Quando se fala em som instrumental, as associações diretas
que costumam ser feitas são com o jazz e a música de concerto. No Brasil, também
pensa-se prontamente em choro e na chamada ‘música instrumental brasileira’.
Mas o instrumental no rock também tem história antiga e representantes muitos explorando
as mais variadas expressões nesse campo. Interessante que há até quem defenda
que a origem do rock está, na verdade, intimamente presa a uma linhagem
instrumental. Não à toa, mesmo em seus tempos iniciais de sedimentação, há mais
de meio século, o rock já gestava clássicos nesse território, sendo a seminal “Rumble”
(1958), do guitarrista Link Wray, ou “Walk-Don't Run” (1960), do The Ventures,
testemunhos fundamentais daquele momento. De qualquer forma, é curioso que se convocarmos
um fã de rock e pedirmos a ele que faça um Top 10 de bandas ou discos de todos
os tempos, raramente surgirão exemplares instrumentais...
Nos últimos anos, temos
visto bandas nacionais ligadas ao campo rock explorando a seara instrumental de
forma mais usual e intensa, com propostas e resultados bastante variados: de
Hurtmold a Macaco Bong e Chinese Cookie Poets, a música sem vocais parece
ocupar atualmente um espaço mais destacado entre fazedores e apreciadores.
Nesse território, agora é a vez do quarteto Elma soltar seu
primeiro álbum. Em uma década de estrada, o Elma construiu um rock instrumental
pesado, denso, com temperatura metal latente, amparado por duas guitarras
(Bernardo Pacheco e Paulo Cyrino), baixo (Ricardo Lopes) e bateria (Fernando
Seixlack). Desde 2002, com alguns integrantes alterados, um EP e uma demo na
bagagem, o Elma já apresentou seu som em palcos vários da cidade e agora se
prepara para mostrar seu trabalho novo no Centro Cultural São Paulo, dia 15, em
uma noite que contará também com o americano Kevin Drumm, força do noise atual.
Ao ouvir o trabalho novo do Elma, surge a curiosidade de se
a improvisação livre e o noise também fazem parte do som como elementos
estruturais, como caminhos que os integrantes buscam para ampliar a sonoridade
própria que a banda tem ou se, ao menos, esses campos sonoros integram o
universo de audições dos integrantes.
“Esse lance de improvisação livre acho que vem mais de mim e
um pouco do Fernando, mas o lance é que isso é uma solução estrutural pra
algumas partes das músicas, é dessa forma que acaba indo parar em algumas
faixas do disco. Se fôssemos simplesmente listar estilos ou bandas que gostamos
não ia ter fim, vai de Fugazi e Neurosis a bandas de HC melódico da Fat Wreck,
samba, Duke Ellington e dubstep (não necessariamente todos na cabeça do mesmo
integrante), alem dos gêneros que você citou [noise, free improvisation]. A
gente não tem pretensão nenhuma de cobrir todos esses estilos, essas são só as
coisas que a gente ouve, mesmo”, disse Bernardo Pacheco em conversa com o Free
Form, Free Jazz.
O percurso longo que desencadeou o LP agora lançado mostra o
trabalho artesanal que ampara o fazer da banda, em um mundo de ouvidos fechados
no qual demarcar espaço e conseguir atenção é sempre um processo árduo, de
paciência e foco obrigatórios. Manter uma banda de pé, arrumar um palco
disponível, ter um público que aceite pagar algo para vê-lo em ação, desafios
que marcam a música livre em suas diferentes faces.
“A gente vive de outras coisas, mas acho que isso descreve a
situação quase todo músico que só faz a música que gosta do jeito que quer, o
que costuma ser o caso dos que a gente respeita. Não cabe ao resto do mundo
financiar isso, mas é sempre massa quando passa perto de acontecer.
Honestamente, acho que pro som que a gente faz as coisas correm bem melhor do
que a gente poderia esperar. Não gastamos um tostão pra ter a banda já tem uns
anos, temos um caixa, etc, em boa parte por causa do trabalho do Fred
(Noropolis/Submarine Records)”, diz Bernardo.
Desde que lançou seu EP em 2006, quem conhece o Elma
aguardava por um álbum completo. O processo não foi rápido. Em 2009, gravaram o
disco, que somente agora chega à rua. O resultado não deixa brechas para bocejos.
O LP do quarteto abre com uma pequena intro de 12s que parece avisar: se
prepare. É aí que a faixa “A Parte Elétrica” eclode, com seus riffs
pesadíssimos, demarcando o tom que irá amparar os ouvintes pelos cerca de 40
minutos que formam o álbum. Os temas não se desenvolvem repetida e linearmente,
com uma progressão de velocidade e peso sem variação; há momentos de ritmos
quebrados, com paradas e entradas-saídas dos instrumentos, picos de tensão que se
dissolvem em viradas mais arrastadas (atenção à “Fat Breath”), tudo sempre
preservando uma estrutura polifônica, em que as quatro vozes do Elma interagem
constantemente, sem aberturas para virtuosismos ocos ou solos afônicos que em
nada ajudariam a dar consistência à proposta do grupo.
“O disco foi 95%
gravado no fim de 2009, e do fim de 2011 pra cá estávamos só resolvendo a parte
física da coisa, entre prensagem e manufatura da arte e embalagem, ou seja, o
áudio já tava pronto faz tempo. Não lembro quando decidimos que o disco ia
sair só em vinil, ou prioritariamente, mas de uns anos pra cá ficou claro pra
gente que se for pra investir num formato físico pro disco o vinil faz bem mais
sentido. Na falta de grana pra tudo, foi melhor focar nessa idéia e deixar a
versão digital pra internet, onde ela já iria parar mesmo. A idéia da arte,
especificamente, a gente teve já na época em que lançamos o EP, lá pra 2006,
mas na época a gente tinha pensado uma versão da mesma coisa pra uma caixinha
de acrílico, não sabíamos que poderia vir a rolar um vinil.”
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Mais Elma:
http://elmaband.comaudio LP
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“ELMA + KEVIN DRUMM”
Onde: Centro Cultural São
Paulo
Quanto: grátis