A bibliografia que abarca o universo do free jazz não é
muito extensa. E nos livros que se debruçam sobre esse mundo sonoro, as décadas
de 1960 e 1970 acabam sendo o foco principal. Como o free jazz não foi um
sarampão que eclodiu nos anos 60 e se apagou nos anos 70, como apregoa certa
historiografia musical dominante, o trabalho de Phil Freeman, preocupado em
registrar a cena mais atual, tem inegável apelo.
Nomes fundamentais para a revitalização da música livre jazzística (e
cercanias) nos Estados Unidos centram este New York is Now! The new wave of
Free Jazz, editado no início dos anos 2000. Amparado em entrevistas e em sua vivência da cena contemporânea, Freeman mostra como que a essa seara artística permanece intensa na Nova York do início do século XXI. Crítico musical focado
em sons de viés mais radical, o jornalista norte-americano fã de metal passou a
descobrir o free jazz nos anos 90. Após adentrar esse universo sonoro, passou a trabalhar em sua divulgação, primeiramente escrevendo para o zine 'Juggernaut', conhecido como “The Magazine of Extreme Music”. Freeman conta que disse
ao editor do zine que não esperasse dele resenhas sobre Slayer e afins, pois radicalidade para ele – e o que queria expor aos leitores – era a destilada
pelas músicas de Albert Ayler e Borbetomagus. “Free jazz needs new listeners”
se tornou o mote de Freeman, o que o levou a escrever este livro – vale notar que
o título da obra faz referência a um álbum de Ornette Coleman, de 1968, “New
York is Now!”, com o subtítulo destacando a “new wave”.
Os treze capítulos que formam a obra podem ser divididos em
dois blocos: o primeiro, formado por capítulos que buscam discutir um pouco a
história do free jazz e sua recepção pela mídia e pelo público. “Mentiras que
os críticos de jazz me contaram” e “A História, como muitas coisas, é
subjetiva”, por exemplo, tentam mostrar como que a visão neo-tradicionalista
acabou por sufocar o free a partir dos anos 80, relegando o avant-garde a seu
papel histórico desempenhado nos anos 60, como se nada mais tivesse acontecido nessa seara
depois. A verdade é que o free apenas perdeu o (limitado, e muito mais ligado à
curiosidade em torno de seus primeiros mitos) espaço que ocupava na mídia: mas nunca
desapareceu ou viu seu vigor artístico se extinguir. Já “Getting it on Tape”
trata da importância do DIY (“Do it Yourself”) para a sobrevivência dessa música,
bem como da relevância de selos independentes para que o free deixasse seus
registros nas últimas décadas. Pode-se criticar que esses capítulos carecem de
rigor historiográfico ou profundidade, sendo marcado notadamente pelas
impressões do autor, como se tratasse de um texto para um periódico, um zine ou mesmo um
blog especializado. Mas, de qualquer forma, o por vezes agressivo discurso do
autor cumpre sua função de apontar a negligência com que o free tem sido
tratado por críticos e veículos “sérios”.
O outro bloco que forma o livro é dedicado a sete músicos
contemporâneos: David S. Ware, Charles Gayle, William Parker, Matthew Shipp,
Daniel Carter, Joe Morris e Roy Campbell. O autor entrevistou os músicos e os acompanhou
em festivais e estúdio (testemunhou e relata a gravação de “Corridors e Parallels”,
do David S. Ware Quartet, por exemplo), material que utiliza para dedicar um
capítulo a cada um deles, nos quais expõe seus trabalhos e histórias. Por mais
que esses sejam nomes bastante conhecidos por quem acompanha de perto a cena, é
curioso notar que ainda são bem ignorados por um público mais amplo que se mostra
interessado em música instrumental, jazzística e livre.
Como bem indica o título, o tema do livro é a música feita
nos EUA, mais precisamente focada em expoentes de Nova York. Daí a ausência de
figuras centrais que revoluciona(ra)m esse som do outro lado do Atlântico. O
que podemos lamentar é que o autor não explore outros nomes, não desvele o free
mais underground feito na cidade ou deixe de lado John Zorn, figura capital do avant-garde nova-iorquino. De qualquer forma, New York is Now! The new wave of Free Jazz ajuda a trazer atenção para a cena contemporânea e deveria
ser lido com urgência por quem ainda nutre seus ouvidos apenas com os clássicos
sessentistas: há, sim, uma música tão relevante quanto àquela sendo feita nesse
momento.
New York is Now! The new wave of Free Jazz
Phil Freeman
Editora: The Telegraph Company (inglês)
2001 / 212 págs.
Phil Freeman
Editora: The Telegraph Company (inglês)
2001 / 212 págs.