Rare (Free) Sounds: “Perelman/Parker/Ali: Live” (1996)


Poucos são os títulos captados ao vivo na extensa discografia do saxofonista Ivo Perelman, que já conta com 45 álbuns. Desde sua estreia em 1989, Perelman deu preferência ao estúdio. Curioso notar também que é raríssimo encontrar bootlegs de apresentações do músico. Mas há um capítulo especialmente importante nesse percurso: o disco “Live”, realizado em 1996 ao lado de William Parker e Rashied Ali (1935-2009).
O ano de 1996 foi notadamente  importante para a trajetória de Perelman. Um dos pontos de relevo se refere ao número de gravações: foram nove os discos gravados por ele naquele ano. Outro ponto é a universalização de sua estética musical, com o progressivo distanciamento do explícito diálogo com sonoridades brasileiras, que marcava sua música até aquele momento, em um processo estimulado por novas associações com músicos que se destacavam na cena nova-iorquina de então, como Matthew Shipp, Marilyn Crispell, Gerry Hemingway, Parker e Ali. Também foi em 96 que Ivo gravou seu primeiro e único disco de sax solo, “Blue Monk Variations”. Perelman se uniu a Shipp pela primeira vez em janeiro daquele ano, quando fizeram o registro em duo de “Bendito of Santa Cruz”. O disco é uma ponte entre a fase ‘brasileira’ de seu free e a maior liberdade que adquiriria nos anos seguintes. Alguns meses depois, em junho, os dois voltaram a estúdio, mas com um reforço: William Parker. A gravação feita pelo trio originaria “Cama de Terra”.





Exatamente nesse período, Perelman teria a oportunidade de trabalhar com uma das lendas do free jazz: o baterista Rashied Ali. Último músico a entrar em estúdio com John Coltrane, Ali foi um dos grandes criativo-radicais bateristas a surgir no tumultuado 60s, ao lado de Sunny Murray, Andrew Cyrille e Milford Graves. Conta o saxofonista que sempre trombava com Rashied pelas ruas e bares do Brooklyn novaiorquino, de bermuda e chinelo, apenas dois caras da vizinhança de passagem pela mesma área. Até que certo dia resolveu parar e interpelá-lo. Se apresentou e sugeriu de uma hora fazerem algo juntos. O resultado desse encontro viria em breve, com dois fundamentais trabalhos: no formato de trio, que ainda contou com Parker, brotaram duas sessões, uma de estúdio e uma ao vivo: “Sad Life” e “Live”.
Rashied ainda faria outra sessão de estúdio com Ivo no período, que forma o núcleo do álbum “Brazilian Watercolour (Aquarela do Brasil)”. O curioso deste último registro é ouvir o mítico Rashied Ali (acompanhado das percussões de Cyro Baptista e Guilherme Franco) tocando versões free das bossanovísticas “Samba de Verão” e “Desafinado”, além da clássica faixa-título.  

Mas o ponto alto dessa associação foi, sem dúvida, a dobradinha de discos registrada com a adição de Parker. No dia 18 de junho de 96, Perelman, Parker e Ali entraram no System Two Studio, no Brooklyn, para gravar as faixas que iriam originar “Sad Life”. No dia seguinte, o trio adentrou o palco do Knitting Factory para um concerto realmente incendiário e que deveria existir apenas na memória de quem estava por lá naquela noite de 19 de junho. Por acaso, alguém que estava no público resolveu gravar a apresentação. Era Bruce Gallanter, conhecido hoje por ser proprietário da loja focada em discos de free music ‘Downtown Music Gallery’. Gallanter depois ofereceu o tape (gravação analógica, mas de razoavelmente boa qualidade) aos músicos. E o resultado são 47m21 de improvisação ininterrupta, único registro ao vivo desse intenso e fundamental momento da trajetória de Perelman. É curioso notar que a gravação começa meio que do nada, após os músicos já terem iniciado o show. De qualquer forma, o material é fundamental e se tornou uma das raras gravações ao vivo na discografia do saxofonista. O álbum seria lançado pelo obscuro ‘Zero In’, sendo o segundo título do selo, cujo primeiro registro foi “Testimony”, gravação de baixo solo de Parker, de 94. Fora de catálogo há muito tempo, dificilmente voltará um dia às prateleiras... Diferentemente do que o público de Perelman estava acostumado a ouvir, a apresentação se concentra na improvisação livre. A música esquenta rapidamente, com Perelman particularmente irado, mantendo-se à frente do grupo até os 12 minutos, quando vai silenciando, abrindo espaço para Parker e Ali solarem sequencialmente. O sax retorna apenas aos 22 minutos, já em ponto de ebulição, mantendo fervilhante intensidade até o final. Apesar da forte comunhão revelada no som desenvolvido pelo trio, eles não voltariam a se reunir. Com Ali, o saxofonista realmente jamais se agrupou outra vez. Com Parker, ainda gravou “Sound Hierarchy” e “En Adir” (ambos em outubro de 96)  – baixista e saxofonista apenas se encontrariam novamente em novembro de 2011, quando gravaram “Serendipity”.




PERELMAN/PARKER/ALI: Live



1. Improvisation (47:21)


*Ivo Perelman: tenor sax
*William Parker: bass
*Rashied Ali: drums



Recorded live at  Knitting Factory, New York, June 19, 1996.


  

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Agenda:

IVO PERELMAN 4tet

Quando: 25/8 (19h30)
Onde: Sesc Pompeia (Choperia)
Quanto: R$ 20 (inteira)