Jazz al Sur: novidades argentinas



A Argentina tem um relacionamento bastante antigo e profundo com o jazz. Não à toa, o país exibe uma cena jazzística intensamente vibrante e inventiva, com músicos de diversas vertentes e gerações atuando em paralelo. Infelizmente esse manancial criativo não tem tido no exterior a repercussão que merece – pior: por aqui, pouco se fala ou se interage com o jazz argentino, feito tão proximamente...



 
Para ilustrar um pouco do que acontece na cena jazzística atual argentina, selecionamos alguns títulos lançados nos últimos tempos que merecem ser descobertos e apreciados...




Atonalismo de Bar  ****
Proyecto Teo Cromberg
Independente


O pianista e compositor Teo Cromberg une composição e improvisão neste sedutor álbum de grande inventividade. Utilizando elementos composicionais da música erudita contemporânea conjugados à improvisação livre, Cromberg desenvolve uma linguagem bastante particular, que oscila entre extremos como a explosiva “Esto no tiene nombre III” e a soturnamente lírica “Los Pájaros”, que traz encantatórias  vocalizações. Vozes também aparecem, em outro formato, nas duas “Endecha”, que trazem textos de “El Infierno Musical”, da poeta Alejandra Pizarnik.  






Leche Entera  ****
Juan Pablo Arredondo Trío
Sello Cabello

A Argentina sempre foi um celeiro de guitarristas e, sem dúvida, Juan Pablo Arredondo é um dos mais intensamente criativos nomes a surgir nessa seara. Presente em muitos importantes trabalhos realizados no país neste século, Arredondo mostra mesmo todo seu potencial quando está comandando seu trio, que mantém há mais de uma década. Ao lado de Jerónimo Carmona (baixo) e Carto Brandán (bateria) gravou este “Leche Entera” em meados de 2013. O álbum é bem característico do fazer de Arredondo, com suas intrincadas composições labirínticas marcadas por inventivos improvisos e diálogos fraturados entre os três instrumentos. Um disco para ser ouvido de uma vez, sem pausas.    







en Vivo en Virasoro Bar  ***(*)
Pablo Díaz Quinteto
Independente


Pablo Díaz faz parte da nova geração que tem alimentado a vivacidade da cena argentina. O baterista, que toca há anos com o trio do cornetista Enrique Norris, tem agora lirado seus próprios grupos, como esse excelente quinteto, com o qual registrou esse disco ao vivo no fim de 2014, no pequeno palco do Virasoro Bar, espaço destacado para o jazz mais livre feito por lá. Os temas de Díaz são marcados por um desenvolvimento arrastado, sem pressa de dizer a que vieram, sempre gerando uma tensão crescente e envolvente. A participação da pianista Paula Shocron dá brilho extra a temas como “Perro Vecino” e “Antitónica”.           






Surya  ****
Paula Shocron
Kuai Music

Em uma terra de brilhantes pianistas, Paula Shocron vai se revelando como figura obrigatória. A pianista de Rosario, que lançou seu primeiro disco em 2005, tem a cada novo título mostrado o porquê de ser uma artista que deve ser acompanhada com atenção. Compositora e solista de grande competência, tem concentrado seu trabalho em pequenas formações, do solo ao trio. Neste seu mais recente registro, exibe ao lado do baixista Juan Bayon e do baterista Bruno Varela a amplitude de seu trabalho, em meio a composições próprias e releituras de temas menos óbvios – como “What’s your sorry, morning glory?”, de Mary Lou Williams. Indo de temas mais swingados (“Nuevos Recuerdos”) a criações mais abstratas (“XXI”), passando até por momentos que remetem ao melhor spiritual jazz (“Surya”), Shocron apresenta aqui talvez seu melhor trabalho, música vital que merece ser descoberta e apreciada por mais gente.





Abierto por Reformas  ***(*)
Norris Trío
Independente

O cornetista Enrique Norris é um dos nomes fundamentais da música feita na Argentina. O veterano músico tem apostado nos últimos tempos em seu trio, com o qual, acompanhado por baixo (Maximiliano Kirsner) e bateria (Pablo Díaz), edita esse “Abierto por Reformas”. Gravado na Casa Frida, em Buenos Aires, no fim de 2013, o álbum apresenta o por vezes contemplativo free de Norris, que não chega a se estruturar de forma “Totalmente Libre” (como diz o título da faixa que abre o disco). Norris gosta de criar sutis temas, por meio dos quais deixa a improvisação fluir; vale destacar “La respuesta que sobraba” e a balada “Labemor". Norris também exibe um pouco de sua faceta de pianista na faixa “Rododendros”.






Sinancla  ***(*)
Tatiana Castro Mejía
Independente



Nascida na Colômbia, Tatiana Castro Mejía se radicou em Buenos Aires e tem sido uma das vozes novas a fazer a cena local. Para este seu novo trabalho, a pianista convocou uma interessante formação (trombone, flauta, baixo e bateria), com a qual revisita temas de Eric Dolphy ("Hat and Beard") e Carla Bley ("King Korn"), em meio a composições próprias. “Sinancla” pode não soar tão cativante quanto seu disco anterior (“Ciclos”), mas tem momentos inspirados que bem exibem a inventividade de Tatiana Mejía.






Control  ****
Juan Bayon
Kuai Music

O baixista Juan Bayon mostra com esse seu segundo disco a maturidade de seu jazz contemporâneo. Temas bem arquitetados fazem com que a inusitada formação – baixo, bateria e quatro saxofonistas – nunca soe caótica ou despropositada. “Rupturas” é um bom exemplo de como a organização dos espaços dos saxes no contexto das peças é fundamental para o sucesso das composições de Bayon – importante frisar: não se trata de free jazz aqui. O álbum é perspassado por um tom denso, mas sem nunca ser explosivo, com solos econômicos e temas simples. “El Límite de la Conciencia” e “Invisible” trazem alguns dos melhores momentos, para os quais a bateria de Fran Cossavella é fundamental.






Orillas  ****(*)
Ledesma/ Angelillo/ Hurtado/ Misa
Cielo Arriba

“Orillas” é um cuidadoso projeto desenvolvido por esse quarteto formado por alguns dos mais criativos músicos argentinos: Pablo Ledesma (saxes), Mono Hurtado (baixo), Pepe Angelillo (piano) e Martín Misa (bateria). O álbum traz dezesseis temas nos quais os instrumentistas se revezam em variadas formações possíveis: bateria e sax; piano e bateria; baixo e sax; piano, baixo e sax; e assim por diante, em variações de duos e trios – o quarteto mesmo toca junto em apenas cerca da metade dos temas. Dessa forma, criam-se possibilidades acústicas múltiplas, sendo a improvisação livre o veículo central que conduz esses encontros. Momentos mais líricos dividem o protagonismo com passagens mais intensas, mas sem nunca chegar a se portar propriamente como “energy music”. O viés contemplativo dessa criação fica mais explícito para quem tiver em mãos o caprichado álbum: cada tema é ilustrado, no livreto, por uma imagem feita pelo fotógrafo Argamonte, realizadas em Argentina, Chile, Brasil e Uruguai. Um trabalho para ser apreciado atentamente.