Ele completou 87 anos de idade há pouco. E pela primeira vez
tocará no Brasil.
Phil Cohran, trompetista e compositor nascido no Mississippi
em 8 de maio de 1927, vem de Chicago para mostrar um pouco de sua trajetória de seis décadas
dedicadas à música livre em duas apresentações solo, nos próximos dias 28 e 29,
em São Paulo.
Kelan Philip Cohran (como tem assinado nos últimos tempos)
começa sua história musical em St. Louis, onde cresceu e se formou como
trompetista. No ano de 1950, tem sua primeira experiência de maior relevo como
músico, quando assume o trompete na swingante banda de Jay McShann, com a qual
tem a oportunidade de excursionar e interagir com instrumentistas de maior
bagagem – conta-se que até Charlie Parker se apresentou com a banda certa vez.
O próximo grande passo viria pouco depois, quando se muda para Chicago, que se
tornaria seu lar definitivo. Lá, em Chicago, encontraria sua verdadeira
voz artística. Nesse percurso, fundamental foi a amizade com o saxofonista John
Gilmore (1931-1995), com quem montou um pequeno combo em meados dos anos 50, parceria
que abriu as portas ao mais importante episódio em seu percurso até então: o
encontro com Sun Ra (1914-1993).
“Nada realmente [grande] aconteceu até eu me encontrar com
Sun Ra...”, disse Cohran em entrevista à “The Wire”. Levado por Gilmore, que já
havia entrado para a Arkestra, para participar de algumas gigs, Cohran logo
estaria tocando no grupo de Sun Ra, experiência que se estenderia de 1959 a
1961. “Aquilo abriu meu mundo como compositor. Eu já havia escrito algumas
peças de valor antes de encontrá-lo, mas ele me ensinou uma coisa que realmente
fez toda diferença na minha vida, que é: o que você desejar fazer, faça em
tempo integral. Uma vez aprendido isso, não tinha como voltar atrás.”
Com o grupo de Sun Ra (que na época costumava se apresentar como
‘Myth Science Arkestra’), Cohran gravou alguns destacados títulos daquela fase, como
“Angels and Demons at Play” e “Interstellar Low Ways”. Nesse período, suas ideias começaram a extrapolar o trompete, o que o levou a testar instrumentos com sons menos usuais, que passariam a acompanhá-lo desde então,
como o zither (um tipo de cítara) e a harpa. Em busca de sonoridades especiais, investiu na criação de instrumentos, sendo sua principal obra o
“frankiphone”, uma espécie de kalimba eletrificada.
A década de 1960 foi a mais importante na trajetória de
Cohran. Quando Sun Ra deixou Chicago, ele preferiu permanecer na cidade,
passando a trabalhar com afinco em diferentes projetos. “Eu fiquei porque havia
decidido dedicar as 24 horas dos meus dias às minhas próprias coisas.” Enquanto
trabalhava no desenvolvimento de sua obra, Cohran tocava com músicos locais que
buscavam novos caminhos no fazer jazzístico tendo, por exemplo, participado de gigs com a Experimental Band,
de Muhal Richard Abrams. Em 65, ele faria parte do núcleo fundador da mítica
AACM (Association for the Advancement of Creative Musicians), ao lado de Abrams, Jodie Christian e Steve McCall. Em 67, foi a vez de fundar o
Affro-Arts Theater, um dos muitos centros culturais abertos na época
destinados à difusão da cultura negra. Data desse tempo também o surgimento de
seu mais relevante grupo, o Artistic Heritage Ensemble.
Com uma formação que por vezes superava uma dúzia de
componentes, o Artistic Heritage Ensemble foi o veículo ideal para Cohran
apresentar suas peças, marcadas por intensa base rítmica, improviso, elementos
afro e jazzísticos em um conjunto cheio de groove que, como conta ele, fazia todos terem vontade de sair dançando. A primeira formação do Artistic Heritage Ensemble contava
com Cohran (corneta e harpa), Amina Claudine Myers (voz), Ajramu (percussão),
Larry King (baixo) e Eugene Easton (sax e flauta). Logo se juntaria ao grupo o
guitarrista Pete Cosey, que ficaria conhecido por seu trabalho com Miles Davis
nos anos 1970. Com a entrada de outros sopros e percussionistas, o Artistic
Heritage Ensemble ganharia sua cara definitiva.
O primeiro e fundamental registro do grupo foi On the Beach
(67), editado pelo selo que Cohran criou, o Zulu Record Company. Infelizmente poucos
registros restaram dessa experiência inquietante e vibrante. Outros títulos lançados
– que ganharam versão em CD apenas em anos recentes – foram The Spanish
Suite, The Macolm X Memorial (A tribute in Music) e Armageddon, todos captados
em 1968 no Affro-Arts Theater. Um pouco mais do material desse período foi
resgatado nas coletâneas “Singles” e “The Zulu 45s Collection”, editadas nos
anos 2000.
Cohran gravou muito pouco na vida, chegando em certos
períodos a se dedicar mais ao ensino que à exibição de sua arte. Em sua breve
discografia, encontramos, além das gravações citadas, apenas alguns lampejos,
como “African Skies”, registro de 93 que apareceu em CD apenas em 2010.
Nos últimos anos, a obra de Kelan Philip Cohran passou a receber maior atenção, tendo sido pela primeira vez resgatada em formato digital, após um extenso período fora de catálogo – há discos originais seus dos anos 60 sendo vendidos por até US$ 350... Para essa redescoberta, tem colaborado o relativo sucesso do Hypnotic Brass Ensemble, grupo de sopros formado por oito de seus filhos que, inevitavelmente, atraiu novos ouvidos para seu trabalho. Com a banda de seus filhos – que já colaborou com gente do mundo pop como Gorillaz e Erykah Badu –, Cohran gravou um álbum em 2011.
Apesar de sua proximidade com muitos vanguardistas da década de 1960, Cohran nunca se tornou propriamente um free improviser. A composição sempre esteve no centro de seu interesse e, afirma ele, seu catálogo conta com mais de 500 peças escritas. Infelizmente apenas uma fração disso foi registrada e degustada pelo público.
Agora, teremos a oportunidade de apreciar um pouco
dessa história ao vivo.
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“PHIL COHRAN”
Quando: 28 (sab), às 21h, e 29 (dom), às 18h
Onde: Sesc Belenzinho (SP)
Quanto: R$ 8 a R$ 40