'Space is the Place' (I)

Curiosa a repercussão da passagem da Sun Ra Arkestra pelo país. Há tanta gente assim interessada em avant-jazz? É o que parece, ao menos tem se falado no grupo em todos os cantos, até sessão extra no domingo o Sesc teve de anunciar... O mesmo ocorreu quando Ornette Coleman e Pharoah Sanders aportaram por aqui. Por outro lado, notem a magra repercussão que teve a vinda de nomes mais relevantes do que esses para a contemporaneidade sonoro-avant-jazzística (Ken Vandermak, Matthew Shipp, Mats Gustafsson) e ficará claro que há algo de estranho nessa conta... Bom seria se o chamariz das “estrelas” do free jazz levasse os ouvidos desse público mais vasto também para nomes novos (ou nem tanto) dessa seara que têm visitado nossos palcos...
Curioso lembrar que Sun Ra (1914-1993) voltou para Saturno há quase duas décadas! Mas o fascínio com o universo criado pelo músico americano parece permanecer intacto.   


(Sun Ra Arkestra. Spain, 1985)

Praticamente desconhecido até o início dos anos 1950, quando se transmutou definitivamente em Sun Ra, o pianista Herman ‘Sonny’ Blount provavelmente teria sido apenas mais um nome perdido no universo jazzístico do passado. O máximo que a biografia do pianista traz em suas primeiras décadas é um trabalho durante breve período como arranjador na orquestra de Fletcher Henderson (1897-1952). Isso foi em 46/47, quando o bebop era o que de mais moderno se fazia. E Herman tocando o velho swing ao lado de uma orquestra em fim de vida... Mas o inevitável não tardaria: os anos 1950 trouxeram o desabrochamento da persona Sun Ra: uma nova identidade e a articulação de um campo sonoro inaudito. Em meados daquela década, a Arkestra concebida pelo instrumentista já contava com seus membros fundamentais –John Gilmore (1931-1995), Pat Patrick (1929-1991) e Marshall Allen (1924)–, começando a arquitetar sua discografia, que superou os 200 títulos. Dos ainda tímidos experimentos de discos como “Sound of Joy” (57) e “Jazz in Silhouette” (58), Sun Ra rumaria à abertura sonora máxima a partir dos 60's, período em que trocou Chicago por NY e se enturmou com o pessoal do free jazz nascente. “Other Planes of There” (64) e “The Heliocentric Worlds of Sun Ra” (65) já testemunham o melhor do som da Arkestra estruturado, com longos temas, improvisações ariscas, amplitude percussiva, efeitos auditivos e visuais –marcas que acompanhariam a banda em suas variadas encarnações e que dão os fundamentos do que seus discípulos oferecem ainda hoje.



A Arkestra –o nome faz referência à Noah’s Ark: a função primordial da Arkestra era abrigar os espécimes escolhidos por Sun Ra para fazerem a travessia a seu universo–  foi/é mais do que apenas uma orquestra. Antecipando certo espírito sessentista, foi concebida como uma comunidade para o desenvolvimento de um projeto artístico que sobrevive há mais de meio século. A partir desse ponto de vista, é possível entender os motivos de a Arkestra permanecer viva mesmo após a morte de seu fundador, sem que isso soe apenas como truque de marketing ou incurável nostalgia.

Dentre os escolhidos para adentrar a sagrada Arkestra, há um brasileiro, o percussionista Elson Nascimento, que se juntou à trupe em 1988 e permanece por lá até hoje.

Eu saí de São Paulo, Vila Maria, trabalhei por seis anos com grupos brasileiros [nos EUA], até que um dançarino da Arkestra levou Sun Ra e Marshall Allen para ver nosso show. Depois do show fomos conversar com ele, que nos convidou para participar de alguns concertos em grandes festivais, Detroit e Chicago, eu e dois capoeiristas... Nunca tinha ouvido falar em Sun Ra [antes disso]...”, disse o percussionista em conversa com o Free Form, Free Jazz.

E como é estar envolvido com essa tentativa de manter o legado de Sun Ra pulsando? Era um desejo do próprio que a Arkestra sobrevivesse a ele?
O legado do Sun Ra não precisa ser mantido, ele se mantém por conta própria. Os ensinamentos do Sun Ra foram muitos, ele era um ótimo estrategista, com um conhecimento impressionante. Manter a Arkestra é uma pequena prova de que aprendemos um pouco com ele.
“É um orgulho muito grande para um brasileiro, porque trabalhar na Arkestra é especial... Depois que o Sun Ra partiu, já estivemos em vários lugares, fomos ao Brasil no Chivas Jazz de 2004, do Toy Lima, produtor corajoso que levou a gente aí, um lugar que o Sun Ra sempre quis ir, [também fomos a] Irlanda ,Sibéria, Austrália, mais recentemente a Israel, e isso para mim é um orgulho, ter sido treinado pelo Sun Ra...


Como se estruturam os concertos? Há música nova também?
O Marshall Allen é o líder total da música da Arkestra hoje, ele tem muita similaridade com o Sun Ra, escreve, arranja, escolhe o repertório, onde tocamos e parte do gerenciamento do grupo.
“O Marshall tem muitas composições novas que nós já gravamos, além de muitas músicas do próprio Sun Ra para tocar, precisamos é de mais shows... [No Sesc] serão concertos de uns 90 minutos. Na verdade não trabalhamos com roteiro, o Marshall decide na hora, espero que dê tempo para tocarmos bastante música e deixar todo mundo contente.


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Quando: 10/2 (sex), às 21h
Onde: Sesc Ribeirão Preto (Teatro Municipal)
Quanto: R$ 10 (inteira)


Quando: 11/2 (sáb), às 21h30
Onde: Sesc Pompeia
Quanto: R$ 32 (inteira)

Quando: 12/2 (dom), às 17h
Onde: Sesc Pompeia
Quanto: R$ 32 (inteira)

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**Photo: Sun Ra e Elson Nascimento - by Manfred Rinderspacher