Matana Roberts já disse que prefere ser lembrada como 'sound experimentalist' ou mesmo 'conceptual sound artist' do que como uma jazzista ou improvisadora. Quem teve a oportunidade de vê-la em ação neste fim de semana entendeu realmente o que ela quer dizer. Na noite de sábado, no CCSP, a artista de Chicago mostrou uma face de sua obra talvez menos exaltada, mas que tem tido peso relevante em sua produção atual. Integrando sax, voz e imagens, Matana exibiu a peça Ephemera: a solo sound and image exploration/excavation of blue(s) and blood(s), blood(s) and blue(s)..., com cerca de uma hora de duração, na qual, sozinha no palco, criou um inquietante painel polifônico.
‘Free People of Color’ (from Coin Coin Happenings) |
Matana tem trabalhado com esse tipo de obra desde ao menos
2005 e é desse processo que brotou seu mais ambicioso e celebrado projeto: o work
in progress Coin Coin. Sua abordagem para essas obras parte de um conceito que
criou: o Panoramic Sound Quilting, que engloba idéias visuais, trechos musicais
compostos, improvisação e palavras para armar um tecido sensorial que, partindo
de fontes várias, alcança um todo organizado e envolvente. Em peças como Ephemera
temos uma amostra sintetizada desse esquema. Já no caso de Coin Coin, com seus
doze capítulos previstos, encontramos o processo em sua plenitude. Mesmo
independentes, as partes de Coin Coin comporão um todo – Matana disse que
espera um dia poder apresentar sequencialmente os doze capítulos, montando a
completude de Coin Coin (“My hope is that one day I will be able to perform the
entire narrative with the different ensembles as one large life cycle.”).
Após a impactante estreia de 2011, com Chapter One: Gens de
Coloeur Libres, o projeto Coin Coin teve seu segundo episódio editado em
outubro passado. Chapter Two: Mississippi Moonchile traz um trabalho realmente
novo, coerente com seu antecessor, mas soando muito fresco.
Amparado nos
pilares que têm inspirado Matana – a memória, a história e a amplitude da
música afro-americana –, Mississippi Moonchile passeia por figuras do jazz, blues, gospel, free, além do cancioneiro tradicional, para estabelecer uma
música de sabor único, fruto de um percurso que resgata e desconstrói as raízes
imagéticas e familiares da artista para as utilizar como substrato na
elaboração dessa obra singular. Interessante notar que a saxofonista e
compositora optou por trabalhar neste segundo capítulo de Coin Coin com um grupo
bastante distinto do primeiro episódio. Se lá estiveram presentes dezesseis
músicos envolvidos em sua laboração, aqui temos apenas um quinteto, ao qual se junta um
surpreendente cantor lírico – o tenor Jeremiah Abiah, que traz uma tonalidade
mais dramática a passagens em que intervém. Dentre os textos cantados/declamados estão
trechos do discurso da ativista Fannie Lou Hamer proferido na "Democratic
National Convention", em 1964, em meio a melodias tradicionais e escritos da própria Matana, que têm em fragmentos de
entrevistas com sua avó uma de suas inspirações.
Mississippi Moonchile apresenta uma
sonoridade tão inquieta e abrangente quanto Gens de Coloeur Libres, mas mais
coesa e aparentemente organizada, sem muitas explosões e ataques ruidosos, se
desenvolvendo como uma suíte (subdividida em 18 partes) sem muitos
sobressaltos.
Quem sabe em uma próxima visita de Matana Roberts ao país não tenhamos a
oportunidade de vê-la conduzindo um dos capítulos do brilhante Coin Coin?