Quando Neneh Cherry apareceu como convidada em um show do The Thing na
Suécia, no começo de 2011, poucos podiam suspeitar que dali nasceria uma das
parcerias mais incensadas deste ano. Na verdade, quando começaram a pipocar, um
pouco mais à frente, informações de que o trio formado pro Mats Gustafsson, Ingebright
Haker Flaten e Paal Nilssen-Love entraria em estúdio para conceber um álbum ao
lado de Neneh, algo de estranho ficou no ar: o encontro renderia?
Don Cherry (1936-1995), padrasto de Neneh e inspirador da criação do “The Thing” (o trio nasceu em 2000 em homenagem ao mítico cornetista), parecia ser o único ponto de contato entre os artistas. Em comum, Gustafsson e Neneh são suecos, nasceram no mesmo 1964 e... não dá para ir muito além. Enquanto o saxofonista sobrevive no underground, fazendo uma música distante da grande mídia cultural, a cantora abocanhou, ainda jovem, algumas lascas do mainstream. Era meados dos anos 80 quando ela fez tocar seu som dançante, de elementos pop chamuscados de hip hop, que a ajudou a se manter em certa evidência até a década seguinte, quando gravou seu último álbum solo, “Man” (96). Talvez o desconforto com a visibilidade mais ampla tenha sido responsável por Neneh se retrair a partir dos anos 2000, período no qual acabam por se destacar em seu trajeto uma serie de parcerias esporádicas e participações especiais, como as registradas com Tricky, Groove Armada e Gorillaz. De mais recente, Neneh pôde ser vista no projeto CirKus, com quem editou o elogiado “Laylow”, em 2006. No CirKus, ela trabalhou ao lado de seu marido, Cameron McVey (que assina ali como Burt Ford) – que acabaria também por participar da produção/remix do álbum The Cherry Thing.
Don Cherry (1936-1995), padrasto de Neneh e inspirador da criação do “The Thing” (o trio nasceu em 2000 em homenagem ao mítico cornetista), parecia ser o único ponto de contato entre os artistas. Em comum, Gustafsson e Neneh são suecos, nasceram no mesmo 1964 e... não dá para ir muito além. Enquanto o saxofonista sobrevive no underground, fazendo uma música distante da grande mídia cultural, a cantora abocanhou, ainda jovem, algumas lascas do mainstream. Era meados dos anos 80 quando ela fez tocar seu som dançante, de elementos pop chamuscados de hip hop, que a ajudou a se manter em certa evidência até a década seguinte, quando gravou seu último álbum solo, “Man” (96). Talvez o desconforto com a visibilidade mais ampla tenha sido responsável por Neneh se retrair a partir dos anos 2000, período no qual acabam por se destacar em seu trajeto uma serie de parcerias esporádicas e participações especiais, como as registradas com Tricky, Groove Armada e Gorillaz. De mais recente, Neneh pôde ser vista no projeto CirKus, com quem editou o elogiado “Laylow”, em 2006. No CirKus, ela trabalhou ao lado de seu marido, Cameron McVey (que assina ali como Burt Ford) – que acabaria também por participar da produção/remix do álbum The Cherry Thing.
A face mainstream de Neneh Cherry trouxe certa estranheza aos fãs do
The Thing quando, no começo deste ano, passou a circular a informação de que o
disco sairia em poucos meses. Dado o perfil arisco da sonoridade do grupo,
ficava um pouco difícil de imaginar como que Neneh contribuiria para o projeto:
seria somente uma participação especial? Vocais em algumas faixas? Uma reunião amigável apenas com o intuito de visitar a obra de Don Cherry?
Em maio de 2012, o trio + a vocalista se apresentaram na Suécia,
trazendo o repertorio que estaria presente no álbum The Cherry Thing, lançado
oficialmente em 19 de junho. Para surpresa dos mais incrédulos, The Thing e
Neneh Cherry encontraram o tom perfeito, realizando um disco saboroso e com
momentos realmente certeiros. Mantendo-se coerente ao projeto “The Thing”, marcado por arroubos demolidores herdados do free jazz e o descompromisso cru de certo garage rock, o
álbum vem amparado em covers/releituras de diferentes matizes (Stooges,
Suicide, Don Cherry e Ornette Coleman), + uma composição de Gustafsson e
outra de Neneh. Em uma roupagem mais organizada e melódica do que se costuma
esperar de Gustafsson, The Cherry Thing não perde a essência de sua obra, não
é uma curva fora e tem, sim, também seus picos mais ríspidos e trepidantes. Em
especial, pode-se apreciar o sax barítono de Mats ecoando infernalmente dolorido
em temas como “Dirt” e “Dream Baby Dream”, aos quais a voz densamente
aconchegante e sensual de Neneh eleva o inebriante impacto instrumental (que dizer dela cantando versos como “I’ve been hurt/and I don’t care/Cause I’m burning
inside/I’m just a dreaming this life/ And do you feel it?/ Said do you feel it
when you touch me?”). Há no disco também elementos outros além dos que estamos
habituados a encarar no The Thing; afinal, Neneh não veio apenas como voz
convidada. Podemos pressentir, por exemplo, uma fragrância trip hop (sem que o
gênero se embrenhe de forma protagonista) em “Cashback” e mesmo nos momentos
mais letárgicos de “Dream Baby Dream” – aí
surge, possivelmente, o dedo de McVey que, se não se tornou referência do gênero,
esteve em sua nascente: ele co-produziu 'Blue Lines', clássico primeiro do Massive
Attack (conta-se que McVey e Neneh, que eram relativamente conhecidos no começo
dos anos 90, ajudaram Massive e Portishead a darem os passos iniciais, armando esquemas em estúdio e abrindo espaços para tocarem).
Uma vez lançado o álbum, durante cerca de um mês, que se estendeu até o fim de julho, o quarteto
excursionou pela Europa, passando por Espanha, Alemanha, Suécia, República
Tcheca, Dinamarca, Noruega, especialmente por festivais de jazz – certo equívoco aqui, o som do quarteto se encaixaria em outros esquemas além dos reservados ao território jazzístico. Os
concertos, sempre apoiados no repertório do álbum, também trouxeram brechas mais amplas para a improvisação do grupo, mas sem que isso ameaçasse a voltagem mais organizada
que marca a obra. A cumplicidade e o prazer em estarem ali fica bem visível nas imagens de palco que podem ser encontradas. A dúvida é: esse clima harmonioso se manteria caso a turnê tivesse se prolongado além do mês que se estendeu? Não faz parte do esquema do The Thing centrar apresentações em repertórios precisos (um ou outro tema, como Art Star, pode se fazer repetidamente presente, mas uma turnê clássica de lançamento de álbum é outra história...). Fato é que nunca um trabalho em que Mats Gustafsson esteve envolvido gerou tão ampla repercussão. Resenhas elogiosas ao disco e aos concertos apareceram em periódicos como
o britânico The Guardian e o espanhol El País, além da atenção recebida pelos
ícones indie Pitchfork e NME. É claro que a recepção calorosa
dada ao The Cherry Thing deve ter empolgado os envolvidos no projeto. Mas isso será suficiente para dar sobrevida à proposta? O selo
independente Smalltown Supersound, que lançou o CD/Vinil, anunciou a edição de uma versão de remixes do álbum feitos por vários artistas. A apresentação que fizeram em San Sebastian
recebeu uma filmagem profissional e espera-se que acabe se transformando em DVD. De qualquer forma, independente disso tudo, quem
conhece o múltiplo Gustafsson certamente duvidará que ele dê continuidade ao The
Cherry Thing, ao menos não visando simplesmente abocanhar mais exposição, um troco
extra: o mais provável é que nunca vejamos um The
Cherry Thing 2. Ao menos, torçamos para que organizem um
novo tour no ano que vem e acabem (por que não?) desembarcando no Brasil também.
Nenhum sinal foi dado em relação à possibilidade de a turnê do The
Cherry Thing render um álbum oficial ao vivo. Por aí, já circulam vídeos e
arquivos de diferentes apresentações do quarteto, que permitem àqueles que não puderam
estar na Europa em data e local corretos para apreciá-los ao vivo sentir um
pouco do que esse encontro tem rendido nos palcos. O pessoal do Rest in Bits,
por exemplo, disponibilizou uma boa versão do concerto que o grupo fez em Barcelona,
em 22 de julho. Estão aí todos os temas do disco, para saciar os que têm
deixado o CD no repeat nos últimos meses...
“The Cherry Thing – Live in Barcelona”
*Neneh Cherry: voice
*Mats Gustafsson: baritone sax, electronics
*Ingebrigt Haker Flaten: double bass, electric bass
*Paal Nilssen-Love: drums
Recorded at Sala Apolo 2, Barcelona, Spain, 22 july 2012.
*Mats Gustafsson: baritone sax, electronics
*Ingebrigt Haker Flaten: double bass, electric bass
*Paal Nilssen-Love: drums
Recorded at Sala Apolo 2, Barcelona, Spain, 22 july 2012.