Paal Nilssen-Love: "Você tem que explorar, questionar, experimentar"


Difícil imaginar um Top 5 de bateristas da free music em atividade que não inclua Paal Nilssen-Love.The Thing, Atomic, School Days, Territory Band, FME, ADA, Chicago Tentet, Lean Left, Hary Bones, muitos são os grupos que contam com suas baquetas: mais de 170 álbuns trazem seu nome nos créditos. O instrumentista, nascido em dezembro de 1974 em Molde (Noruega), esteve no Brasil em março passado com o Frod Gjerstad Trio. Agora retorna com o The Thing, acompanhado de Mats Gustafsson (sax) e Ingebrigt Haker Flaten (baixo), para shows em São Paulo. Na sequência, passa pelo Rio de Janeiro, onde fará apresentações solo e com convidados.


Filho de um ex-baterista – Terry Nilssen-Love, hoje pintor, cujos trabalhos podem ser encontrados em capas de alguns de seus discos –, Paal cresceu envolto por música: seus pais mantiveram nos anos 1980 um bar de jazz na cidade de Stavanger, onde moravam. Colecionador de discos (conta já ter voltado de turnês com 50 kg de discos na bagagem!) e pesquisador de sons do mundo, Paal aponta a loja Disc Union, no Japão, como uma de suas favoritas e tem na música brasileira um de seus focos de interesse – em uma entrevista (e não a um veículo brasileiro), citou Luiz Gonzaga e Jorge Ben Jor como alguns dos músicos que gostaria de ter a discografia completa.

Em meio a turnês com diferentes grupos a diversas partes do mundo – roteiro recente: no fim de maio, esteve com o The Thing no Japão; amanhã, desembarca no Canadá com o Lean Left; depois, o destino é o Brasil –, Paal Nilssen-Love conversou com o FreeForm, FreeJazz



FF- Você cresceu em uma época em que o rock dominava a cultura européia e americana. O quanto foi difícil descobrir o jazz, especialmente para um jovem que cresceu na Noruega? 

Paal Nilssen-Love: "Eu cresci em um clube de jazz [que era do pai de Paal] exposto ao jazz dos EUA, da Noruega e da Europa como um todo. Mas, tanto o jazz norueguês quanto o internacional de um modo geral sofria, naturalmente, influências do rock [naquela época], havia muitos grupos ligados ao jazz-rock, ao fusion... e nem tudo resultava em boa música... Mas há sempre um grupo de músicos que decidem fazer as coisas de maneira diferente, como Frode Gjerstad, Svein Finnerud, Calle Neuman, caras que me mostraram a verdadeira liberdade que você pode encontrar no jazz."


FF- Seu pai também foi baterista. Isso pesou na sua escolha profissional? Desde que começou a se envolver com música decidiu ser baterista?

Nilssen-Love: "É verdade. É claro que isso foi importante para mim. E também o fato de crescer no ‘jazz loft’ que os meus pais mantinham. Eu primeiramente queria tocar trompete, mas quando o maestro da banda da escola (eu tinha 8 anos) me perguntou que instrumento gostaria de tocar eu disse ‘bateria!’ – ou seja, sempre fui um baterista. Eu sempre estive exposto a todos os tipos de instrumentos, mas focado na percusssão."


Coleção de baquetas de Paal
FF- Como conheceu Mats Gustafsson e Ingebrigt Haker Flaten? Isso foi muito antes do The Thing surgir? Como o trio nasceu?

Nilssen-Love: "Nós nos conhecemos há uns 14 anos, já como um trio. Mats e eu tínhamos tocado em duo um ano antes. The Thing era para ser um projeto de uma tacada só, feito para tocar alguns temas do Don Cherry. Ensaiamos metade de um dia, fizemos uma gig e marcamos um dia no estúdio. Mas era óbvio que tínhamos alcançado algo especial, o projeto acabou seguindo em frente e desde então temos excursionado extensivamente pelo mundo todo, agregado convidados como Joe McPhee, Ken Vandermark, Jim O’Rourke etc."



FF- Você é um baterista que traz muita intensidade e energia por onde toca, mas também sabe lidar com a sutileza quando necessário. Como é dividir uma banda com caras como Gustafsson e Flaten?

Nilssen-Love: "Mats traz uma tonelada de energia também, o mesmo vale para Ingebrigt, nos alimentamos uns dos outros. Às vezes, algo mais denso, em outras, mais fluida. Nós gostamos de explorar todos os níveis de densidade, dinâmica, som, espaço, volume, velocidade etc. Tocar com esses dois caras é a melhor coisa que posso fazer."


FF- Você é considerado hoje uma figura central da cena free impro europeia. Como se deu seu envolvimento com esse universo artístico?

Nilssen-Love: "Não sei se eu sou uma figura-chave, mas eu trabalho muito e com alguns dos caras mais importantes desse meio, Evan Parker, Peter Brötzmann, Sten Sandell, entre tantos outros. É uma conseqüência da minha forma de tocar, eu acho, mas também por minha própria iniciativa, ir atrás das coisas. Acho que essa é a chave para tudo o que acontece. Você tem que explorar, questionar, experimentar. Além disso, eu vejo a importância de correr atrás dos esquemas, as bandas com que trabalho, e eu também, criamos um festival chamado All Ears que acontece em Oslo a cada janeiro. E já se passaram 14 anos desde que começamos. Também tem um outro festival, o Blow Out, que é um evento alternativo ao Oslo Jazz Festival, que fazemos todo mês de agosto."



 *DRUMS (kit base de Paal Nilssen-Love) 
1 Snare drum 13" X 4"/ 5" or 14" X 5"
1 rack tom 12" X 10" or 12" X 12" (to go on snaredrum stand)
1 floor tom (with legs!) 14" X 14"
1 bass drum 18" X 14" or 18" X 16"





FF- Em março, você esteve no Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo) com o Frode Gjerstad. Foi a primeira vez no país? Qual suas impressões dos concertos que fez aqui?

Nilssen-Love: "Primeira vez sim e foi uma experiência fantástica. Tocar a música que fazemos, do outro lado do mundo, para um público focado, que sabia muito mais sobre nós do que imaginávamos... Pessoas muito bacanas, os locais que fomos e tudo mais. E, claro, as lojas de discos que eu esvaziei..."


FF- Em uma entrevista você mencionou nomes de artistas brasileiros, como Elza Soares e Luiz Gonzaga. O quanto a música brasileira te interessa? Como chegou à obra desses artistas?

Nilssen-Love: "Estou interessado em todos os tipos de música, mas tenho gastado mais tempo procurando sons sul-americanos e africanos atualmente... Estive fuçando a Colômbia por esses tempos, mas sem deixar de pegar pesado com a música brasileira. Especialmente as gravações entre 67 e 73-74. Gal Costa, Jorge Ben, Marcos Valle, naturalmente estão entre os meus favoritos. Mas, pensando bem, eu acho que foi o Luiz Gonzaga quem primeiro me deu o empurrão necessário para querer descobrir de fato a música brasileira, e especialmente o forró, que eu gostaria de conhecer mais."


FF- Há movimentos artísticos ou artistas individuais, não apenas bateristas, com os quais tem uma natural ligação estética e que acabam por impactar sua música?

Nilssen-Love: "Com certeza. A primeira vez que eu ouvi Hamid Drake foi realmente incrível, deve ter sido uns 15 anos atrás ... e, claro, há Elvin Jones, Art Blakey, Ed Blackwell, Billy Higgins, Papa Joe Jones e os europeus, como John Stevens, Tony Oxley, Paul Lytten, Paul Lovens e também Han Bennink. Todos eles têm sido importante para minha forma de tocar e meu desenvolvimento musical. Mas como disse antes, eu pesquiso muito a música étnica e a música não ocidental, posso citar a cumbia, forró, a música coreana, a música tradicional da Etiópia, Eritreia etc etc ... e há dois bateristas que sempre serão meus favoritos, que são Steve McCall e Philip Wilson. Dois bateristas incríveis que andam um pouco esquecidos."


FF- Tem gravações novas à vista ou outros projetos para breve?

Nilssen-Love: "Toneladas! Uma série de 7’’ pela Bocian Records, duos com Joe McPhee, Peter Brötzmann, Ken Vandermark, um novo álbum do Lean Left, outro com Frode Gjerstad Trio, e espero que também saia algo do que será registrado quando estiver no Rio de Janeiro. Vamos ver. Muita coisa por vir."




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*Photos by Ziga Koritnik

++ Paal Nilssen-Love