Março incendiado: John Zorn (III)

Musicians don’t think in terms of boxes. I know what jazz music is. I studied it. I love it. But when I sit down and make music, a lot of things come together. And sometimes it falls a little bit toward the classical side, sometimes it falls a little bit towards the jazz, sometimes it falls toward rock, sometimes it doesn’t fall anywhere, it’s just floating in limbo. But no matter which way it falls, it’s always a little bit of a freak. It doesn’t really belong anywhere. It’s something unique, it’s something different, it’s something out of my heart.”        (John Zorn).

Muito lembrado por representar uma ponte entre o rock e o (free) jazz, John Zorn não é um músico que sempre atuou nas duas frentes, como o senso comum faz parecer.  O saxofonista conta que suas experiências iniciais tocando se deram na adolescência, com o rock, empunhando um baixo em banda de surf music. Mas quando tinha ainda seus 15 anos, se deparou com um disco do compositor avant-garde Mauricio Kagel, fato que mudou sua percepção artística e o levou a se matricular mais à frente no Webster College, em St. Louis, para estudar composição. Por lá, freqüentou as aulas de Oliver Lake e foi apresentado ao álbum “For Alto”, clássico solo de Anthony Braxton –pontos que o levariam a passar a se focar no que se tornaria seu principal veículo por toda vida, o sax alto. 

Os primeiros registros de John Zorn datam de 1973/74, quando contava com 19/20 anos, e mostram que o rock não estava mais em seu cardápio. Gravações “caseiras” de um jovem tateando em busca de um rumo sonoro, essas peças foram reunidas e lançadas comercialmente apenas em 95, como “First Recordings”, pela sua gravadora Tzadik. Na contracapa do CD, ele fala de influências da época (Kagel, Braxton, Cage): improvisação, música concreta, eletroacústica, é o que mais se vê por ali. Zorn ainda não era centradamente um saxofonista, mas um jovem instrumentista testando caminhos. E a junção do free jazz com o rock não era seu foco. No correr dos anos 1970, ele foi se dedicando cada vez mais ao sax alto, com sua música voltada principalmente para a improvisação livre. É daí que vêm seus primeiros registros oficiais, ao lado do guitarrista Eugene Chadbourne: “Lacrose” (77/78) e “School” (78). Nessa época, chegou também a tocar com a banda de Frank Lowe (1943-2003), aparecendo no álbum “Low and Behold” (77).

Apesar desses suspiros iniciais, seria somente a partir dos anos 1980 que Zorn abriria seu som de forma mais consistente às vastas trilhas que formariam e caracterizariam sua arte, alcançando seus primeiros “sucessos” e sedimentando seu nome como figura central da downtown scene de NY. O rock da adolescência ressurgiria, de forma mais explícita (e intensa), somente no final da década de 1980, quando arquiteta o Naked City, logo radicalizando o processo com o PainKiller. Depois, entre idas e vindas perdidas em meio a seu amplo cosmo sonoro, brotariam associações diretas com o universo rocker –Mick Harris, Mike Patton, Lou Reed, Napalm Death, Violent Femmes...

Fora esses, outra figura do rock que dividiu parcerias com Zorn: o baterista Dave Lombardo. Conhecido por ser as baquetas robustas do Slayer em sua fase mais nervosa (“Hell Awaits”; “Reign in Blood”), Lombardo cruzaria o caminho de Zorn nos anos 90. Apesar de nunca ter sido propriamente um companheiro de viagem do saxofonista, participou dos álbuns “Taboo and Exile” (99) e “Xu Feng” (2000), além de se apresentar com ele em concertos vários. 2001, Canadá, FIMAV (Festival International de Musique Actuelle de Victoriaville), foi uma dessas paradas. O sempre próximo Bill Laswell e o também hiperativo guitarrista Fred Frith completavam o quarteto que subiu ao palco do festival em 21 de maio daquele ano. O FIMAV é conhecido por ser um evento amplamente aberto, reunindo anualmente experiências de várias frentes, jazz, rock, impro, erudito etc. Nessa mesma edição, três dias antes, Thurston Moore se apresentou com Keiji Haino, em duo de guitarras desconcertante.

O quarteto de Zorn intercalou momentos de fúria com outros menos inflamados em seu concerto no FIMAV, mas sempre mantendo o tom elevado. A pouco mais de uma hora de apresentação, repartida em seis partes chamadas “Sanctuary”, mostra um grupo sintonizado: Laswell e Fitch são (eram) antigos parceiros de Zorn; Lombardo não. Talvez por isso o baterista tenha se revelado um pouco contido; caberia mais seu lado furioso, sua investida metal –não destoaria em nada do que os músicos estavam prontos a ofertar.


JOHN ZORN 4 tet – Live at FIMAV 2001
*John Zorn: alto sax*Fred Frith: guitar
*Bill Laswell: bass
*Dave Lombardo: drums

Recorded live at the Colisee des Bois Francs, 18º Festival International de Musique Actuelle de Victoriaville,  Quebec, Canada on May 21st, 2001.