Uma inesperada paixão por Callas


ENTREVISTA  Em meio a um período bastante produtivo, o saxofonista Ivo Perelman lança neste mês três novos discos pelo  Leo Records. Merece especial atenção “Callas”, álbum duplo registrado ao lado do pianista Matthew Shipp em homenagem a mais celebrada das cantoras líricas. “A Callas se tornou uma obsessão nos últimos tempos”, disse Perelman.



Por Fabricio Vieira


Perelman deve estar no Brasil no fim do ano, quando apresentará uma exposição de seus quadros em São Paulo, na galeria Arte Aplicada. Há alguma chance dele tocar também na ocasião, mas nada certo ainda – levantou-se a possibilidade de trazer nada menos que Matthew Shipp para se apresentarem em duo...




FF: Você está lançando novos álbuns pelo Leo Records... 
"Sim, são dois duos, um com o pianista Matthew Shipp, chamado “Callas”, e outro com o baterista Whit Dickey, “Tenorhood”.  Há ainda um terceiro registro, “Counterpoint”, com Joe Morris na guitarra e Mat  Maneri  na viola."


FF: O título “Callas” tem algo a ver com a cantora lírica Maria Callas? 
"Isso, é uma homenagem a ela. A Callas se tornou uma obsessão nos últimos tempos, é uma história longa, relacionada a um problema de saúde que tive."
  

FF: É aquele antigo problema no braço com o qual você sofreu alguns anos atrás? 
"Não, desta vez foi a garganta. Começou há mais ou menos um ano, algo assim. Eu estava tendo muitas dores no pescoço, especialmente após tocar. Mas o que começou a me preocupar mesmo foi quando passei a notar um sangramento na garganta, era uma época em que estava fazendo intensos estudos focados nos agudos... Isso me levou ao médico, que constatou uma lesão similar às que os cantores líricos têm. Descobri assim que a resposta fisiológica dos saxofonistas está próxima da dos cantores. E acabei me tratando como se fosse um cantor e, no final, decidi fazer aulas de canto, o que acabou ajudando a aperfeiçoar minha técnica de respiração. Saí dessa crise com um bônus, um controle extra da respiração."


FF: E como a Callas entra nessa história? 
"Enquanto estudava canto, passei a ouvir ópera com maior atenção e acabei me focando no trabalho da Maria Callas. Passei a ouvi-la cantando o tempo todo, surgiu uma inesperada paixão pelo trabalho dela, essa artista que em seu auge dava tudo que podia pela música, uma entrega total. Tenho colocado os discos dela e improvisado em cima, estudo seus andamentos, vibrato... Tem sido um fator de crescimento enorme, comprei partituras de árias, me concentro muito na respiração dela, é incrível."


FF: É nesse contexto que surge o disco? 
"Exatamente. Entrei no estúdio com o Matthew Shipp, faz pouco tempo, isso foi em março, começamos a improvisar e ele disse que sentiu que algo mudou na minha maneira de tocar, sem saber como tinham sido meus últimos meses. O álbum será duplo, com uns 40 minutos cada, não é muito extenso. Virou duplo mais por uma questão de coerência: cada um traz uma sessão, que ficaram bem diferentes. E o nome do disco não poderia ser outro, Callas."


FF: O outro duo, com o baterista Whit Dickey, também é uma homenagem? 
"Sim, a saxofonistas que foram importantes para mim.  Por isso o nome “Tenorhood”. Cada faixa é dedicada a um deles: Albert Ayler, Coltrane, Sonny Rollins, Hank Mobley... Acabaram sendo dois discos-tributo, mas foi uma coincidência, nada planejado, um soa bem diferente do outro. É curioso que o problema de saúde que tive tenha ficado exatamente no período entre as gravações, então realmente devo estar soando diferente em cada um dos discos."


FF: Se olharmos seus últimos álbuns, encontramos também outros duos. Além desses que estão para sair, no ano passado você lançou um duo com o Mat Maneri (“Two men walking”) e outro com o Karl Berger (“Reverie”). O formato tem interessado você especialmente nesses tempos? 
"É verdade, não sei dizer, acho que é coincidência mesmo. Mas é interessante notar que os duos surgem para mim sempre em momentos de mudanças e pesquisas mais intensas. Esse formato se mostra muito interessante, sou apenas eu e o outro músico, o diálogo fica mais escancarado, aberto, talvez seja esse o motivo de tantos duos recentes."


FF: E o terceiro disco? 
"É o “Counterpoint”, com Joe Morris, na guitarra, e Mat Maneri, na viola. Como aponta o título, há uma interação contrapontística intensa ocorrendo o tempo todo, mesmo nas faixas mais tranquilas. Já havia gravado com o Joe na guitarra em dois trabalhos anteriores, um com Gerald  Cleaver, “Living Jelly”,  e outro no qual eu toco  violoncelo, “Strings”. E essa formação de sax/guitarra/viola já havia  sido  explorada  por Joe e Mat juntos ao grande  Joe  Maneri, no  estupendo “Three  man walking”. Mas Counterpoint vai surpreender muita gente, pois oferece soluções estéticas muito interessantes."


FF: Como anda seu trabalho como pintor?
"Tenho pintado bastante, acho que estou entrando em um momento de intensificação do meu lado de artista plástico, isso acontece de tempos em tempos. Essa relação com outro campo artístico sempre acaba trazendo novas perspectivas para meu trabalho como saxofonista. Eu devo apresentar uma exposição de quadros meus no Brasil no fim do ano, lá para novembro." 





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*o autor:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura, tendo se especializado na obra do escritor  António Lobo Antunes. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; também foi correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre literatura e música para o Valor Econômico