Apanhado mensal de lançamentos recentes imperdíveis da free music.
Nesta edição, o foco são novidades vindas da Europa.
Ouça, divulgue, compre os discos.
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“In St. Johann”
The Ames Room
*Gaffer
Records
Matador lançamento do trio The Ames Room. Na ativa desde meados
de 2007, o trio comandado pelo saxofonista francês Jean-Luc Guionnet chega ao
terceiro álbum mantendo a intensidade e a forma dos anteriores: apenas uma
longa improvisação, na qual os músicos destilam vital energy music, sem nunca
deixar cair o ímpeto. O baterista australiano Will Guthrie e o baixista Clayton
Thomas completam o time que vem fazendo um free que ajuda a alimentar a face
mais hot dessa seara musical – como eles se autoreferem no site da banda: “Minimal
Maximal Terror Jazz”. Guthrie e sua bateria fraturada ao extremo se revela o
veículo ideal para o sax alto pontilhístico de Guionnet, que não costuma se
aventurar por improvisos robustos ou de fôlego contínuo – mas não menos
explosivos por isso, como mostra a faixa única de 40 minutos que compõe este “In St. Johann”. The Ames Room
é um trio que estranhamente ainda não é muito lembrado quando se fala no free
contemporâneo. Mas basta difundir mais o som dos caras para que isso mude
logo.
“Lana Trio”
Lana Trio
*Va Fongool
Novíssimo grupo de free impro vindo da Noruega, o Lana Trio
acaba de lançar seu álbum de estreia. O trio é formado por Kjetil Jerve (piano),
Andreas Wildhagen (bateria) e Henrik Norstebo Munkeby (trombone), três jovens improvisadores
que começaram a tocar juntos em 2007, mas demoraram para estruturar o grupo
devido à distância geográfica de suas moradas. Explorando linhas abstratas
abertas, sem uma lineariedade discursiva que os guie com precisão, o Lana Trio investe
em técnicas espandidas para criar peças que oscilam entre momentos de maior intensidade
e pontos contemplativos, que demandam uma escuta pronta a desvendar delicados efeitos
sônicos.
“Foz”
Manuel Mota
& Toshimaru Nakamura
*Dromos
Records
O encontro entre duas guitarras de estratos minimalistas
marca "Foz", que celebra o diálogo entre o português Manuel Mota e o japonês Toshimaru Nakamura, que desenvolvem um trabalho que se molda por entre quase-silêncios, quebrados por ataques pontuais e notas
esparsas. Entre encontros/desencontros das cordas, Foz se revela uma gravação em que sente-se muito a falta de poder apreciá-la ao vivo, com os olhos podendo acompanhar os gestos mínimos dos músicos em sua contida ação.
“Live in Madison”
Humanization 4tet
*Ayler Records
O quarteto liderado pelo guitarrista português Luís Lopes, e
que conta com seu conterrâneo Rodrigo Amado, além dos irmãos americanos Aaron e
Stefan González, lança seu primeiro registro ao vivo. O “Humanization 4tet” não é adepto
da improvisação livre, desenvolvendo sua música por meio de temas previamente
compostos, destacando sua herança free jazzística aliada a elementos mais ao
lado do rock – os improvisos, fundamentais para o som do grupo, são
arquitetados a partir das composições. Destacando peças do excepcional anterior
“Electricity”, o álbum traz intensas versões para “Jungle Gymnastics” e “Two
Girls”, além de uma vibrante leitura de “Bush Baby” (peça de Arthur Blythe de
1977). Para encerrar a apresentação, a fantástica “Dehumanization Blues” – para
não deixar ninguém na dúvida sobre a intensidade do registro.
“Il Mandorlo”
Silvia
Bolognesi
*Jambona Lab/Fonterossa
A baixista
italiana Silvia Bolognesi reuniu um quarteto para explorar sete temas de sua
autoria – e mais três dos parceiros. O trombone de Tony Cattaneo e o vibrafone
de Pasquale Mirra se mostram peças elementares para a sonoridade do grupo. Em duas peças, há a
participação do clarinete de Marco Colonna. Bebendo na rica linhagem jazzística
italiana, a baixista – que gravou em 2010 um belo duo com Sabir Mateen – dá
preferência para o trabalho de conjunto, evitando colocar o seu
instrumento como núcleo das peças. Para vê-la solar com justeza, vale conferir
o tema “Camelie”.
“... and it ended badly”
Dead Neanderthals
*Raw Tonk /Gaffer
Records
O duo
holandês Dead Neanderthals, um dos mais furiosos projetos recentes do free,
convidou o saxofonista britânico Colin Webster para esse novo registro. Além da
formação ‘trio’, o DN mostra também uma face diferente: saem de cena as peças
curtas e diretas, com destacado resquício grindcore, que marcam álbuns
anteriores, em prol de explorações free impro mais livres e menos centradas. Além
disso, Otto Kokke limpou seu sax, tirou os pedais do instrumento, que eram uma
marca registrada sua. A improvisação ganhou mais espaço, mas a energia focada do DN se dissipou um pouco.
“Antennae”
Colin Webster
*Gaffer Records
Primeiro trabalho solo do saxofonista britânico Colin Webster, Antennae apresenta o
amplo espectro de sons explorados pelo instrumentista em três veículos: saxes
tenor, alto e barítono. Em um total de 20 pequenas peças, o álbum foi editado
fisicamente apenas em K7, sendo também disponibilizado em formatos para download.
As breves improvisações, que variam entre um e três minutos, mostram a coerente
variedade de investidas que compõem o sopro de Webster.
“Breakin the Lab!”
Mats Gustafsson, Agustí Fernández & Ramon Prats
*Discordian Records
O pianista espanhol Agustí Fernández promoveu uma serie de
apresentações em abril deste ano no Jamboree Jazz Club, em Barcelona, para as
quais convidou diferentes músicos para improvisar com ele a cada noite. Mats
Gustafsson, com quem o pianista já havia gravado em duo anteriormente (“Critical
Mass”, 2005), foi um dos parceiros chamados. Para completar o time, o
baterista catalão Ramon Prats se juntou a eles. Cinco improvisações verdadeiramente
envolventes, conduzidas por dois nomes centrais da cena free atual, formam o
disco. Gustafsson toca seu habitual sax barítono e também reserva espaço para o
soprano, que não anda muito presente em sua discografia mais recente – mais um
motivo de interesse para conhecer a gravação.
“Wedding Music”
Kit Downes
& Tom Challenger
*Loop Collective
Os britânicos Kit Downes e Tom Challenger se uniram para
inusuais sessões de improvisação de órgão e saxofone. Dialogando com texturas
que remetem ao universo da música sacra instrumental, o duo cria espacializações
de denso desenvolvimento divagatório, de colorido estranho e sedutor ao mesmo tempo. Difícil não
imaginar o quão impactante deve ser ouvir essa música em uma igreja, em
especial uma catedral, com suas possibilidades únicas de reverberação. A faixa-título
e “Shos” são as que exibem os pontos de maior intensidade oferecidos pelo órgão,
com Downes abusando da polifonia inerente ao instrumento.
“Boot!”
The Thing
*The Thing Records/Trost
Inevitável não aguardar com ansiedade um novo trabalho do
The Thing, um dos mais excitantes grupos gestados neste século. O trio escandinavo
reservou para este novo trabalho de estúdio apenas duas versões, de dois
mestres maiores: uma de Duke Elington (“Heaven”) e uma de John Coltrane (“India”,
em encantadora releitura). Os outros quatro temas são de autoria do trio. Nesse
aspecto, Boot! está ligado ao anterior “Mono”, no qual também havia sido
deixado de lado releituras da seara rock – referência fundamental quando se fala
em The Thing e da qual, parece, os músicos se distanciaram um pouco. Mas Boot!,
comparado a “Mono”, se mostra mais arisco, sujo e com a energia em elevada potência,
especialmente nos temas “Reboot” e “Red River”. Mats Gustafsson se reveza em
uma variedade grande de saxes: barítono, tenor, baixo e soprano. Sonoramente
interessante é também a opção de Haker Flaten apenas pelo baixo elétrico. Um
álbum daqueles do qual não restam dúvidas de que valeu à pena a espera.