Falar em free music e não pensar imediatamente na Europa é impossível. O continente assumiu posição central nessa seara musical a partir do fim da década de 1960 e sua relevância apenas cresceu, tornando-se um polo vital desde então. Basta notar que alguns dos ícones maiores da free improvisation vêm exatamente da Europa: Peter Brotzmann, Evan Parker e Han Bennink, por exemplo, estarão no topo da lista de qualquer um que se interesse por essa esfera musical.
A história do free jazz se liga ao continente europeu de
diferentes formas. Em meados dos anos 60, foi lá que os free jazzistas
americanos encontraram talvez o público mais interessado no trabalho radical
que desenvolviam. Não à toa, no fim daquela década alguns dos maiores nomes do
gênero se mudaram dos Estados Unidos para o outro lado do Atlântico: Frank Wright, Anthony
Braxton, Noah Howard, Roscoe Mitchell e o AEOC, Muhammad Ali, Alan Silva, todos
se estabeleceram na Europa e ajudaram a fomentar a cena local. Na virada dos
anos 60 para os 70, países como Alemanha, Inglaterra, Holanda, França, Suíça e Suécia viram nascer uma destacada geração que revolucionaria os rumos
abertos pelo free jazz norte-americano. Além dos citados Brotzmann, Parker e Bennink,
outros nomes vitais como Alexander von Schlippenbach, Fred Van Hove, Peter
Kowald, Derek Bailey, Gunter Hampel, Willem Breuker e Sven-Ake Johanson
surgiram naquele período e deram vida a novas possibilidades sonoras.
É esse pulsante cenário do free europeu, de suas origens até
seu estabelecimento, que o pesquisador Mike Heffley desvenda no livro Northern
Sun, Southern Moon: Europe’s Reinvention of Jazz. Professor da Wesleyan
University, Heffley é mais conhecido por outra relevante obra, "The Music of
Anthony Braxton". Mas essa investigação sobre a cena europeia não fica atrás em
importância para a historiografia crítica dessa forma radical de conceber e realizar música.
Heffley defende que a free music europeia nasceu com um pé no
free jazz norte-americano, mas buscou e logo encontrou novos rumos para os desafios estéticos inerentes a essa forma de criação artística. Para sustentar suas teses, o
autor faz um resgate histórico da música no continente, sempre atento aos
contextos social, cultural e mesmo político, onde surgiu toda uma geração genial que
ofereceu uma nova visão da música instrumental e da liberdade criacional e interpretativa.
O denso estudo é dividido em três extensas partes: “Emancipation
I: From Hierarchy”; “Emancipation II: To Panarchy”; e “Emancipation III: The
Archaic Freedom”, nas quais o autor opta por se focar em músicos e locais
específicos (além das regiões mais tradicionais de onde brota o free europeu, ele
destaca a Tchecoslováquia, a Rússia e a Polônia), desenvolvendo sua história de
forma não linear, rondando períodos e músicos centrais para apresentar sua visão
sobre a free improvisation europeia e suas particularidades. Em capítulos como “The
free world beyond America” e “Now is the Time”, Heffley discute influências,
diálogos e inovadoras possibilidades estéticas surgidas na Europa que,
posteriormente, influenciariam e realimentariam a cena originária dos Estados
Unidos.
Para quem quer aprofundar sua percepção e conhecimento da
free music europeia, tão presente para quem acompanha a música livre contemporânea,
esse Northern Sun, Southern Moon: Europe’s Reinvention of Jazz é um título
fundamental, repleto de informações e discussões bastante instigantes.
Diz o
autor na introdução: “European jazz had always labored in the shadow of its
African-American parent. Under the latter’s free jazz shadow, however, some
European musicians grasped the spirit of that parentage fully enough to free
themselves from the role of slavish imitators, to iniciative new approaches and
sounds appropriate to their own personal and collective lives (…). These are
the musicians of our focus, the voices in this pan-European network of what came
to be called in the German-language press the erste Stunde (first hours) of
Europe’s Emanzipation from American jazz”.
"Northern Sun, Southern Moon: Europe’s Reinvention of Jazz"
Autor: Mike Heffley
Yale University Press (2005)
English, 390 pag.
Yale University Press (2005)
English, 390 pag.
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*o autor:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura, tendo se especializado na obra do escritor português António Lobo Antunes. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; também foi correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre literatura e jazz para o Valor Econômico.