Quem buscou informações no site do SESC sobre os concertos
que o trio formado por Peter Brötzmann, John Edwards e Steve Noble realizará em SP,
tomou um inevitável susto: está lá escrito:
“Juntos, trazem o repertório do
recém-lançado álbum “...The
Worse The Better”, em que o trio executa uma sonoridade influenciada por
Bill Evans e a fase blues de Miles Davis, em que cada músico leva um
brilho particular em seus solos.”
É isso mesmo? Brötzmann exibindo uma sonoridade influenciada
por Bill Evans e Miles Davis? Em que universo? Isso soa tão tragicamente cômico
aos ouvidos de quem conhece esses músicos quanto escutar um comentário de que o
novo disco do Napalm Death ecoa influências de Portshead e Leonard Cohen...
Tudo gente da boa, mas meio que uma relação absurdamente impossível de ocorrer.
Como isso não podia ter brotado simples e inocentemente da cabeça do redator do texto, alguma lógica mais complexa
tinha que estar por trás. Afinal, pela primeira vez na história da crítica musical alguém conseguira relacionar Evans, Davis e Brötzmann (e de que diabos se trata essa tal ‘fase blues’ do Miles?). Fui tentar entender o que se passava. Tateando pela web, cheguei a uma crítica
recentemente publicada por Joseph Burnett no site “The Quietus” sobre o disco “...The Worse The
Better”. Mistério resolvido.
Foi de um trecho da crítica que o redator do SESC tirou sua inspiração, que diz:
“Around the
halfway mark, the trio does relax into a more restrained pace, effortlessly
transforming the piece into a sexy, almost “classic” jazz swing and, in the
tradition of Bill Evans or Kind of Blue-era Miles Davis, each player
gets a chance to shine with a solo.”
Ou seja, Burnett usou como exemplo Evans e
Davis (a fase do álbum ‘Kind of Blue’, nada de ‘blues’!) apenas para fazer uma relação
entre uma passagem (surpresivamente) relaxada do disco, “sexy”, (quase)
temperada por um clássico swing jazzístico, em que os instrumentistas têm espaço para brilhar pontualmente com seus solos, como ocorria com o trio de Evans e o quinteto de Miles. Apenas
isso. Burnett poderia ter usado vários outros exemplos, não sei se fez as
escolhas mais adequadas ao comentar um disco do Brötzmann, e acabou gerando
essa confusão monstruosa. Não, não existe, nem na crítica que inspirou o redator nem no mundo real da arte desses músicos, qualquer brecha de influências. E qual o problema dessa confusão? Simples: o cidadão vai no site do SESC, lê os nomes de Evans e
Davis (que ele adora!), e compra ingressos para a família toda vivenciar uma bela noite de jazz
protagonizado por um velhinho saxofonista alemão...
Espero que o Sesc não cometa a imprudência de
colocar esse texto nos folders do evento, pois isso irá acabar por gerar equívocos e decepções...
Um pequeno vacilo mais: o trio não trará o repertório do
recém-lançado álbum “...The Worse The
Better”, que não tem repertório, mas apenas uma longa improvisação de 40
minutos repartida entre as duas faces do vinil! Estamos no terreno da
improvisação livre. No setlist! Ouçam um pouco de “...The
Worse The Better” para entender melhor do que estamos falando: