem toca dessa vez é Hannah Marsall, Tom Jackson e Olie Brice. Sonoramente, o tema se mostra
mais próximo a “Glass Shelves and Floor” – e aqui funciona como uma espécie
de intermezzo. Para a última e mais extensa composição do disco, Removal, Ward
convocou o quinteto do álbum anterior, adicionando Noble. Dessa vez, podemos ouvir
Ward também à guitarra (apesar de seus
melhores momentos serem mesmo ao clarinete). A peça é bastante longa (43
minutos) e mostra talvez a plenitude da fase atual de Ward, na qual tem dado
ênfase a seu lado de compositor. “Removal” foi registrada ao vivo, na mesma noite em que “Glass Shelves and Floor” e marcou a estreia do Alex Ward Sextet.
SPAIN IS THE PLACE ****(*)
Tejero/ Webster/ Serrato/ Díaz
RawTonk
O trio de espanhóis formado por Ricardo Tejero (sax), Marco
Serrato (baixo) e Borja Díaz (bateria) – o “Sputnik Trio” – recebe como
convidado o saxofonista britânico Colin Webster para este novo projeto. E o
resultado é realmente intenso. Há energy music, há muita improvisação
criativamente livre, há diálogos intensos entre os saxes. Tejero e Webster são
saxofonistas de trilhas diferentes dentro do universo free, mas mostram grande
sintonia neste projeto. O baixo elétrico de Serrato e a quebradiça bateria de
Díaz são especialmente importantes para a sonoridade una e por vezes áspera e
ruidosa do quarteto – não se pode esquecer que os dois comandam a banda de doom
metal “Orthodox” e, de alguma forma, trazem elementos rock para cá. “El
Gordillo”, a mais longa do conjunto, também é a que traz o resultado mais
intenso, explosiva de ponta a ponta. Não ficam atrás “Carrión” e “Humilladero”,
ambas também em elevadíssima voltagem. A tensão apenas baixa na última faixa, “El
Cuervo”, que fecha com menos fogo esse álbum de alta combustão.
BLEED ***(*)
Webster/ Dunning/ Underwood
Adaadat
Com uma formação inusitada, Bleed traz uma sonoridade por
vezes densa e sombria. O trio aqui presente é Colin Webster (sax barítono), Sam
Underwood (tuba) e Graham Dunning (turntable, effects). Com essa mistura pouco
usual de timbres, eles criam 11 temas, em que a improvisação livre comanda as
atuações. “Dustbleedblip” e “Mootmiasmaballast” apresentam alguns dos melhores
momentos do conjunto, com sua pesada atmosfera doom. Há também temas mais ásperos,
como “Grapefleckserpent”, em que se nota o sax de Webster mais presente e vivo.
Apesar das interessantes possibilidades abertas pelo trio, talvez o trabalho
soe algo contido e é possível que apenas ao vivo eles consigam exibir todas as nuances
e investigações sonoras detalhistas que parecem querer explorar.
OUTGOING ****
François
Carrier/ Beresford/ Edwards/ Lambert
FMR Records
Os canadenses François Carrier (sax alto) e Michel Lambert
(bateria) têm desenvolvido uma intensa parceria há já alguns anos, registrada
em diversos álbuns. Aqui eles se unem ao baixista britânico John Edwards e ao veterano
Steve Beresford (piano, em três faixas). O encontro ocorreu no Vortex Jazz
Club, em Londres, em maio de 2014, e agora é editado. A parceria inédita nasceu
durante uma turnê que Carrier e Lambert fizeram pela Europa em 2014, que rendeu
também o álbum “Unknowable”, com Rafal Mazur. Este Outgoing traz mais de uma hora de música, dividida em
cinco temas, em que o quarteto apresenta improvisação livre de alta
inventividade, com o lirismo característico do sax alto de Carrier – que também
experimenta o oboé chinês em alguns momentos. A faixa título, que abre o disco, é um exemplar
perfeito da estética free-lírica de Carrier, à qual Edwards se integra com
perfeição. Tocando em duo com Lambert ou agregando outros parceiros, Carrier
tem criado uma obra bastante coesa, com uma sonoridade precisa e sem arestas.
TVA ****
Apuh!
Palsrobot Records
O jovem trio sueco Apuh!, que lançou seu disco de estreia (“Ett”)
em 2014, apresenta agora TVA. É notável o quanto Adrian Sellius (sax e
clarinete), Mats Dimming (baixo) e Hampus Ohman-Frolund (bateria) amadureceram seu
som em tão pouco tempo, no sentido de produzirem uma música mais aberta,
ambiciosa e focada. Dimming, por exemplo, toca piano em algumas passagens,
trazendo novos elementos ao som do trio – como mostra a intrigante “En snigels
liv”, em que o gotejante piano e o pulsar da bateria criam camadas hipnóticas
por entre as quais o sopro ecoa muito sutilmente. Apesar da sonoridade
contemporânea, em muito pelo toque da bateria, certa herança do free sessentista
pode ser sentida, apesar disso ser mais explícito no álbum anterior. Para
entrar no universo do Apuh!, nada melhor que começar pelo começo, pela faixa
que abre o trabalho e bem sintetiza sua sonoridade, “Hoppaloppa”. Editado em
K7, TVA mostra que esse trio ainda pode surpreender muito.
*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado na área
literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi
ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre
literatura e jazz para o Valor Econômico. Também colabora com o site português
Jazz.pt. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe
Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)