Play it again... (novas variadas experiências sonoras)






Apanhado de novidades imperdíveis da free music.
Sons de todos os cantos, experiências em várias formas. 
Ouça, divulgue, compre os discos.







TO ROY ****(*)
Oliver Lake and William Parker
Intakt Records

Encontro inédito entre dois mestres da música criativa em homenagem a um terceiro, Roy Campell Jr. (1952-2014). Um diálogo irretocável, com momentos de muito lirismo e improvisações geniais. A música soa de forma fácil, com Lake ao sax alto e Parker alternando arco e dedilhado em seu baixo. “Flight Plan” e “Net Down” trazem as passagens mais ariscas do diálogo sax/baixo. Já “Light Over Still Water Paints a Portrait of God” talvez represente a síntese do conjunto, em que podemos ouvir os músicos mostrando várias faces de sua estética, com Lake alternando-se entre solos livremente construídos e pequenos temas emotivos, e Parker criando atmosferas hipnotizantes, especialmente quando empunha o arco.






EMERGE ****
Mary Halvorson / Stephan Crump
Intakt Records


O duo de cordas Secret Keeper é um dos projetos mais interessantes em atividade que conta com a participação da guitarrista Mary Halvorson. A seu lado está Stephan Crump (baixo), com quem cria uma música de difícil definição, com seu ar camerístico marcado por muita improvisação e composições de harmonias intrigantes. Neste segundo registro da dupla, há momentos realmente desafiadores aos ouvidos, como “In Time You Yell”, “Nakata” e a incrível “A Muddle of Hope”.








ARMS & HANDS  ***(*)
Kirk Knuffke
Royal Potato Family Records

Em meio aos vários projetos com que está envolvido, o cornetista Kirk Knuffke tem conduzido esse novo trio, ao lado de Mark Helias (baixo) e Bill Goodwin (bateria).  “Arms & Hands” é composto por 15 econômicos temas, que oscilam entre dois e seis minutos, que se revelam suficientes para Knuffke mostrar suas composições justas e diretas. Para o álbum, foram chamados três convidados. Brian Drye leva seu trombone ao tema de abertura, “Safety Shoes”. Também participam o sax soprano Jeff Lederer (“Chirp”) e o sax alto Daniel Carter (“Bright Light” e “Atessa”).
  





FLOWER STALK ****
Open Field + Burton Greene
Cipsela

Novo selo português dedicado à free music, o Cipsela traz dois grandes registros em sua estreia. Um deles é este encontro entre o jovem trio de cordas Open Field – Marcelo dos Reis (guitarra), José Miguel Pereira (baixo) e João Camões (viola) – e o lendário pianista Burton Greene. Nesta parceria entre gerações, a música surge fluida, sem arestas, com o quarteto deixando a improvisação guiar a construção coletiva. O respeito mútuo faz do piano uma quarta voz no Open Field, integrada, sem que a longa história de Greene no free o empurre a um espaço protagonista. O espírito coletivo, tão caro à música livre, conduz esse admirável encontro, que deságua em inspirados temas, alguns mais diretos, como “On the Edge”, outros mais contemplativos e detalhísticos, como “Rising Intensity for Alan Silva”.






LIVE AT MOSTEIRO de SANTA CLARA a VELHA ****(*)
Carlos Zíngaro
Cipsela

Pioneiro na cena portuguesa, o violinista Carlos Zíngaro está há cerca de quatro décadas fazendo grande música. Neste registro ao vivo captado em 2012, ele se apresenta sozinho e exibe toda sua técnica e inventividade em cinco temas. A desafiadora beleza da música de Zíngaro aqui exposta nos faz pensar nos mais de três séculos de criações para violino solo, cuja referência central são as partitas de Bach, às quais, em uma visada contemporânea, essas peças pouco devem em termos de complexidade e sedução. Um disco imperdível que deve figurar entre os destaques do ano.






DES PAS SUR LA NEIGE ****(*)
Eve Risser
Clean Feed


Depois de gravar com seu trio “En Corps”, um dos melhores discos de 2012, a pianista francesa Eve Risser aparece agora em gravação solo. E não decepciona, mantendo o mesmo encanto sedutor despertado antes. Utilizando técnicas espandidas, Risser gesta em seu piano uma gama de sons que ampliam a escuta, que fazem com que aguardemos ansiosos o próximo passo, a tacada seguinte. São três faixas (ou melhor, movimentos), de lento desenvolvimento, que se integram e formam um quadro coeso e dinâmico, de beleza singular.     







GALACTIC PARABLES: Vol. 1 ****
Rob Mazurek/ Exploding Star Orchestra
Cuneiform Records

Na comemoração dos 10 anos de sua Exploding Star Orchestra, o cornetista de Chicago Rob Mazurek edita este empolgante álbum duplo. Captado ao vivo em duas datas distintas, Galactic Parables apresenta uma sonoridade eletro-espacial, de ritmicidade contagiante e traços fusion, sem esquecer dos elementos que não negam a herança recebida de Sun Ra e do Art Ensemble of Chicago – como atesta a quentíssima faixa “The Arc of Slavery". A banda conta com habituais parceiros de Mazurek, a destacar Nicolle Mitchell, Chad Taylor e Jeff Parker. Os brasileiros Mauricio Takara e Guilherme Granado também marcam presença. Que venha o Vol. 2...




  


XIBALBA ***(*)
Vinnie Paternostro/ Michel Kristof
Muteant Sounds



Noise, drone, ambient, improvisação: o duo formado por Vinnie Paternostro e Michel Kristof cria neste Xibalba uma atmosfera densa e inquietante, com sax, guitarra, moog e drum machine. São cinco peças intrigantes, com “Clay Pots and Human Skulls” abrindo os trabalhos da melhor forma possível. “Existence in a Drak Place: One Death, Seven Death”, na sequência, é outro tema que merece ser apreciado repetidamente – provavelmente a melhor peça do duo. 








CASEBRE ***(*)
Cadu Tenório/ Eduardo Manso
QTV

Envolvidos com alguns dos projetos nacionais mais desafiadores, Cadu Tenório (Victim!, Sobre a Máquina) e Eduardo Manso (Bemônio) se unem para este novo registro. Música de ruídos, poderíamos logo dizer – mas pensando em ruído de forma ampla, utilizado de maneira inventiva, como som do nosso tempo, como desejava o italiano Luigi Russolo, pioneiro em exaltar, há um século, o papel do ruído no processo de criação musical. As cinco faixas trazem uma oferta ampla de variáveis sonoras dentro do que poderíamos esperar de um trabalho pertencente à esfera noise. Em uma ponta, "Rádio" traz os momentos mais ácidos, com sua guitarra em distorções múltiplas ferindo a escuta. Já a faixa-título, a mais extensa com seus 18 minutos, explora de forma mais cuidadosa e controlada as possibilidades de espacialização oferecidas pelo vasto espectro timbrístico gestado, em meio a climas ora etéreos ora soturnos.







THE LINE ****(*)
Luis Lopes Lisbon Berlin Trio
Clean Feed

Neste seu segundo título, o Lisbon Berlin Trio dá um passo além, trazendo um capítulo mais inflamado e urgente à sua música. O power trio liderado pelo guitarrista português Luis Lopes (com ele estão o baixista Robert Landfermann e o baterista Christian Lillinger, ambos alemães) destila uma energia sem retoques, centrada e direta. Pode-se falar em noise, rock, free, improvisação: todos esses elementos estão presentes, oscilando de uma faixa a outra. O disco abre com uma espécie de introdução, mais lenta e pontilhística (“Dark Suite – Prologue”), para depois a ruidosidade se espraiar pelas duas próximas faixas, fechando a sequência com “Dark Suite – Epilogue”. Entre essas duas pontas, está “Mother Snake”, que concentra os picos dissonantes do álbum, em um resultado que deveria deixar mestre Masayuki Takayanagi bem satisfeito. Já “Vertigo” busca outro caminho, com o seu circular tema de abertura e encerramento impregnando os sentidos, mostrando também a habilidade de Lopes quando decide compor.







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*o autor:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura, tendo se especializado na obra do escritor António Lobo Antunes. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; também foi correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre literatura e música para o jornal Valor Econômico