A Submarine Records fechou o ano com dois novos títulos de alguns
de seus artistas mais conhecidos: Hurtmold e Rob Mazurek/Objeto Amarelo. Salvo
a estruturação instrumental, dois trabalhos distintos em todas esferas com
pontos de interesse variados; composição/improvisação, ruidosidade/melodia,
opostos muitos servindo de base para dois bem realizados álbuns.
Eclusa, EP (vinil 7'') que nasceu do encontro
entre o cornetista americano Rob Mazurek e o Objeto Amarelo (projeto do artista
Carlos Issa), foi gestado a partir de concertos realizados em São Paulo (CCSP e
CCPC). Mas não se trata de um disco para registrar um concerto ao vivo, o caminho entre o som captado e o resultado prensado é outro. A partir do
material cru das apresentações foram construídas novas possibilidades sonoras, novas
ligações entre sons improvisados anteriormente no palco, cacos e fragmentos rearranjados de uma nova forma. Assim, esse jogo de
desconstrução pós-moderna possibilitou o surgimento de um material inédito
mesmo para quem presenciou todos encontros ao vivo entre Mazurek (corneta e
eletrônicos) e Objeto Amarelo/Carlos Issa (eletrônicos, guitarra, FX). Eclusa
se revela através de camadas fraturadas, desnarrativas, que fazem os ouvidos flutuarem
em busca de um apoio seguro que nunca se revela de fato. Ora notas perdidas da
corneta, ora entradas bruscas das cordas da guitarra ou mesmo sutis ondulações
eletrônicas forjam caminhos de escuta que indicam rumos sem saída. Não há aqui, no entanto, os ácidos processos de ruidagem encontrados no Objeto Amarelo; tudo soa mais letárgico que abrasivo. O princípio da colagem, que seduziu pioneiros mestres
da música concreta e eletroacústica nos anos 50 e 60 (Pierre Schaeffer,
Stockhausen...), revela-se uma arma precisa para a proposta do trabalho,
fazendo com que o resultado seja expressivamente intrigante. Ponto negativo? Os
curtos minutos a que se reduz a experiência – poderia passar muito tempo mais
se embrenhando pelos tonteantes caminhos de Eclusa.
O outro lançamento da Submarine, Mils Crianças, é o novo
aguardado trabalho do Hurtmold, banda instrumental que muito agrada o pessoal
mais ligado à cena indie – basta ver o público que eles arrastaram para o show
do Fire!, para o qual abriram. Diferentemente do que alguns possam
imaginar/esperar, Mils Crianças não é aberto à improvisação; trata-se de um
disco de composições, que se desenvolvem de forma equilibrada e envolvente, sem
arroubos, bifurcações ou armadilhas de escuta. Mesmo sendo instrumental, o
álbum se apresenta bem acessível a ouvidos mais adaptados a canções, a voz e
letra servindo de condutor degustativo. Basta ouvir “Naca”, que abre o disco
com envolventes flutuantes riffs de guitarra, acaraciando os sentidos em irrecusável convite para deixar o play rolar – se fosse um registro de outra natureza existencial, seria a faixa ideal para se tornar um “single de trabalho”. Todos os nove temas de Mils Crianças são
relativamente curtos, mostrando que concisão pode ser sinônimo de precisão:
cada uma das faixas parece ter, de fato, o tamanho necessário para que as ideias
do sexteto sejam apresentadas e desenvolvidas. Em conversa com a + Soma, os
integrantes reforçam o que sempre disseram: o que fazem é rock, nada mais. Claro
que nem sempre no disco isso fica planamente óbvio; há momentos rock diretos sim, como a
faixa “Pigarro”, mas há outras passagens que podem fazer o ouvido questionar: rock,
apenas? Na estrada desde o fim dos anos 90, o Hurtmold já editou cinco discos
oficiais – e há mais de cinco anos não soltava um registro novo. Seus antigos (e
novos) fãs não têm mais motivos para reclamar, tampouco para desgostar deste
novo rebento.