Quem se interessa pelo mundo da free music há muito ansiava
pela vinda de Anthony Braxton ao país. Em 2007, o músico esteve aqui ao lado,
em Buenos Aires, mas não cruzou a fronteira... Nesse tempo, vimos passar por nossos
palcos alguns dos nomes centrais do free: Ornette Coleman, Brotzmann,
Vandermark, Gustafsson, Joe McPhee, Roscoe Mitchell, Nilssen-Love, Pharoah
Sanders, Sabu Toyozumi, Phil Minton, Archie Shepp, Han Bennink, John Zorn...
Faltava Braxton.
Agora, finalmente, é chegada a hora de apreciarmos Braxton ao
vivo...
(por Fabricio Vieira)
(por Fabricio Vieira)
Anthony Braxton é uma das mentes musicais mais inventivas da
segunda metade do século XX. Explorar a obra deste saxofonista e compositor,
nascido em Chicago em 1945, significa adentrar um campo no qual o jazz, o free
jazz, a improvisação livre e a música erudita contemporânea realizam
intercâmbios inesperados e conexões improváveis em nome da ebulição de sons de
expressão singular. Não se navega por sua discografia, que conta com mais de
200 álbuns editados como líder e colíder, afora diversas colaborações outras, sem certos
entraves e sobressaltos. Não são todos que irão se interessar por todas as
facetas dessa obra múltipla e, não raro, é possível ocorrer de sair em busca de
algo que soe de certa forma e se deparar com uma coisa completamente distinta –
imagine alguém que descubra a música de Braxton pelo seu quarteto dos anos
80/90 com Marilyn Crispell e Gerry Hemingway e, à procura de mais daquela
maravilha, caia sem sobreaviso em seus duos com Richard Teitelbaum?
Para compreender a multiplicidade de Braxton é importante
acompanhar seus passos quando jovem. O músico se iniciou no sax alto, seu
instrumento central, na adolescência, época em que foi descobrindo e se
envolvendo com o mundo do jazz. Nesse ponto foram fundamentais as aulas que
passou a ter, entre 1959 e 1963, com Jack Gell, do Chicago Music College. Gell o
apresentaria à sonoridade de músicos “cool” que logo estariam entre seus
favoritos de então, em especial Lennie Tristano, Lee Konitz e Warne Marsh, além do
saxofonista de Dave Brubeck, Paul Desmond, que logo se tornaria uma referência. Braxton não mergulhou de pronto no universo do free.
A primeira impressão que teve ao ouvir a música nova que os pioneiros Ornette
Coleman e Cecil Taylor gestavam foi de estranhamento. Em meados dos anos 60,
“eu estava tentando decidir se gostava daquilo [de Ornette e Cecil]”, disse em
entrevista a Ronald Radano. Quem despertaria de fato seu interesse pelo
universo do free nascente seria Roscoe Mitchell, saxofonista cinco anos mais
velho com quem travaria amizade a partir de 1963. Braxton conta que quando
conheceu Roscoe ficou assustado com o fato dele já ser, apesar de jovem, “uma espécie de deus”
para o pessoal que tocava na área; todos paravam e ficavam em silêncio para
ouvi-lo. Ao escutá-lo solando pela primeira vez, em uma linguagem muito pessoal
e livre, compreendeu o que se passava: “Ele já era um músico. Eu, apenas um
estudante com uma boa técnica”.
(Anthony Braxton Trio, com seu antigo parceiro George Lewis
no trombone, 1985)
O jovem instrumentista continuaria seus estudos na Roosevelt
University, onde teve aulas de composição, teoria musical e filosofia. Mas logo
a entrada para o Exército o afastaria da cena por uns tempos. Curiosamente, seria
na Coreia do Sul, enquanto servia e tocava na banda militar, que Braxton de
fato mergulharia no universo da música de vanguarda. Em suas horas de folga,
longe de casa, Braxton passou a (re)ouvir com atenção discos inovadores que antes não o seduziram e, com
os ouvidos um pouco mais abertos pelo som de Roscoe, aos poucos acabou por adentrar de fato o universo de Ornette, Ayler e Coltrane. Foi também nesse
período que se deparou com outra influência crucial em sua trajetória: Arnold
Shoenberg, que sinalizou para ele as possibilidades infindáveis abertas pelo
atonalismo. Quando retornou a Chicago, em 1966, sua percepção musical era muito
mais ampla e foi assim que entrou para a AACM, levado por Roscoe. Com novas
ideias em mente e vivenciando um dos ambientes artísticos mais estimulantes de
então, Braxton foi gestando sua própria linguagem, que logo seria registrada.
Em março/abril de 1968, gravaria seu primeiro álbum, "3 Compositions of New
Jazz”, e logo depois o seminal “For Alto”, disco para saxofone solo que
sedimentaria um dos formatos mais relevantes da free music, explorado pela
maioria dos grandes saxofonistas no futuro.
Apesar de o sax alto ser seu instrumento central, Braxton
dedicou-se e dominou toda a família dos saxofones e do clarinete, além da
flauta. Em suas gravações e concertos, é comum vê-lo tocando uma variedade
desses instrumentos – exceção a suas apresentações solos, nas quais costuma se
concentrar apenas no sax alto. Em algumas raras ocasiões, gravou também tocando
piano – curioso notar nesse ponto que sua “Composition 1” é para piano solo.
Desde o início de sua carreira, Braxton buscou marcas, além das sonoras, que identificassem sua obra. Um traço característico é o fato de costumeiramente titular suas peças apenas com “Composition”, acrescido de um número e, por vezes, uma letra –exemplo: “Composition 40 F” ou “Composition 6 C”. Esse processo de identificação e racionalização do trabalho é interessante para catalogar a obra, porém, menos versátil para os ouvintes memorizarem o título do que estão escutando. Outro ponto interessante é a notação gráfica própria – como já haviam feito John Cage e Karlheinz Stockhausen, dois artistas importantes em sua formação – que utiliza na elaboração de muitas de suas composições. Se a improvisação é parte relevante do processo de Braxton, a composição está na base de seu trabalho. E é nessa junção que sua obra floresce.
Claro que a imagem de vanguardista-intelectual associada a Braxton
(que gostava de fumar cachimbo e jogar xadrez, como destacado na capa da revista
Jazz.Hot, em 72) nunca agradou a todos. Não faltaram detratores a rotularem
sua obra de hermética ou mesmo estéril. Mas isso nunca trouxe entraves ou isolamento para ele,
que não passou um ano sequer sem gravar desde que estreou em disco em 67, no
álbum “Levels and Degrees of Light”, de Muhal Richard Abrams.
Outros formatos muito presentes na obra de Braxton são os
duos (notadamente ao lado de baixo, piano ou outro sopro) e os concertos solistas.
Acompanhado apenas de seu sax alto, o instrumentista gravou discos fundamentais
como “Saxophone Improvisations Series F” (72), “Alto Saxophone 1979”, “19
(Solo) Compositions” (88) e “Solo Willisaw” (07). O trabalho de Braxton também
abarca grandes formações; além das big bands para as quais escreveu e conduziu, ele criou trabalhos ambiciosos e
únicos como “For Four Orchestras”, “Composition No. 173” (para orquestra, quatro
atores e projeção de vídeo) e a série operística “Trillium”.
Se inovação é a palavra de ordem na obra braxtoniana, não se pode ignorar também a relevância da tradição jazzística em sua trajetória. O músico jamais se esqueceu de sua formação primeira no jazz e mostrou isso em vários projetos e gravações destinadas a revisitar esse universo – à sua maneira, claro. Aqui estão os registros em que relê standards jazzísticos ou revisita a obra de nomes maiores do gênero. Tal exploração teve início com “In The Tradition” (74) e prosseguiu com “Seven Standards” (85) e “23 Standards” (2003), tendo seus grandes momentos em “Six Monk’s Compositions” (87) e “Charlie Parker Project” (93). Nesse aspecto, vale mencionar também a gravação que fez em 74, “All The Things We Are”, com o pianista Dave Brubeck.
Se inovação é a palavra de ordem na obra braxtoniana, não se pode ignorar também a relevância da tradição jazzística em sua trajetória. O músico jamais se esqueceu de sua formação primeira no jazz e mostrou isso em vários projetos e gravações destinadas a revisitar esse universo – à sua maneira, claro. Aqui estão os registros em que relê standards jazzísticos ou revisita a obra de nomes maiores do gênero. Tal exploração teve início com “In The Tradition” (74) e prosseguiu com “Seven Standards” (85) e “23 Standards” (2003), tendo seus grandes momentos em “Six Monk’s Compositions” (87) e “Charlie Parker Project” (93). Nesse aspecto, vale mencionar também a gravação que fez em 74, “All The Things We Are”, com o pianista Dave Brubeck.
Não bastasse toda essa gama de trabalhos como compositor e
multi-instrumentista, Braxton é um reconhecido professor (Weslyan University; Mills
College) e publicou um importante livro, “Tri-AxiumWritings”, no qual desenvolve
suas teorias musicais e filosóficas. Sua obra hoje tem sido organizada e
preservada pela “Tri-Centric Foundation”, uma organização que tem, dentre
outras tarefas, resgatado e editado gravações perdidas e bootlegs do músico,
ampliando ainda mais sua prolífica discografia.
Por tudo isso, quem se interessa por música viva e criativa
não deveria deixar passar a oportunidade única de ver Anthony Braxton ao vivo...
“I know I’m an African-American, and I know I play the
saxophone, but I’m not a jazz musician. I’m not a classical musician, either. My
music is like my life: It’s in between these areas.” (Anthony Braxton)
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"ANTHONY BRAXTON - Diamond Curtain Wall Quartet"
*Onde: Teatro / Sesc Pompeia (SP)
*Quanto: R$ 25 a R$ 50