Ivo Perelman fechou 2015 com o lançamento simultâneo de mais três álbuns. Com isso, fez desse um de seus anos mais prolíficos, encerrando o
período com seis discos novos editados, todos pelo selo britânico Leo Records.
Parceiros que têm trabalhado ativamente com Ivo Perelman desde
meados de 2010 marcam novamente presença aqui. Matthew Shipp, Mat Maneri e Whit
Dickey foram convocados para essas sessões, registradas entre abril e julho de
2015. Uma coisa que se nota nessas gravações recentes de Perelman é a
velocidade com que têm surgido e chegado aos ouvintes: é como se o saxofonista
quisesse que sua produção atual em estúdio fosse apresentada com rapidez, ainda fresca. Complementary
Colors, Villa Lobos Suite e Butterfly Whispers formam o novo conjunto de
discos, que dialogam diretamente com o trio de álbuns editados em maio passado –
podemos vê-los inclusive em pares.
Novo duo com o pianista Matthew Shipp, Complementary Colors
se revela como uma extensão do genial Callas. Não apenas por registrar outro
encontro entre os dois instrumentistas, mas pela sonoridade apresentada aqui e
lá. Mais uma vez, o duo se reuniu no Parkwest Studios, no Brooklyn
novaiorquino. A sessão de Complementary Colors ocorreu em abril de 2015; as de
“Callas”, um pouco antes, em fevereiro e março, sempre com a gravação sendo
conduzida por Jim Clouse. Logo na faixa de abertura, “Violet”, vemos a
expressividade lírica explorada ao extremo em “Callas”. Mas vale frisar que,
como em toda fértil sessão de improvisação livre, os ânimos dos músicos nunca
são os mesmos e, consequentemente, cada álbum tem sua marca própria. O gatilho
de Perelman aqui não foi o universo da ópera, mesmo que sua declarada
inesperada paixão por Callas acabe por ter marcado sensivelmente sua
sonoridade atual. Como indica o título, Complementary Colors é um passeio por uma palheta de cores. Isso não é pouco se lembrarmos que Perelman é, além de
músico, pintor. Apesar de suas pinturas apresentarem muitas explorações em
preto e branco, cores também surgem em sua paleta. E cada uma das cores
presentes na pintura que compõe a capa do disco nomeia uma das faixas:
“Yellow”, “Blue”, “Red”, “Green”, “Magenta” e “White”. A sequência das faixas
traz a combinação dos tons, como se fosse um desenvolvimento expressivo do que
se apresentou antes. Temos, então: a faixa 1, como “Violet”; a faixa 2, como
“Yellow”; e a faixa 3, “Violet” and “Yellow”. E assim sucessivamente, até o
fecho com “White”, que completa o conjunto, sintetizando essa colorida elaboração.
Todavia, apesar de a estrutura final do álbum parecer altamente planejada, na
realidade Perelman manteve seu esquema de nomear o trabalho apenas depois de
concluído, o que pode ser surpreendente, dada a coerência interna que
encontramos ao buscar compreender um pouco mais a lógica que conduz o registro.
Captado um mês depois, em maio, Villa Lobos Suite é um
trio em que o sax tenor é acompanhado por duas violas, de Mat Maneri e de Tanya
Kalmanovitch – com esta, Perelman trabalha pela primeira vez. Na safra anterior
de discos, Perelman também apresentou um registro com duas cordas, “Counterpoint”,
lá ao lado de Joe Morris (guitarra) e do próprio Maneri. Mas aqui o produto é
distinto. Apesar do título, Villa Lobos Suite não traz nenhuma composição ou
citação à música de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), como ocorreu duas décadas
atrás, mais precisamente em 1994, quando Perelman entrou em estúdio com nomes
como Naná Vasconcelos, Cyro Baptista e Guilherme Franco, sob o olhar de Gunther
Shuller, e gravou “Man of the Forest”, explorando temas como “Veleiro”, “Rasga
o Coração” e “Prelúdio nº1” em uma visada free. O Villa-Lobos no título é
apenas uma homenagem ao grande compositor, importante para Perelman não apenas
por sermos brasileiros; o saxofonista estudou muito Villa-Lobos quando era
jovem e aprendia a tocar violão e violoncelo.
O álbum apresenta 10 temas relativamente breves, improvisações livres que
oscilam entre três e sete minutos, e que formam partes de um todo, feitas para
serem ouvidas sequencialmente – uma suíte, como indica o título. O irresistível
tom camerístico que marca o registro, com as duas violas soando tão precisas
que parecem estar sendo conduzidas por uma partitura, cria uma atmosfera
completamente distinta da de Complementary Colors. E não apenas por se tratar
de outros instrumentos: aqui o que temos é um outro universo expressivo.
O terceiro título, Butterfly Whispers, revela ainda uma
outra face sonora de Perelman. Em trio, uma vez mais ao lado de Shipp e do baterista Whit
Dickey, o saxofonista exibe sua voz mais áspera e impetuosa – parece mesmo que
a bateria “esquenta” as exibições do músico. Esse formato de sax-piano-bateria
foi explorado por Perelman pela primeira vez em “The Seven Energies of the
Universe”, gravado em 1998 com Joseph Scianni e Jay Rosen. A ele retornou em
“The Foreign Legion” (2012), com o próprio Shipp e Gerald Cleaver, e em “The
Clairvoyant”, com o mesmo trio que vemos agora. Butterfly Whispers apresenta 10
temas – coincidência ou não, todos os três novos álbuns trazem 10 faixas cada –
muito intensos. A primeira faixa, “Waiting”, sinaliza os rumos que conduzem o
álbum, com oscilações de temperatura, mas sempre tendo um grau elevado como
horizonte. Dickey, que soa idealmente pouco muscular, parece ir conduzindo
Shipp e Perelman pelos temas que se desenvolvem como se permeados pelo ritimo
da natureza, indicados por curiosos títulos: “Almost Spring”, “Wet Land”,
“Pollen”, “Secret Garden”... No segundo
tema, “Plowed Field”, por exemplo, Dickey dita sugestivamente o ritmo
inicialmente com o chimbal, como se comandasse a semeadura
do campo. Mas essas conjeturas são meras divagações, considerando que Perelman
nomeia suas peças apenas depois de registrá-las, sempre de forma improvisativa.
O saxofonista diz que este trio não se trata do duo com Shipp mais um
baterista. É um novo grupo, com novas propostas e soluções. E isso fica
bastante claro se ouvirmos o quão diferentes soam os diálogos de Shipp e
Perelman em Complementary Colors e em Butterfly Whispers. Sem dúvida, temos
aqui um grande trio e um grande álbum.
COMPLEMENTARY COLORS ****
Ivo Perelman/ Matthew Shipp
Leo Records
VILLA LOBOS SUITE ****
Ivo Perelman/ Mat Maneri/ Tanya Kalmanovitch
Leo Records
BUTTERFLY WHISPERS
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Ivo Perelman/ Matthew Shipp/ Whit Dickey
Leo Records
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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado na área
literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi
ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre
literatura e música para o Valor Econômico. Também colabora com o site
português Jazz.pt. É autor das liner notes dos álbuns “Sustain and Run”, de
Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo
Records)