Sem motivos para ouvir apenas os clássicos de sempre...

Veteranos e favoritos, inclusive gente com passagem marcada para o Brasil, soltaram brilhantes álbuns recentemente. Muita coisa fina a ser degustada –na realidade, apenas um extrato das novidades que chegaram ao mercado nesses tempos. Não falta música fresca; sem motivos para ficar ouvindo apenas os clássicos de sempre...    


RODRIGO AMADO / MOTION TRIO
Burning Alive at Jazz ao Centro
*JACC Records

O Motion Trio, comandado pelo saxofonista português Rodrigo Amado, aparece em novo trabalho acompanhado do trombonista americano Jeb Bishop. A parceria, celebrada com pequena trunê em Portugal no mês de abril, se mostrou altamente frutífera, como pode ser apreciado neste “Burning Alive at Jazz ao Centro”, registrado em maio de 2011. Bishop, muito conhecido por suas associações a Vandermark 5 e Chicago Tentet, fermentou o som do Motion Trio, adicionando um novo colorido e puxando Amado para momentos de rascantes interações. O disco é composto apenas por três longas improvisações, nas quais Amado e Bishop dominam o cenário, dialogando a maioria do tempo, sempre destacando a força do conjunto, sem preocupações com exibições individuais. Os não menos brilhantes e fundamentais Gabriel Ferrandini (bateria) e Miguel Gira (celo) completam a escalação.    

  Rodrigo Amado "Motion Trio" & Jeb Bishop - Red Halo by JACC Records



ALÍPIO C NETO / ANGELO OLIVIERI
If Not
*Terre Sommerse

O saxofonista pernambucano Alípio C Neto, agora radicado na Itália, gravou este belíssimo “If Not” apoiado em um “duplo trio”, o seu e o do trompetista Angelo Olivieri –além de mais alguns convidados certeiros, como o trombonista Giancarlo Schiaffini. Homenagem ao pioneiro saxofonista da free music italiana Mario Schiano (1933-2008), “If Not” apresenta uma sonoridade de livre expressão lírica, com complexas interações entre os músicos e pontos luminares com diálogos precisos proporcionados por sax e trompete, como pode ser bem degustado em “À Sud – suíte doppio trio”, melhor exemplar do conjunto –destaque para a passagem em que o baixo captura os ouvidos com uma sedutora linha repetitiva que remete sutilmente ao icônico toque de Jimmy Garrison em “Acknowledgement”.
Alípio está neste mês de passagem pelo Brasil, em sua Recife. Ninguém se habilita a convidá-lo para uma gig aqui na cidade?  

 


WADADA LEO SMITH
Ten Freedom Summers
*Cuneiform Records

Dada a grandiosidade do projeto e a envergadura de suas ambições, este "Ten Freedom Summers" traça um diálogo frutífero com o projeto “Coin Coin” de Matana Roberts. O trompetista Wadada Leo Smith quis com esse trabalho criar um painel sonoro em homenagem à luta pelos direitos dos afro-americanos, destacando várias passagens e personagens históricos, como revelam os títulos: “Martin Luther King, Jr.: Memphis, the Prophecy”; “Buzzaw: The Myth of a Free Press”; e por aí vai. São quase quatro horas de música (em 4 discos), divididas em 19 temas agrupados em três partes. A execução fica a cargo de seu 'Golden Quintet' –Anthony Davis (piano), Susie Ibarra e Pheeroan akLaff (bateria) e John Lindberg (baixo) ­–, ao qual são agregados um quarteto de cordas e harpa. As peças se desenvolvem com diferentes configurações, indo de solos e duos a grandes conjuntos, oferecendo momentos compostos, improvisação, contemplação e energy music. No Brasil (Sesc Vila Mariana), será apresentado o trabalho todo, com cada uma das partes executada em um dia. Segundo o site da gravadora Cuneiform Records, Wadada virá ao país com o conjunto completo –quinteto, cordas, harpa e projeção de vídeo.


 

WILLIAM PARKER
Centering
*No Business

Incrível resgate da música do baixista William Parker em seus primeiros tempos. São seis discos englobando o período 1976-1987, do qual, até o momento, havia poucos registros disponíveis. De duos com Daniel Carter e Charles Gayle, passando por grandes conjuntos com Jemeel Moondoc e Rashid Bakr, além de um encontro primordial com David S. Ware em 1980, a caixa oferece raridades das quais nem notícia se tinha. De qualquer forma, é o tipo de trabalho que interessa mais aos fãs de Parker, interessados em visitar um período que permanecia meio que nublado em sua carreira.




JOHN BUTCHER / MARK SANDERS
Daylight
*Emanem

O saxofonista britânico, que logo mais passa pelo Brasil, gravou esse duo com o baterista Mark Sanders, que já mostrou seu toque algumas vezes na cidade. O álbum se resume a três improvisações –a longa faixa de abertura alcança os 30 minutos– captadas em maio de 2010 e fevereiro de 2011. Apesar de Sanders ser substituído por Prévost no concerto programado para o CCSP, o disco serve como um aperitivo do que poderemos ver e ouvir em algumas semanas.



THE THING / NENEH CHERRY
The Cherry Thing
*Smalltown Supersound

O incrível The Thing em encontro com a cantora Neneh Cherry. Disco cativante de ponta a ponta, daqueles que nascem como candidato a Top 10 do ano. O trio The Thing, para quem não recorda, nasceu em 2000 com a proposta de homenagear a obra de Don Cherry (1936-1995), padrasto de Neneh. Nos anos seguintes, o trio se tornou conhecido por suas releituras ácidas de temas roqueiros, presentes também neste novo álbum. A conferir: o sopro de Gustafsson, ora amparando a voz de Neneh, ora explodindo em rompantes guturais, desconstruindo a melancolia arrastada de faixas como “Dream Baby Dream” (do Suicide) e “Dirt” (Stooges) –esta a melhor do disco–, criando picos de beleza aguda, dolorida.
Química certeira.

  Neneh Cherry & The Thing: Dream Baby Dream by smalltownsupersound