“For me, The Thing is my dream group. It's always been a
dream group.”
(Mats Gustafsson)
Revisitação ao free jazz clássico, releituras implacáveis do
universo rocker, parcerias infindáveis, improvisação e energia: esse é o
múltiplo power trio escandinavo The Thing. Em um de seus pilares, está o
saxofonista sueco Mats Gustafsson, nome associado a muito dentre o mais
inventivo e enérgico que tem sido feito na música deste século. O saxofonista esteve
no Brasil apenas uma vez, em maio de 2011, com a banda Fire!. Seu retorno ao país, agendado para o
fim de junho, não poderia ocorrer de melhor forma: quem vem com ele desta vez é o The Thing.
O percurso do The Thing começa no início dos anos 2000. Mats
Gustafsson (saxes), Ingebrigt Haker Flaten (baixo) e Paal Nilssen-Love
(bateria) resolveram criar um novo grupo que tinha como ponto de partida um
encontro com o trabalho do cornetista e pioneiro do free jazz Don Cherry (1936-1995).
A homenagem foi explicitada no nome da banda – “The Thing” é o título de uma
composição de Cherry. Com esse norte, entraram em estúdio nos dias 10 e 11 de
fevereiro de 2000 para as sessões que resultaram no primeiro disco (homônimo)
do grupo. Das seis faixas que compõem o álbum “The Thing”, quatro são de
autoria de Cherry – o olhar de Gustafsson ao ícone free não era necessariamente
uma novidade: em 1995, já havia gravado um duo com o percussionista Hamid Drake
intitulado “For Don Cherry”.
Vale frisar que a relação do trio com o trabalho do
cornetista acabou sendo apenas uma marca inicial, com novos rumos se abrindo
para o grupo em breve tempo. Não à toa, em um concerto do trio em turnê
europeia de julho de 2012, Gustafsson se sentiu incomodado e foi ao microfone
retificar a informação veiculada pela organização do show de que o The Thing
seria uma “banda-tributo a Don Cherry”. “Nós somos nós, Don Cherry é Don
Cherry”, pontuou. Além disso, as referências free jazzísticas do power trio
escandinavo vão além da homenagem a Cherry. Uma checagem em sua discografia revela
várias releituras de temas desse universo: 'Angels' (Albert Ayler), 'Haunted'
(Norman Howard), 'For Real' (Frank Lowe), 'Eine Kleine Marschmusik' (Brotzmann), 'Chiasma'
(Yosuke Yamashita), 'Broken Shadows' (Ornette Coleman), todas foram recriadas pelos
três instrumentistas.
Mas nem só de free jazz se alimentaria o The Thing. Logo em
seu segundo álbum, “She Knows...”, de 2001, o trio demarcou uma outra relevante
face que o acompanharia: o encontro com o universo rock. Abrindo aquele disco,
há uma releitura desconcertante da dolorida “To Bring You My Love”, da musa PJ
Harvey. Nos discos seguintes, o The Thing aprofundaria o diálogo com o rock por
meio de versões instrumentais matadoras de temas pouco óbvios como “Art Star”
(Yeah Yeah Yeahs), “Drop the Gun” (54 Nude Honeys), “Have Love Will Travel” (Richard
Berry, mais conhecida na versão dos Sonics) e “Dream Baby Dream” (Suicide).
“She Knows...” trouxe ainda uma outra marca do grupo: as parcerias.
O álbum carrega como convidado o lendário saxofonista Joe McPhee (que virá com
o trio ao país). Depois, o The Thing dividiria os créditos de muitos de seus
álbuns com músicos outros próximos ao universo de Gustafsson, a ver: Ken
Vandermark, Otomo Yoshihide, Jim O’Rourke, Neneh Cherry e Barry Guy. Essas
parcerias levaram o som do grupo a possibilidades vastíssimas de criação. Não
seria espanto se alguém gostasse imensamente de certos álbuns em detrimento de
outros, mesmo que a unidade e a vitalidade da obra do trio se mantenham
intocadas. Quem se encantou primeiramente com “The Cherry Thing” (2012), por
exemplo, parceria com a cantora Neneh Cherry – e responsável pela ampliação de seu
público e a exploração de um viés com tempero que resvala em certo limite pop –,
pode ter encontrado dificuldades para adentrar as texturas e as ruidosidades dos
discos com Yoshihide (“Shinjuku Crawl”) e O’Rourke (“Shinjuku Growl”). Já quem
idolatra o The Thing por suas diretas e explosivas releituras roqueiras talvez
se sinta entediado com seus registros de foco free impro, de alcance mais divagatório. Ou seja, não
deve ser raro se deparar com alguém, fã de um álbum, que não sente apelo muito
grande ao se defrontar com outros. Mesmo mantendo o foco do projeto,
o trio escandinavo não se sujeita a acomodações e tem buscado fazer de cada um
dos mais de doze títulos já editados uma expressão artística particular. Dessa
forma, ir a uma apresentação do The Thing – que conta também com uma versão
expandida em septeto, inédita em disco, que tocará em agosto em Lisboa no
festival “Jazz em Agosto” – é sempre uma surpresa auditiva: da livre
improvisação a resgates de temas do free jazz e do rock, tudo pode surgir no
palco. Essa multiplicidade de propósitos e rumos apenas engrandece a
experiência de descobri-los no palco ou em um novo registro, sendo que o
inesperado e o inaudito centram as expectativas. Mais do que nunca, conhecer a
discografia do The Thing é fundamental para se ter uma visão ampla do que podem
oferecer.
Um parceiro antigo de Gustafsson que já tocou com o The
Thing, mas ainda não gravou com o trio, é o guitarrista Thurston Moore – estranha
também o fato de o grupo não ter feito nenhuma releitura de um tema do Sonic
Youth até então... Uma das ocasiões em que Moore esteve no palco com o The
Thing foi em agosto de 2005, no Oya Festival, em Oslo (Noruega). O encontro
ganhou registro em vídeo, sendo lançado oficialmente apenas em DVD como parte
do box “Now and Forever” (2008). O Oya Festival tinha em seu núcleo bandas de rock,
tendo tocado naquela edição de 2005 nomes como Dinosaur Jr., Kings of
Convenience e Franz Ferdinand. Daí ter sido certeiro o momento do The Thing
para aquele festival. O trio havia lançado há pouco o disco “Garage”, com
releituras de temas de Yeah Yeah Yeahs, White Stripes e Berry/Sonics,
demarcando de vez sua incursão na seara de revisitação desconstrutiva a campos
roqueiros. Este é um álbum de pegada mais garageira, free com tempero rock de
alta energia, gravação analógica direta que deixou o registro com sabor mais
cru. O set apresentado para o jovem público do Oya Festival abre com a
irresistível versão de “Art Star” (Yeah Yeah Yeahs), seguida por “Aluminum”
(White Stripes) e “Have Love Will Travel” (Berry/Sonics). Na sequência, Moore
sobe ao palco para os momentos mais noise da apresentação. O público gostou?
Conquistaram novos ouvintes? Sabe-se lá... Mas é interessante vê-los
apresentando sua inquietante música a ouvidos que ainda a ignorem.
"The Thing – Live @ Oya Festival"
1. Art Star
2. The Witch
3. Aluminum/Have Love Will Travel
4. No Crowd Surfing
*Mats Gustafsson (sax)
*Ingebrigt Haker Flaten (baixo)
*Paal Nilssen-Love (bateria)
* Thurston Moore (guitar, #4)
Live at Middelalderparken – OyaFestivalen, Oslo, Norway. August
12, 2005.
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Para os concertos que serão apresentados em São Paulo
(capital e interior), entre os dias 26 e 29 de junho, é difícil apostar no que
será visto. Como o trio também tem composições próprias, além de adentrar pesado a improvisação livre, é um mistério o que trarão na bagagem e se as quatro apresentações
serão parecidas ou não. O The Thing não anda apostando muito em suas releituras
do rock (e nem tem tocado os temas de “The Cherry Thing” sem a Neneh). E como terão
o Joe McPhee de convidado, fica a expectativa de que a improvisação livre
domine o centro dos concertos mesmo.
“THE THING & JOE MCPHEE”
Quando: 26/6 (qua), às 20h30
Onde: Sesc Ribeirão Preto (SP)
Quanto: de R$ 2,50 a R$ 10
Onde: Sesc Ribeirão Preto (SP)
Quanto: de R$ 2,50 a R$ 10
Quando: 27/6 (qui), às 21h
Onde: Sesc Santos (SP)
Onde: Sesc Santos (SP)
Quanto: de R$ 4 a R$ 16
Quando: 28/6 (sex), às 20h
Onde: Sesc Araraquara (SP)
Quanto: grátis
Quando: 29/6 (sab), às 21h30
Onde: Sesc Belenzinho (SP)
Quanto: de R$ 6 a R$ 24