Apanhado de novidades imperdíveis da free music.
Sons de todos os cantos, experiências em várias formas.
Sons de todos os cantos, experiências em várias formas.
Ouça, divulgue, compre os discos.
“74 Club”
Otis Trio
*Far Out Recordings
Desde sua formação lá para 2007, o Otis Trio criou várias composições
próprias, testadas e exibidas em dezenas e dezenas de apresentações nos mais
variados palcos. Agora o trio do ABC paulista chega a este seu primeiro disco
oficial, recheado por alguns de seus temas já clássicos em meio a outros mais
recentes. Na realidade, pode-se chamar tudo de novo. Não há leituras engessadas
em moldes antes bem sucedidos. Diferentes instrumentistas foram convocados para
revigorar com nova voltagem composições bem conhecidas do grupo, em um grande
resultado final. O Otis Trio permanece girando em torno de seu núcleo inicial –
Luiz Galvão (guitarra), João Ciriaco (baixo) e Flávio Lazzarin (bateria) –, sem
dissidências. Além dos habituais colaboradores André Calixto (saxes) e Beto
Montag (vibrafone), outros instrumentistas marcam presença aqui, como Nailor Proveta,
que toca clarone em “Quarta-feira Santa”, Richard Fermino (clarone), Amilcar
Rodrigues (trompete), José Luiz Braz (clarinete) e Marcelo Monteiro (sax
barítono). Os músicos envolvidos com o álbum se revezam, gestando faixas com
amplitudes sonoras particularíssimas, indo do trio puro em “6x4” ao septeto que
conduz a vibrante “DNN”. Versões frescas das clássicas “Sophisticated Junkie” e
“Tempestade” reavivam a escuta para quem já ouviu essas peças em diferentes
oportunidades. E a nova “Montag’s Dream”, possivelmente a mais bela criação do
grupo, não deixa dúvidas de que valeu à pena aguardar por esse álbum vibrante e
essencial.
“Cherchez La Femme”
Made to Break
*Trost Records
O mais recente projeto do saxofonista americano Ken
Vandermark chega a seu terceiro álbum. Com apenas três extensas faixas (duas na
versão LP), “Cherchez La Femme” apresenta o quarteto – que traz, além de
Vandermark, Tim Daisy, Devin Hoff e Christof Kurzmann – em sintonia elevada.
“Sans Serif” abre o trabalho com o sax tenor em primeiro plano, em
característica intervenção vandermarkeana deslizando sobre uma pulsante pegada
conduzida por Daisy, sendo o momento mais forte do registro. Na outra ponta,
“The Other Lottery” fecha o disco com atmosfera bastante distinta, com os eletrônicos
conduzidos por Kurzmann ditando suavemente os primeiros cinco minutos, para a
instrumentação crescer lentamente, ganhando vitalidade só lá pelos oito
minutos, quando, após um breve solo de Daisy, o sax tenor volta à carga e,
embalado pelo baixo, deixa a coisa mais swingante. Em maio, poderemos ver mais
disso ao vivo: o Made to Break vem para algumas apresentações no país.
“Look”
Ich Bin Nintendo
*Va Fongool
Após um elogiado disco com Mats Gustafsson, o trio
impro/noise/punk Ich Bin Nintendo lança mais um petardo. Baixo, guitarra e bateria
– um pouco de voz também – estruturam esta nova investida do grupo formado na
Noruega em 2010. O ar garegeiro do trio fica mais evidente quando Christian
Skar Winther resolve usar a voz. Mas em boa parte dos cinco temas que formam
“Look” o que se ouve são investidas improvisativas cacofônicas, como mostra bem
a intensa e extensa “Endless Bovis” ou a concentrada energia de “Cream Corn
Wand”, a mais ruidosa peça do conjunto. “Let’s Toast”, que fecha o disco, é
dedicada a Eirik Tofte, fundador do selo Va Fongool, morto no ano passado.
“M/W”
Christian Winther e Christian Meaas Svendsen
*Va Fongool
Esse outro título do selo norueguês Va Fongool apresenta uma
face bastante distinta das possibilidades oferecidas pela improvisação. Álbum
duplo totalmente acústico, traz em um disco Christian Winther, na guitarra, e
no outro, Christian Meaas Svendsen, no baixo. Ou seja, são dois discos solos,
mas com um instrumentista participando em algumas faixas do outro, o que ajuda
a criar uma forte conexão entre os dois discos –parecem mesmo face A e B de um
trabalho único. Após ouvir os ataques ruidosos do Ich Bin Nintendo, os ouvidos
parecem até ficar mais sensíveis às nuances acústicas, aos efeitos que não ignoram os detalhes, apresentados por “M/W”.
“Soundtrack”
Fake the Facts
*Trost Records
Mais um dos infindáveis projetos com os quais Mats
Gustafsson está envolvido, o Fake the Facts apresenta livres improvisações que
deslizam por uma ambiência noise, visitando ruidosidades mais agudas apenas em
alguns momentos – a destacar nesse sentido “The great fire of
London”. Às explorações do sopro de Gustafsson (que aparece nos créditos como
responsável por “saxophone-generated ambient noise"), se juntam os processos
eletrônicos de Dieb 13 e Martin Siewert, que também toca guitarra. Distante de resquícios jazzístico ou roqueiro, este não é um exemplar de Gustafsson
que vá necessariamente agradar aos fãs do The Thing ou da Fire Orchestra,
contemplando sua face mais abstrata. O sugestivo título do álbum – ou, ainda melhor, do tema “Polyphony of a Metropolis” –,
facilmente nos leva a pensar no plano imagético dessa obra, nela executada ao
vivo embrenhada por imagens de cacofônicas metrópolis de ontem e de hoje.
“Songs from my Backyard”
SSS-Q
*Wasser Basin
A trompetista portuguesa Susana Santos Silva encontra nesse
novo álbum o percussionista Jorge Queijo para breves divagantes diálogos. O duo SSS-Q é um dos diferentes projetos que a trompetista (toca aqui
também flugelhorn, flauta e percussão) tem conduzido. Em poucos anos de
carreira, Susana tem se destacado como uma das vozes mais interessantes do
trompete atual. A dupla cria peças climáticas de orgânica cumplicidade, que
exalam espontaneidade e parecem divagar sem pressa, testando possibilidades
sonoras amplas, centrados na improvisação, resvalando às vezes no noise,
passando por momentos em que o foco é a exploração percussiva. Como eles dizem ao apresentar o som que fazem: “Sem um horizonte à vista e vagueando por caminhos
extensos entre o free jazz e o experimentalismo não conceitual”.
“Abraham”
Ifa y Xango
*Independente/De Werf
Projeto nascido na Bélgica em 2011, o Ifa y Xango é um septeto que traz, ao lado de jovens músicos locais, o saxofonista brasileiro Filipe Nader. Neste disco de estreia, o grupo apresenta 16 (relativamente) curtas peças, que podem ser degustadas como se tratassem de um processo de desenvolvimento de uma obra estruturada por vários segmentos. Percussão, baixo, piano, euphonium e saxes formam o grupo, que tem por base a improvisação livre – apenas três peças são baseadas em composições do pianista S. Gebruers. “Colombe” é um dos destaques do conjunto. Abrindo com o intrigante som do euphonium, conduzido por Van Heertum, logo cede espaço para o protagonismo do piano que, por sua vez, conduz os ouvidos ao solo de sax alto de Nader, que comporá o restante da peça. O solo funciona como uma ponte à vibrante “Uma”, tema seguinte que traz o maior tempero percussivo – e apenas aí somos remetidos ao nome do grupo (Ifa y Xango), que faz referência a divindades afro-religiosas. Uma estreia firme e com inventivos momentos, bem direcionada e estruturada. O grupo entra em julho em estúdio para gravar seu novo álbum.