Mary Halvorson: O desafio de tentar manter uma voz particular em tudo



ENTREVISTA  Quando foi anunciada a vinda de Anthony Braxton ao Brasil, no mês passado, logo veio a pergunta: quem vem com ele? Para alegria de muitos, no grupo de Braxton estava a guitarrista Mary Halvorson. Além dos dois concertos que protagonizou com o Diamond Curtain Wall de Braxton, a guitarrista de NY ainda protagonizou show solo no CCSP. Mary, que vive um período especialmente criativo, conversou com o FreeForm, FreeJazz.






Por Fabricio Vieira



FF: Como foi a experiência de tocar no Brasil, onde você se apresentou em concerto solo e com o quarteto do Anthony Braxton?

Mary Halvorson: “Incrível. Sempre quis ir ao Brasil e essa foi a primeira oportunidade que tive de tocar aí. Apesar de eu ter passado pouco tempo em São Paulo, adorei a energia da cidade e conheci muita gente bacana. O público foi caloroso e receptivo e tivemos realmente momentos fantásticos.



FF: Você tem tocado em uma variedade grande de projetos, com muitos músicos distintos. De que forma sua sonoridade muda (ou não) de uma parceria a outra?

Mary: “Em cada diferente grupo com que toco tento adentrar sua música, descobrir o que necessita de minha guitarra. Dessa forma, minha pegada pode variar bastante de um grupo a outro. Isso pode acontecer de forma sutil, absorvendo coisas de diferentes estilos ou adentrando a música com uma energia distinta. O desafio para mim é tentar manter uma voz particular em tudo que faço.



FF: Você tem uma sonoridade bastante particular. Como vê seu som evoluindo em sua trajetória?


Mary: “Gradualmente… e espero estar ainda evoluindo. Eu experimento muito. E tive a sorte, quando ainda jovem, de ter dois importantes professores: Anthony Braxton e Joe Morris. Ambos realmente me incentivaram a explorar e tentar encontrar novas sonoridades no meu instrumento. Eu escrevo muitos exercícios para guitarra e acho que essa é uma ótima maneira de reforçar e desenvolver ideias que já traz dentro de você.



FF: Queria falar sobre seu processo composicional. A improvisação é uma forma para se chegar à composição?

Mary: “Exatamente. Normalmente eu começo a compor apenas improvisando livremente na guitarra. Eu tento chegar a uma espécie de ‘semente’, uma pequena ideia que possa utilizar para começar a construir uma composição. Para mim, essa é a parte mais difícil; mas uma vez que brote essa ideia, eu componho muito rapidamente e sempre improvisando. Tento pensar o menos possível, deixo apenas fluir. Acho que é por isso que as peças às vezes terminam em lugares diferentes de onde começaram.


FF: Que músicos foram decisivos para decidir se tornar uma guitarrista e fazer esse tipo de música?

Mary: “Quando comecei a tocar guitarra, Jimi Hendrix era minha grande inspiração (e ele continua me inspirando até hoje). Já os primeiros guitarristas de jazz que realmente me tocaram foram Wes Montgomery e Jim Hall. Miles Davis, John Coltrane, Thelonious Monk, Charles Mingus e Ornette Coleman foram os primeiros jazzistas que ouvi e eles foram músicos que realmente me empolgaram para estudar música. A partir daí, eu abri [minha visão] e comecei a escutar todo tipo de coisas.  


FF: Quando se depara com alguém que não conhece seu trabalho, como define ou explica o que faz como artista?

Mary: “Isso depende com quem eu esteja falando. Acho que acabo dizendo uma coisa diferente a cada vez. Se minha avó perguntar [o que toco], eu digo que é jazz. Se um músico qualquer perguntar, eu posso dizer que é experimental ou avant-garde jazz ou mesmo que toco diversos estilos de música...



FF: Seu grupo People lançou um saboroso novo álbum, 3xaWoman. Como anda esse seu projeto rock? De que forma passou a cantar?

Mary: “People foi formado em 2003 e, apesar de não tocarmos sempre, é um projeto muito importante para mim. No começo, a banda era um duo, eu e o baterista Kevin Shea. Na época, Kevin vinha escrevendo todo tipo de bizarros contos/poemas/letras e eu achei que seria divertido musicar esses textos. A princípio, eu esperava que o vocal fosse feito por outra pessoa, mas depois ficou meio complicado interligar isso com as partes da guitarra [que eu compunha] e concluí que seria mais simples se eu mesma cantasse. Eu não sou de nenhuma forma uma boa cantora, mas acho que fica bem ajustado à estética da banda, que é bastante áspera e rude. ‘3xaWoman’ é nosso terceiro álbum e é o primeiro que gravamos com o baixista Kyle Forester e traz ainda arranjos para sopros feitos pelo Peter Evans. É possível que o People venha a excursionar em algum momento, mas não temos nada de concreto em vista.





FF: Fora de suas obrigações profissionais, o que tem ouvido nesses tempos?


Mary: “Às vezes, música nenhuma! Mas isso muda muito, eu tenho fases. Recentemente estive ouvindo muito Elliot Smith. Tenho também dado atenção à nova música da (pedal steel) guitarrista Susan Alcorn e do trompetista Ambrose Akinmusire.


FF: O que vem por aí para Mary Halvorson?


Mary: “Lançarei no dia 7 de outubro uma gravação, em quarteto, chamada Reverse Blue, que traz Chris Speed (sax tenor e clarinete), Eivind Opsvik (baixo) e Tomas Fujiwara (bateria). Em novembro pretendo gravar um disco de guitarra solo, para ser lançado em 2015. Para o próximo ano também haverá uma extensa turnê com Anthony Braxton, por conta da celebração dos seus 70 anos.




 



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*Photos: Peter Gannushkin (http://downtownmusic.net/)

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*quem assina:
Fabricio Vieira é jornalista e fez mestrado em Literatura e Crítica Literária. Escreveu sobre jazz para a Folha de S.Paulo por alguns anos; foi ainda correspondente do jornal em Buenos Aires. Atualmente escreve sobre livros e jazz para o Valor Econômico. É autor de liner notes para os álbuns “Sustain and Run”, de Roscoe Mitchell (Selo Sesc), e “The Hour of the Star”, de Ivo Perelman (Leo Records)