É possível encontrar o nome de David S. Ware no crédito de diferentes álbuns registrados durante a década de 1970. Ele mesmo, como líder, estreou nesse período.
Nascido em 1949 em New Jersey, Ware migrou para Nova York no fim dos anos 60 e
teve a oportunidade de vivenciar a cena loft dos 70 na vitalidade de seus vinte
e poucos anos.
Os primeiros tempos em NY foram de associações com músicos pouco
conhecidos que acabariam por desaparecer da história do free jazz. Basta ver o
primeiro registro que conta com o nome de Ware no saxofone: “The Third World”,
disco do obscuro sax alto Abdul Hannan lançado em 71. A próxima parada seria mais
uma participação em um registro esquecido, “Monism”, disco de 73 do também sax
alto Milton Marsh, no qual Ware participa de uma faixa. Mas nos anos seguintes
Ware se uniria a músicos de maior expressão. Essa ligação começa com o baterista
Andrew Cyrille, antigo parceiro de Cecil Taylor já com nome sedimentado no meio
nesse período. O baterista, após ouvir Ware em uma gig informal em algum dos
lofts que povoavam a cena de então, o convidou para tocarem juntos em 74. A
sintonia fez com que Ware fosse recrutado para o grupo que o percussionista
havia montado, o “Maono”. Ao lado de Cyrille, o saxofonista gravou Celebration
(75), Junction (76) e Metamusician’s Stomp (78). Os dois aparecem juntos também
na mítica coletânea “Wild Flowers” (que reuniu apresentações de diversos grupos
no studio-loft Rivbea, de Sam Rivers, em maio de 1976). Sua parceria com
Cyrille o levou até a Unit de Cecil Taylor. Entre 76 e 77, Ware excursionou com
o pianista, período do qual ficou um registro oficial, Dark to Themselves. Os
bateristas William Hooker (“...Is Eternal Life”, de 77) e Beaver Harris (“African
Drums”, de 77) foram outros com quem o saxofonista gravou naquela década.
Ainda antes dessas associações todas, no final dos anos
1960, Ware havia conhecido o jovem pianista Cooper-Moore (Gene Y. Ashton na
época). No início dos anos 70, os dois formariam o grupo Apogee, para o qual
também foi convidado o baterista Marc Edwards. Esse trio tocaria junto por
vários anos, adicionando às vezes o convidado Chris Amberger no baixo. No
começo de 73, o Apogee teve sua primeira oportunidade de aparecer: abriram para
Sonny Rollins no Village Vanguard. Como eles trabalhavam com outros músicos, o
desenvolvimento do Apogee até o disco de estreia demorou um tempo razoável. A
oportunidade surgiria apenas em 77. E o que era para ser um aguardado momento
festivo acabou por representar o fim do trio e da parceria entre Ware e
Cooper-Moore. As gravações do primeiro disco do Apogee ocorreram em 14 e 15 de
abril de 1977. O disco sairia somente em 79, pelo conhecido selo de free
music HatHut Records. O título do álbum: Birth of a Being.
Apesar de ser um projeto do trio Apogee, Birth of a Being
acabou por sair creditado como um álbum de David S. Ware, o que faz com que
historicamente seja seu primeiro trabalho como líder. Cooper-Moore, idealizador
do Apogee com Ware, não se conformou com a situação. Seu testemunho:
“Apogee started in 1970 and ended when we recorded Birth of
a Being in 1977. I raised the money to make the recording, U$ 1.500 or so.
David Ware took it to Hat Hut and sold it for U$ 500 under his name, not the
name of the band. The explanation was that the owner of the company wanted it
that way. This, of course, upset me [because] to me Apogee was a collective...”.
Após esse imbróglio, Cooper-Moore se afastaria de seu antigo
parceiro por muito tempo. Talvez por isso, o disco jamais voltou a ser reeditado, além de não fazer parte da discografia completa que está no site oficial do saxofonista. Apenas recentemente, em 2010, os dois instrumentistas voltaram a trabalhar conjuntamente, excursionando e gravando.
Polêmicas à parte, Birth of a Being traz Ware já em sintonia
com o universo que marcaria sua obra nas décadas seguintes. As quatro faixas do
álbum mostram o quanto a sonoridade de Ware já estava bem demarcada; o som wareano,
que seria plenamente explorado mais à frente com seu quarteto, já pode ser captado
com nitidez. A forma de abrir com um tema repetitivo e depois deixar a música
se perder, que marca a obra de Ware, já está presente (ouçam “Thematic Thomb”).
Mais explícita também está a linhagem ayleriana, no sopro
ácido-lacrimoso de “Prayer”. O conjunto é completado com duas versões de "A Primary Piece". O disco pode não ter sido originalmente concebido para
ser a estreia de David S. Ware como líder, mas é incrível como soa como uma peça legítima,
perfeita para a abertura de sua essencial obra.
"Birth of a Being"
*David S. Ware: tenor sax, compositions
* Cooper-Moore [Gene Y. Ashton]: piano
*Marc Edwards: drums
* Cooper-Moore [Gene Y. Ashton]: piano
*Marc Edwards: drums
Recorded April 14 and 15, 1977, CIRecording Inc. New York
N.Y.
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Photo by John Rogers